domingo, 9 de junho de 2013

" IRRELEVÂNCIA "




Há sonoridades, há dias, há cores ... iguais a palavras.

Por isso as palavras são dispensáveis.  As palavras quase sempre são dispensáveis, e não conheço nada mais precário, incompleto e desacertado que elas.
Nunca as palavras têm cheiro,  nem emoção, nem calor, nem luz, suficientes  para serem verdadeiras.
Por mais que as busquemos e rebusquemos.
Por mais que nos convençamos que achámos os vocábulos certos, ou pensemos que os inventámos, justo na hora ...
Nada disso.  Eles sempre são de menos.  Nunca carregam metade sequer, daquilo que eu quero dizer em cada momento.
Defraudam-me o coração, enfurecem-me a alma, ruborizam-me o rosto de raiva, pela impotência e pela imperfeição, ao transmitirem o que parecia tão óbvio e claro, dentro de mim.

Ao contrário ... quando escuto uma música, poderia emudecer, porque ela transporta um código indubitável.
Ela, só por si, é uma mensagem escrita sem texto, da minha emoção ao momento.  Por isso  escolho essa, e não  outra !
Ela fala por mim, ela suplica por mim, ela dá-se por mim, e confessa até, o que os meus lábios não ousam dizer ...

Também, as cores com que me envolvo e que me cobrem, que invento ao meu redor, para o meu mundo, falam ... também falam ...
Por isso, o sol mergulha na corola das flores amarelas sem nome, ou explode nas mimosas selvagens.
Por isso, o amor e a ternura  adormecem por entre as pétalas inebriantes, das rosas de Sta. Teresinha ...
Por isso, a paixão se veste do fogo das rosas vermelhas, e a paz se recosta docemente, nos ramos azuis da lavanda dos campos ...

Os sons então, são indizíveis !...
O resmalhar do vento na folhagem, ou o seu sibilo na falésia desnuda ... o açoite da rebentação nos rochedos, ou a canção do marulhar, da água mansa de um riacho ... a doçura de um sussurro apenas, quando se repousa a cabeça confiante no ombro amado, ou o soluço de uma mágoa que se escapa do peito ... dizem tudo, desvendam tudo ... e silenciosamente, são absolutamente fiéis e concisos.
São objectivos, não deixam dúvidas, não denunciam incertezas, nunca mentem ... porque não sabem mentir !...

Por tudo isso, os "Nocturnos de Chopin" que oiço e me embalam num berço de baloiço, são iguaizinhos ao dia de hoje no meu coração, são iguais ao modorrento pardo deste céu uniforme parado, e iguais ao cinzento vazio, assustadoramente vazio, deste nove de Junho, em que o Mundo parece ter parado por aqui ...

Ausência de vida, quietude absoluta ... silêncio entediante e fantasmagórico ... nostalgia de existência ...
Aqui, neste quarto, apenas há sombras, solidão, imagens que fogem, dias da minha vida que voam, como penas que fossem largadas pela janela, em dia de vento ...
pecinhas soltas de puzzle desajeitado, que teima em não se consertar ...
coisa doída que escorre, coisa corrosiva que mata, lenta e maquiavelicamente ... como o transcurso dos dias ... como a fuga de vida ...

Anamar

2 comentários:

F Nando disse...

Irrelevância não podia ter sido melhor escolhido o titulo pois não sei se estou a ler uma poesia vestida de prosa ou prosa em tons de poesia mas, isso é irrelevante!
Beijinhos

anamar disse...

Olá Fernando....

Seja lá o que for, irrelevante é seguramente esta escorrência de ... irrelevâncias para o comum dos mortais !!! :)

Beijinhos

Anamar