sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

"UMA VISITA AO FUTURO..."

Ontem mais um idoso encontrado morto em casa, constituía notícia de jornais.
A vizinhança dera o alerta.
Este Outono/Inverno, garantiria que já houve para mais de dez casos;
Diagnóstico: solidão

A solidão é uma forma de maus tratos físicos e psicológicos, umas vezes infligidos intencionalmente pela própria família, negligenciando-os, outras, fruto das circunstâncias da vida madrasta, que mais ou menos a todos espera.
Solidão não é logicamente apenas estar só. Muitas pessoas, dada a sua forma de ser, preferem-no. Utilizam positivamente essa "liberdade" condicionada, e vivem sem demais atropelos.
Claro, desde que tenham alguma qualidade de vida em termos emocionais, se sintam úteis, ocupados, ainda com objectivos.

Ao contrário, há pessoas que apenas o facto de não terem afectos que as preencham, lhes determina uma solidão profunda.
Quando falo em afectos, não me refiro a afectos dos familiares próximos...refiro-me à falta de uma companhia preenchedora. Porque há pessoas que não sabem viver sós!
Dessa solidão à depressão, é um passo; a depressão é a desistência, é o abandono de tudo, até das funções mais básicas, vitais e necessárias à vida em sociedade, é o deixar, dia a dia, empalidecer as cores do que nos rodeia, é o começar a espreitar um amanhã que se acredita sem futuro, é o depor das armas, a retirada, o não valer a pena!

São pessoas por vezes com família, ascendentes ainda, e descendentes;
apenas, os ascendentes, pela lei natural da vida, vão seguindo, os descendentes têm e constroem vidas próprias, não por falta de amor ou preocupação, mas por falta, cada vez mais, de "espaço afectivo", porque eles próprios criaram as suas próprias células de continuidade...

E são essas pessoas, novamente encalhadas na "charneira da vida", que vemos nos bancos dos jardins, que vemos nos cafés a falar sempre das mesmas coisas (normalmente futebol e notícias políticas não muito profundas);
São essas pessoas que vão ficando cada vez mais "atontadas", por ausência de metas, projectos, valorização pessoal, e que vão vendo a vida através do vidro embaciado de uma janela, que lhes mostra uma visão míope, a juntar às suas normais dioptrias...

À medida que o tempo passa, qual o desfecho previsível para estas "estórias"?

Enquanto mantiverem alguma autonomia e nos dias em que reunirem forças e vontade para saírem da cama, fá-lo-ão; talvez "vivam" de episódios que já viveram, de rostos que já foram, de músicas que já ouviram, de histórias que já protagonizaram...

Um dia, normalmente, os descendentes, por razões óbvias, claro, acham esta situação insustentável, porque o é, na realidade, e tomam a doída e difícil decisão, por "bem": levá-las para uma comunidade de "pares", onde os assuntos ou a ausência destes é comum, onde se vê muita televisão, onde o silêncio é pesado e o sono das sestas abençoado, onde se faz e desfaz tricôt ou renda (para quem já soube...), onde estão "muito bem", porque o ambiente é aquecido, os quartos são limpinhos e a comida "muito boa"...e esperam...apenas esperam...
Esperam, mas também já não se rebelam...estão adormecidos numa paz indiferente e anestesiante!...

A princípio, as visitas de rostos conhecidos fazem-se com alguma frequência; a semana, quando há essa noção, aguarda ansiosamente o seu fim, e os olhos, na porta da sala de estar, "grudam", até que entre um rosto que as aqueça...
Depois, começa a ser penoso ter essa "obrigação" todos os fins de semana...
Arrastar os descendentes dos descendentes, é inequacionável...e cada vez menos aquela porta lhes aquece a alma...
Depois, fica o Natal, a Páscoa, o aniversário e pouco mais...

Eu sei que é exactamente assim...mas não é por mal.
É a vida que tende a expurgar de qualquer forma, quem já está a mais! É a vida que trucida tudo e todos, sem compaixão...

Foi esta a sociedade e a família que o Homem conseguiu criar, sobretudo nas grandes cidades (na província ainda há famílias que assimilam até ao fim, no mesmo espaço, os seus idosos), é esta visão apocalíptica, de que eu acho, teremos todos um pavor atroz!!...

Por isso talvez se compreenda, por exemplo, que no Alentejo profundo, um Portugal particularmente só e deprimido, em montes perdidos na planície, haja idosos que antecipem a partida, mais simplesmente, por forma a "libertar" tudo e todos, antes que o último recurso tenha que ser accionado.

São eles que constituem as notícias dos jornais...
São eles que nos fazem pensar e abanar as consciências...
São eles que nos assustam particularmente...
São eles afinal, o espectro dos nossos "futuros"!...


Anamar

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