quinta-feira, 15 de agosto de 2013

" CINCO LETRAS APENAS "



 Hoje, sem nenhuma vontade de escrever, sem nenhuma inspiração, sem nenhuma razão válida para o fazer, e relendo Eugénio de Andrade, o "poeta triste" como lhe chamo, pelas palavras de quem, sinto tão bem passarem as minhas ... escolhi este poema, de que gosto particularmente ...

Talvez já o tenha trazido a este espaço.  Não sei !
Talvez  já  tenha  achado, que  ele  representava  sabiamente  um  instante,  uma  etapa,  um  timing da  minha  vida ...

Afinal, as vidas são feitas de despedidas ...
A cada momento dizemos adeus a alguém, alguma coisa, algum  lugar,  algum sentimento ... ou tão só, a palavras ditas que ficaram  para  trás ... ou  mais  ainda,  à  pessoa  que  somos, e  deixamos  de  ser,  por  cada  frémito  de respiração ...

                        ADEUS

"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus."


Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”


Anamar

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