sábado, 29 de outubro de 2011

"NUM GOLPE DE VENTO...."

As pessoas bebem por alguma razão;  as pessoas drogam-se por alguma razão..... Em suma, salvo situações de predisposição genética, as pessoas alienam-se por defesa, por medo, por cobardia...

Eu também não fujo aos parâmetros, nem sou excepção.
Dou por mim a preferir ignorar determinadas situações para não me angustiar mais com elas... dou por mim a não tomar conhecimento de outras, para não me desestabilizar ou até sofrer por antecipação.
É cobardia ?
É, seguramente ... mas é pelo menos mais "cómodo" psicologicamente, sobretudo quando a nossa intervenção não pode objectivamente alterar o rumo das coisas.

Tenho uma filha absolutamente imprevisível nas escolhas, nas posturas, nos trilhos.
Desde adolescente, quase desde miúda, se pautou pelo voluntarismo incontrolável, pelo radicalismo inconsequente, pelo desafio da "corrente", pela busca imparável de sempre novas situações, vivências, cores, de um qualquer arco-íris que acredita ter de existir na sua vida.

Essa minha filha é a réplica fiel do que eu seria se tivesse a idade dela, e não tendo vivido na minha geração.
Ela é uma espécie de vingadora da vida que não tive, da pessoa que não fui, talvez porque não fui capaz, não busquei, não apostei ... e ela fê-lo ... ela fá-lo todos os dias ...

A seguir a ela há já quem lhe comece a percorrer os caminhos, seguramente ... o tempo o dirá !...

Não lho digo, mas impressiono-me muitas vezes quando me confronto com as suas posturas, as quais sinto, eu deveria ser mais convincente a desincentivar, e não sou capaz ... porque ali, bem na minha frente, está a tal réplica de mim, no bom e no mau ...

Entre muitas outras coisas que faz, aposta em praticar um desporto radical no mar, que envolve sérios riscos, o "kitesurf".
Nunca quero saber quando vai até à costa, que mar está, que vento sopra ...
Os relatos que me faz, por vezes, de atribulações ou percalços que lhe aconteceram e que por "uma unha negra" a não atingiram, arrepiam-me ... mas nada posso objectivamente fazer.

Na semana passada, uma vez mais na costa com uma amiga, a praticar kitesurf num mar desaconselhado, com um vento desordenado, aconteceu o inevitável, a centímetros dela, miraculosamente não a ela.
Num golpe de vento traiçoeiro, a colega de desporto foi atirada violentamente para a areia, tendo de imediato entrado num coma profundo e dramaticamente imprevisível, irreversível até hoje.
E ali ficou uma jovem, jogada numa cama de hospital, paralisada em todo o lado esquerdo, sem acordar para a vida...

Não a conheço, mas obviamente penso ... "e se em vez dela, tivesse sido a minha filha, que estava exactamente no mesmo barco, pondo por vezes a vida em risco, em nome duma coisa que a fascina"??...

Essa questão levantou-me outra.
Outra que eu sei, outra que eu sinto, outra que talvez queira ignorar ... das tais que se calhar não quero equacionar muito, para não me magoar muito mais.
É uma questão que se coloca a muitos de nós, estou certa, e que nos mexe e remexe sem que o nosso imobilismo reaja e a consiga alterar !...
Prende-se com o transcurso "distraído" da vida, que nos "adormece", nos "anestesia", parece tirar-nos o tempo, a capacidade de reacção, nos instala um comodismo absurdo, que um dia, como água gelada a despencar do rochedo, nos cai em cima, sempre quando já não podemos reverter nada do que foi ...

Prende-se com o facto de nunca dizermos em tempo útil a quem amamos, o quanto amamos...

Prende-se com o facto de deixarmos de "ter tempo" para sentar no nosso colo, quem o precisa ...

Prende-se com o facto de endurecermos os ouvidos às palavras de quem quer, talvez, falar ...

Prende-se com o facto de nunca termos disponibilidade física ou de coração, para com os que têm o DIREITO de contar connosco...

Depois um dia ... quando o queremos fazer, já lá não estão !
Um dia quando "acordamos", não temos mais interlocutor !
Um dia quando terrificamente tomamos real consciência, já não vale a pena .... simplesmente porque um dia, no tal "golpe de vento", a vida os levou de nós !!!...

Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...

Rómulo de Carvalho, ou António Gedeão, dizia num poema seu, que me marcou toda a minha vida, já longa.
"Como uma bola colorida, nas mãos de uma criança".
Sim, a sua sensibilidade, faz-me muitas vezes sentir e recordar esse poema de:
"O sonho comanda a vida, como uma bola colorida nas mãos de uma criança....."
Anamar, gostava de a conhecer.
um Admirador seu.