domingo, 25 de agosto de 2013

" QUANDO A PALAVRA É SOLIDÃO ... "



Todos os dias, à mesma hora, oiço a mesma música, no mesmo café, com as mesmas  pessoas  presentes, quatro ou cinco ... com as mesmas histórias ... com as mesmas sensações a atropelarem-me .

Todos  os dias  faço "rewind"  no  mp3, para buscar exactamente os mesmos temas musicais, como uma espécie de ladainha ou terço, que devesse desfiar ... e  não sei porquê ...
Talvez  porque são acordes mansos, doces e magoados, como uma espécie de eco do meu eu interior ...
Porque são molduras perfeitas para o silêncio que me percorre ...
Porque são melodias como o som do vento no meu cabelo, quando me sento numa pedra e apenas olho o mar ... Passa, afaga-me, não me agride, não me exige, não me acorda ... só me embala ...

Todos os dias vejo os mesmos rostos, troco os mesmos olhares, devolvo as mesmas saudações, numa harmonia perfeita ... mais que perfeita ...

E por isso, quase adivinho o que vão dizer a seguir, qual a cor dos seus sorrisos, ou o porquê da circunspecção  dos seus semblantes ...

Todos os dias cruzo a minha história com histórias que não conheço, tranço a minha solidão com solidões vizinhas, pinto o meu  desamparo  com o vazio de desconhecidos, e falo, e conto e digo, apenas para dentro de mim, cem vezes, mil vezes ... um milhão de vezes ... digo tudo e digo nada ... só por dizer ...
E por isso, existe uma solidariedade institucional,  muda e secreta, entre mim e todos eles, aqueles anónimos que por ali pairam !...
E de repente, sinto ânsias de narrar àquele homem que se senta de costas na mesa seguinte, o meu  conto de vida, o que me estrangula a garganta e me sufoca o peito .... que não lhe interessaria, mas que eu não tenho com quem partilhar ...

Mas afinal, para quê ... se ele terá certamente outro, para trocar com o meu ?...
Outro igualmente desinteressante, injusto, descolorido, de silêncios e solidões também !...

E de repente, sinto urgência de abanar os que me cercam, e gritar-lhes : " porra ... estou aqui ...estou a passar por aqui, e ninguém me vê, ninguém me sabe, ninguém me sente ...
A minha vida é esta ... Eu sofro e choro e desespero-me, e morro ... morro um bocadinho em cada instante que passa !...  Nada disso interessa ... mas é a minha vida ... e eu ... sou gente " !...

Oh vã prosápia, arrogância desmedida ... oh tonteria absoluta ... oh loucura inconsciente !!!...
"Eu ... sou gente " !!!
Mas o que é isto ... "eu sou gente" ?  E isso lá é alguma coisa ? Isso tem alguma relevância ?
Menos que um grão de poeira no deserto ... menos que uma poalha estelar do Universo ...
Hoje, matéria ... amanhã, nada !
Que diferença faz a volatilidade da Vida, o fugaz da existência ?!
Nascemos condenados ao esquecimento, ao silêncio, ao nada !
Circulamos numa praça gigante, onde somos tantos que nem nos vimos, nem nos olhamos, nem nos falamos, apenas nos acotovelamos, nos esbarramos, nos atropelamos !
Somos desconhecidos até de nós mesmos.  Somos anónimos no meio de anónimos.  E circulamos como autómatos, como fantasmas, distantes, imateriais ... quase transparentes !
E quando um falta, o equilíbrio mantém-se inalterável, porque nenhum é suficientemente importante, nenhum é determinante, nenhum é suficientemente alguém, ou mais que nada ... apenas NADA !...

E quando (  porque  o tempo corre e se escoa na contabilidade temporal dos humanos ), partem, sinto-me estranhamente defraudada. Sinto-me lesada ... como se me tivessem deixado à deriva,  como se  tivessem  largado  uma criança na esquina de uma rua, desprotegida,  como  um  náufrago que perdesse o tronco salvador ... sozinha, mais sozinha ainda !...

E é quando percebo, que vou ter que enfrentar mais vinte e quatro horas,  para , à mesma hora, no mesmo café, ouvir a mesma música, com as mesmas pessoas presentes, com as mesmas históriias,  e povoada das mesmas sensações ...

E é quando realmente percebo, o que significa a palavra "solidão" !...

Anamar

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