terça-feira, 4 de maio de 2010

"UM PEDAÇO DE VIDA...UM PEDAÇO DE PAPEL"



A casa estava na penumbra.
Ainda não tinha ligado as luzes eléctricas, estava deitada sobre a cama, de lado, voltada para a janela.
Esta, era um mero quadrado recortado na luz crepuscular do exterior, que àquela hora era de um azul-cinza tão pálido, mas tão pálido, que não sendo o fogacho alaranjado já pouco intenso lá bem no fundo, dir-se-ia que os deuses já tinham ido dormir....

Todos os objectos do interior e do exterior, o recorte do casario, eram só sombras chinesas, vultos, que mais se adivinhavam do que se viam....

Era uma hora muito estranha.
No céu já não havia pássaros, a aragem corria algo forte, para este Maio promissor de um Verão que se anunciava....
Era a hora das bruxas....da quietude, do silêncio, da letargia, do adormecimento da natureza...
Sempre se sentia cansada nesse espaço temporal de pausa, até que o céu ficava definitivamente escuro....Parecia que ocorria ali uma suspensão de vida durante algum tempo, uma época de pausa, de intimismo, um quebrar ou deixar pender os sonhos, as forças, os projectos, os planos, toda a energia que o sol radioso da manhã seguinte repunha, recuperava, regenerava....

Eram assim os dias, as semanas que se juntavam em meses, que perfaziam anos....que completavam vidas....

Abriu a janela e deixou que a aragem da noite lhe atravessasse o corpo semi-nu.....fez uma pausa, abriu a mão onde estava ainda bem preso aquele mail....e deixou-o ir, flutuando nos golpes da aragem nocturna....enquanto se dava conta que ao alcance do clique daquele "enviar", iam vogando ao acaso, seis anos da sua vida...

Pensou:"Irónico....nem sequer está por aqui a minha gaivota. Se estivesse, ela podia trazer-me o papel de volta, do éter, do silêncio...pensando que eu me descuidara e o deixara escapar, e dizendo-me -tem cuidado! seis anos da vida de alguém, assim, perdidos, é um crime. Vê se és prudente!!"

Não....na hora das bruxas já as gaivotas fecharam a pestana há muito....

Continuou nostálgica,,, e nem Vénus, o único astro "plantado" bem ali na sua frente, teve o condão de a fazer acreditar que há mais vida lá fora, que há mais esperança e futuro do que a sentença ditada naquele definitivo papel...

Anamar

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