Hoje, sem nenhuma vontade de escrever, sem nenhuma inspiração, sem nenhuma razão válida para o fazer, e relendo Eugénio de Andrade, o "poeta triste" como lhe chamo, pelas palavras de quem, sinto tão bem passarem as minhas ... escolhi este poema, de que gosto particularmente ...
Talvez já o tenha trazido a este espaço. Não sei !
Talvez já tenha achado, que ele representava sabiamente um instante, uma etapa, um timing da minha vida ...
Afinal, as vidas são feitas de despedidas ...
A cada momento dizemos adeus a alguém, alguma coisa, algum lugar, algum sentimento ... ou tão só, a palavras ditas que ficaram para trás ... ou mais ainda, à pessoa que somos, e deixamos de ser, por cada frémito de respiração ...
ADEUS
"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus."
Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”
Anamar
Sem comentários:
Enviar um comentário