sábado, 22 de junho de 2013

" AS MÃOS "



Olhei as minhas mãos ... Não as conheço !
Fugiram de mim sem me avisar.

Estas mãos estão cobertas por uma folha de papel ressequido, e pregueado pelos instantes que declinaram na linha do tempo, ano após ano.
Sobra pele, mirrou o conteúdo, e por isso, aquela teve que se encolher em quadrículas labirínticas, desenhando um reticulado de padrão uniforme.
Por ele, circulam linhas azuladas mais ou menos salientes, no descarnado da estrutura.  São arbóreas, correm como rios que soubessem exactamente onde é a foz.  São como troncos de árvores, que tivessem perdido a folhagem, no pico do Inverno.

As manchas castanhas do "sarapintado" da vida, salpicam-nas. São sempre mais.  Todos os dias são mais ...
Não me incomodam.   São manchas que não doem, não ardem, não causam prurido.  Nada .
São apenas manchas silenciosas de sinalização.  São "lembretes" diários, ali, frente aos meus olhos.
Implacáveis ... a recordarem-me que são viajantes chegados agora.  Não vieram comigo.  Assaltaram-me o percurso, quando o percurso já ia longo !

Lembro as mãos do meu pai, pouco antes de morrer ...
Mal lembro o rosto, mas lembro as mãos pálidas, largadas ao abandono da cama.
Lembro a estrutura óssea adivinhada, que mantinha aquela pele que as cobria, onde não havia carne, só pregas, e "estradas" azuis que enchiam e esvaziavam, conforme a posição que ocupavam.

Penso nas mãos da minha mãe, que deixaram de ser sensíveis, deixaram de ter firmeza ou capacidade de preensão.
Mãos que seguraram, que prenderam, que abraçaram com determinação, abrem-se hoje como uma rosa envelhecida que deixa cair as pétalas, inevitavelmente ...

As mãos contam histórias ... demasiadas histórias .

Quando se nasce e ainda não se abriram os olhos, já com elas se agarra um dedo que nos estendam.
Não sabemos quem nos deu esse suporte, não lembramos quem nos estendeu esse dedo, nem porquê, nem para quê ... mas sabemos que o agarrámos ... seguramente o prendemos.
Foi então a primeira vez que agarrámos o Mundo !...

Com as mãos fizemos tudo. Elas foram olhos, mente e coração !
Elas tacteiam mesmo, as almas que nos cruzam.
Embalam, acariciam, falam-nos do calor do que tocamos, cumpliciam-nos poemas, sussurrados no silêncio do amor ;  balbuciam-nos ao ouvido, na doçura do afago, a certeza de estarmos juntos, quando nelas envolvem outras mãos, que por isso são nossas também ...
Prendem os nossos afectos, e cerram-se à sua volta, em nós fortes, para os não deixarem partir ...

Chegam connosco e connosco se vão ...
Como tudo em nós, carregam a marca indelével dos tempos, contam as histórias das existências, têm as memórias dos caminhos ...

Quando finalmente elas abrem, e desistem exangues, estaremos seguramente de partida ...

Anamar

2 comentários:

F Nando disse...

"Com mãos se faz a Paz se faz a Guerra..."
Foi o primeiro pensamento que me ocorreu e entre as mãos de uma vida ficam a memória dos afagos, das palavras (eu falo muito com as mãos), do sorrir, enfim, da Vida.
Beijo tuas mãos...

anamar disse...

Obrigada Fernando

Um poeta por explorar...é o que tu és !

Beijinhos

Anamar