terça-feira, 14 de abril de 2009

"QUEM CANTAVA, SEU MAL ESPANTAVA !!..."

Não se canta mais, hoje em dia!!!...

Numa manhã de um destes domingos, acordei com a sensação de alguém num apartamento por cima, por baixo, ou ao lado, cantar, enquanto aspirava a casa...

Arrebitei a orelha, e constatei que devia estar a sonhar.

Sabem como são estes apartamentos nestas colmeias, que são os prédios onde vivemos...
Tudo se ouve através daquelas paredes, que mais parecem de cartolina do que de tijolos...
Ele é o choro das criancinhas, às horas mais inapropriadas da noite, ele é o chichi da vizinha, ele é a cama que range sincopadamente e sem pudor, o autoclismo a despejar, os palavrões e as réplicas dos palavrões, daquele casal moderninho que até parecia serem "unha e carne"...Enfim, um sem número de sons, nos quais podia muito bem estar incluído o canto, a aligeirar as lidas domésticas.

Mas não.
De facto eu enganara-me, e já nem no duche se ouve aquela ária de ópera, que o "marmanjo" do andar de cima, considerava ser terapia adequada ao começo de cada dia!

Veio-me então à ideia, naquele dorme-acorda desatinado, que há décadas e décadas que não oiço a minha mãe cantar.
Lembro os tempos da minha criancice, da minha adolescência, em que, com a voz límpida que tinha, sempre acompanhava as tarefas de casa, com um espírito leve, solto... despreocupado.
A minha mãe e toda a sua família, eram conhecidas por cantarem muito bem. Por essa razão, há anos e anos atrás, alguém ligado à música, fez com eles, uma recolha de "Cantares ao menino Jesus", naquele Alentejo profundo.
Ainda não existia o "karaoke" e não se "fabricavam" vozes. Ou se era realmente dotado ou não. Ou se era genuíno, ou não...

Cantava a minha mãe temas da Revista à Portuguesa, em voga na altura...ou canções dos artistas do seu tempo...Tony de Matos, Tristão da Silva, Max, Beatriz Costa, Amália, Trio Odemira...sei lá, já não consigo recordar...

Depois, lembrei a D. Henriqueta, agora uma "empregada auxiliar", designação "modernaça", para a "contínua" que sempre foi, na minha escola.
Mudaram os "palavrões", mas a D. Henriqueta (recentemente aposentada), sempre foi a mesma;
Ela, e a voz cristalina que se ouvia naquele liceu, quer quando trabalhava na cozinha (nos tempos em que lá se confeccionava a comida servida), quer quando passou a atender no bar, por a escola ter contratado, em má hora, uma empresa de "catering".

Sempre cantava e bem, as "modas" de que gostava...e a sua voz, ficou de facto, nos ouvidos de todos nós que com ela convivemos.

A minha mãe realmente deixou de cantar, sequer trautear as modinhas do seu tempo, ou porque já as esqueceu, ou porque os anos com o desencanto da vida, a foram "aposentando" deste Mundo, também nesse ramo...

Hoje em dia não se canta mais...mas também não se ouve mais música.
Escutam-se "berros"...ou melhor, ensurdece-se precocemente com gritos, que não permitem seguramente o extraordinário privilégio, que é sorver até à alma qualquer tema musical que nos preenche, que é absorver até ao âmago, a harmonia de sons que nos invadem, e que por isso, quantas e quantas vezes nos trazem espontaneamente as lágrimas aos olhos...

A vida está a encarregar-se, injustamente, de nos emudecer!!...

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Pois é a minha mãe também cantava...e bem , enquanto executava as tarefas da casa . Agora...não sei...pouco nos vemos... é a distância...a falta de tempo...

Hoje não te vi...

beij

Maria Romã

anamar disse...

Olá Maria
"Cenas" doutras épocas, não é verdade?
Espantoso como as lembramos, espantoso como elas são comuns a muito mais gente que sequer suspeitávamos...
Passados próximos, vivências semelhantes...sem dúvida, estas pequenas/grandes coisas definem uma geração!
Beijinho
Anamar