sexta-feira, 7 de junho de 2013

" JÁ FAZ TANTO TEMPO !!! "




Lá longe eu sei que o sol se está a pôr.
As nuvens em novelos escuros, encerram este dia pesado, desenquadrado de um Junho, quase Santos Populares, que se quereria quente.
Aqui, a penumbra cerra e encerra na escuridão do fim de dia, este meu quarto, onde me sobra a janela, qual tribuna por sobre o casario ...  Queluz, Monte Abraão, Massamá ... Sintra, que mais se adivinha, do que se divisa.

Estou desconchavada de alma.
Sei lá o que é que isso é ...  Mas seja lá o que for, é exactamente o que eu estou, tenho absoluta certeza.
O sol foi descendo e compondo aqueles momentos mágicos, de sombras chinesas, em que vezes sem conta o supomos definitivamente desaparecido, e vezes sem conta, de novo, ele se anuncia no esconde-esconde de baile de máscaras, por detrás do encastelado do céu ...
Espreita aqui, segundos depois espreita ali, projecta caminhos de luz por entre as nuvens, como focos varredores, de farol no penhasco ...  Apaga-se, para se acender apenas num ai, altivo e poderoso, anunciando simplesmente que o rei vai dormir.
Estou meio amortecida, física e mentalmente.  Não me apetece pensar.  Parece que me sinto febril, e a cabeça lateja-me.

O Rodrigo morreu, no IPO.
O Rodrigo era um menino talvez de cinco anos, que sossobrou na luta contra a leucemia, que arrastava há tempos, num frente a frente titânico.
A fragilidade da sua figurinha  pálida, definhante, vinha anunciando que a batalha estaria a perder-se ...
A palidez do seu rostinho esquálido, onde dois olhões bem vivos pareciam jamais se poderem apagar, a ausência de cabelo, indiciador da Via Sacra percorrida, as maçãs do rosto salientes, exibindo a magreza que se estendia a toda a figurinha, contrariavam o sorriso que o menino da chucha sempre exibia nas fotos, onde pedia que alguém o ajudasse, na busca pela compatilidade de medula.
Hoje o Rodrigo, que eu nunca conheci, foi com o sol, neste dia pardo e penumbrento.
Cansou-se de esperar um milagre, e deixou-se levar nas asas do anjo que lhe bateu na janela ...

Silêncio ... demasiado silêncio por fora, mas sobretudo por dentro de mim.
Os crepúsculos em que até os gatos param, sempre me comprimem o coração.  E quando o coração se comprime demais, como um repuxo, pula o dique, e vasa.
Porque ... raios ... esta coisa estrangulante, tem que aliviar por algum lado, como o furo onde tínhamos o dedo, e que destapámos.

Gostava de ter um sentido na minha vida.  Não viver apenas porque os dias se sucedem, e isso é tempo, e tempo é vida que vai indo.
Gostava de ter uma linha de chegada qualquer.  Até podia estar lá longe, como este sol a pôr-se ... Mas haver uma meta a atingir ... Já era bom que eu a enxergasse.  Não ter apenas aquela sensação de ver o percurso a escoar-se, de virar esquinas, dobrar caminhos ...
O sonho chega, o sonho parte, e eu acredito já em muito pouca coisa.  Sinto que um  isolamento progressivo, bate diariamente à minha porta ...

Eu julgava que as palavras aproximavam as pessoas.
Mas não !
Senão, tu perceberias perfeitamente que quando digo que te amo, o meu amor vem embrulhado em mimosas e madressilvas.
Como antes ... Tal como no tempo das gaivotas, dos seixos no areal, dos dias azuis sem chuva, e horizontes laranja.
Tal como no tempo em que tu ainda me fazias sentido, e eu ainda te fazia sentido ...

Entretanto esquecemos as palavras ... curtas que eram !...
Esquecemos que elas nos punham em fogo, e desabrochavam sorrisos quentes, nos lábios ...
Esqueceste como era doce, a laranja amarga da minha boca, ao beijar-te ... e como eram cheirosos os bouquets de lavanda e rosinhas que jogavas aos meus pés, quando eu ainda era a imagem com que dormias, e que te aquietava os sonhos, nas noites distantes e frias ...
Já faz tanto tempo !...
Foi ontem ... mas parece um século !...

Entretanto o Rodrigo já brinca com as borboletas, no meio dos anjos e querubins, de bochechas róseas, nos jardins lá por cima ...
E juro ... não me parece nada bem, estar aqui a falar de mim !!!...

Anamar

2 comentários:

F Nando disse...

Emocionante...
Beijinho

anamar disse...

Beijinho Fernando. Obrigada.