terça-feira, 21 de abril de 2009

"O LADO LUNAR"



Todos os sábados de manhã...
(de manhã é "apelido", já que os meus pequenos almoços diariamente tomam os lugares de almoços, tal a desgovernação horária, que faz parte duma desgovernação bem mais ampla, que é de facto, a desgovernação da minha vida...)
Na verdade, desde que os encargos, as responsabilidades, as "obrigações" (como diria a minha mãe), com terceiros, cessaram, anarquizei e subverti completa e até negativamente, reconheço, os meus hábitos...todos eles.
Durmo ao sabor do sono, como ao sabor da fome, cortei amarras com regras socialmente estabelecidas com que as pessoas se regem.

É por um lado uma libertação, mas por outro, para lá da tal anarquia que se impregna por debaixo da pele, resulta num prejuízo em termos qualitativos para a saúde e se calhar para o equilíbrio...
É que, de repente, tudo fica talvez aleatório demais...

Bom, mas eu dizia que todos os sábados, o sr. Gonçalves do Escudeiro, me põe à frente da sandocha e do galão, uma daquelas revistas que acompanham quase sempre ao fim de semana, os diários publicados.

Invariavelmente "vasculho-a" com alguma calma, privilegiando este que outro, artigo ou crónica.
É uma leitura "soft", já que, das notícias pegajosas da crise, às não menos enfadonhas notícias de outras quantas desgraças ou calamidades, estamos todos nós saturados, creio, ao longo da semana.

E antes que queime o último neurónio de serviço com as politiquices irresolúveis, os descalabros da economia, a mediocridade fétida das desonestidades, compadrios, imoralidades que por aí grassam e incertezas sufocantes de futuro...eu quero mesmo é uma leitura tipo "Carochinha e João Ratão" que é como quem diz....que não me chateie, que eu já tenho a minha dose!!!!

Sendo assim,sempre tenho debaixo de olho alguns artigos, escritos igualmente por autores também já por mim referenciados.

Uma frase, numa dessas crónicas que intencionalmente não refiro, saltou-me aos olhos e fixou-se-me na mente, num destes fins de semana recentes : "Dormir numa cama que range é tão diferente de ter um passado a meias!"

Ora bem, essa frase, que tem obviamente uma conotação algo simbólica, fez-me reflectir na facilidade com que hoje em dia (e não pretendo ser moralista ou puritana, mas tão somente objectiva), se "pula" de facto, de cama que range para cama que range...ou seja, se descarta com toda a facilidade o conteúdo, muito mais que o continente...

Confunde-me atrozmente o imediatismo, o descompromisso, o descartável, a mácula que nunca fica e já nem mácula é...a insignificância do que deveria ser partilha, a redução a zero e a desvalorização total, gratuita, desobrigada...por vezes nem em nome de um prazer que desafia...a maioria das vezes por um acaso, porque calhou, porque já nem se sabia bem...porque..."qual é o mal?" porque amanhã é outro dia, outros rostos, outros fins de semana, outros copos, outras camas a ranger....

Ter um passado a meias, ainda que um "passado-presente" curto, ter meia dúzia de tretas em comum, capazes de fazer estória...uma estória que um dia vire passado a sério...

Ter linguagens que se toquem, cumplicidades que se completem, gostar de "ouvir a mesma canção" (como o Rui diz), olhar com olhos próximos o mesmo pôr-de-sol, saber explicar o que nos vai dentro, sem abrir a boca, apenas porque os olhares se flagraram...

Acreditar, mesmo que saibamos não passar de ingenuidade serôdia, num futuro qualquer, num projecto qualquer, numa realização qualquer ainda que estejamos fartos de saber ser tão somente um resquício de uma adolescência que não se quer deixar partir...

aí sim ...seria um tesouro inestimável (que ainda acredito ansiarmos dentro de nós), seria o desiderato mais merecedor para qualquer ser humano...embora cada vez mais, pareça ser algo utópico, algo inalcançável, algo que mais e mais vai ficando a anos-luz de um vazio quase generalizado, cuja falta, hoje em dia, a maior parte das pessoas parece já nem se dar conta...

Que me corrijam se estou errada, cruelmente enganada ou exageradamente julgadora.
Também isto eu acho ser mais um sinal deste tempo de correntes sem rumo, de vidas ao Deus dará, de vazios gélidos que nos vão irreversivelmente petrificando!!

Anamar

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