sábado, 5 de fevereiro de 2011

"O ETÉREO MUNDO DOS LOUCOS"

O etéreo mundo dos loucos, ou o reino dos que se passaram já para o "outro" lado...

Acho que nunca vos falei disto, mas desde criança, que a ida àquele local era algo penoso, inquietante, angustiante para mim.
Mas lá ia, no sábado ou no domingo que os meus pais entendiam. Era sempre como se fosse devassar um mundo de duendes, seres estranhos e imprevisíveis que me assustava.
Sempre senti o mesmo, mesmo depois de adulta, mesmo com outro entendimento das coisas, mesmo quando fui eu que tive que tomar a cabeça da situação, por morte do meu pai.

Eu tenho um meio irmão, mais velho que eu dezassete anos, fruto de um primeiro casamento do meu pai. Essa união foi efémera, e quando o meu irmão tinha apenas dois anos, perdeu a mãe.
A partir daí, e tendo o meu pai que levar a vida adiante, o meu irmão foi "jogado" de casa de familiar para casa de familiar, meio de empréstimo, meio de compaixão, até o meu pai casar segunda vez, anos depois, com a minha mãe.
Quase logo nascia eu, e quase logo o meu irmão adoeceu, aos dezassete anos de idade.

Uma esquizofrenia grave, procura dos mais eminentes médicos da especialidade à altura, Egas Moniz, Elísio de Moura (não esqueçam que estamos no início da década de 50), electrochoques, coletes de forças, internamentos, fugas, etc, etc, um inferno vivido, penso.

Finalmente desenganado, e tendo a doença ficado, por assim dizer, crónica, o meu irmão ficou definitivamente internado numa Casa de Saúde para doentes mentais, onde "vive" há 60 anos, portanto.
Como família tinha o pai, tinha a minha mãe que adoptou como "madrinha", tinha-me a mim, com quem nunca viveu...Ninguém mais.

Há dezoito anos atrás o meu pai faleceu, a minha mãe locomove-se com alguma dificuldade nos seus 90 anos, as sobrinhas, minhas filhas portanto, subtraíram-se o mais possível (sobretudo a mais velha), ao constrangimento do penetrar naquele mundo...eu, penalizo-me pela ausência excessiva e injustificada...

Hoje, lá fui, tentar com uns "mimos" disfarçar o que não é disfarçável na minha consciência, a minha falta...
E como sempre, desde menina, senti exactamente aquele aperto claustrofóbico de um mundo paralelo ao nosso mundo.
Um mundo de pessoas que estão noutra realidade.

Em miúda e ao tempo, encaravam-se as deficiências como uma espécie de mácula ou vergonha familiares, e eu acho que tinha vergonha de que me conotassem com aquele ser.
Hoje, sentada ao sol, lado a lado com ele, num banco ao ar livre, com o azul de um céu escandalosamente lindo por cima de nós, com os trinados dos primeiros pássaros que já se baralharam de estação, e acham que a Primavera já aportou...eu olhava à volta e analisava as reacções, o vestuário, a postura, todo o surrealismo de tudo aquilo, a lembrar um filme de Woody Allen.
As conversas que entabulam connosco, sem nexo na maior parte das vezes, a moedinha de 1 euro que é pedida, p'ro café, o cigarrinho à socapa, os beijos e abraços apertados e infindáveis de que somos alvo, se por acaso se focalizam em nós...tudo aquilo...é aquilo....não se descreve...só se vê...só se sente...só nos atormenta!

No meio daquele cenário (que ironia), algo me faz inveja.
É que aquele reino, que é do silêncio, que é do olhar perdido, que é da ilógica estabelecida...parece ser um reino de paz, é um reino em que já não há degladiação, nem juízos de valor, nem angústias, nem desejos...se calhar também já não sofrimento.
Não há passado nem futuro...o presente, não sabem bem o que é...

Tudo isto, à distância apenas de uma fronteira, a fronteira entre a "normalidade" e a "loucura"...à distância do atravessar daquele portão e do franquear daqueles muros...

Anamar

3 comentários:

Anónimo disse...

Não te penalizes por essa situação. Ela foi-te "oferecida", quando ainda nem percebias o que isso era. Eu acho que no momento de morrer (o incompreensível medo da morte!), é bom estar-se nesse estado em que se encontra o teu irmão. Mas a vida é para ser vivida, com todos os altos e baixos, com toda a paz ou com todos os conflitos e aflições que se nos deparam, e é bem melhor estar-se do lado de fora dos muros ou paredes dessas Casas de Saúde.
Um beijinho.
Malmequer

anamar disse...

OLÁ MALMEQUER
SABES QUE ÀS VEZES A PAZ É TÃO ANSIADA, QUE NEM SE PERGUNTA O PREÇO...
EU NÃO ANDO NOS MEUS MELHORES TEMPOS PARA OPINAR SOBRE ISSO, MAS DEVES TER RAZÃO, EMBORA FORA DAS PAREDES QUE REFERISTE, POR VEZES SINTO-ME CANDIDATA A "UTENTE"...
BEIJINHOS
ANAMAR

anamar disse...

OLÁ MALMEQUER
SABES QUE ÀS VEZES A PAZ É TÃO ANSIADA, QUE NEM SE PERGUNTA O PREÇO...
EU NÃO ANDO NOS MEUS MELHORES TEMPOS PARA OPINAR SOBRE ISSO, MAS DEVES TER RAZÃO, EMBORA FORA DAS PAREDES QUE REFERISTE, POR VEZES SINTO-ME CANDIDATA A "UTENTE"...
BEIJINHOS
ANAMAR