sábado, 30 de agosto de 2014

" COM AGOSTO NOS VAMOS ... "



Comecei a viajar para fora do país, já a caminho dos 47 anos.  Era assim na altura, creio.
Pelo menos, para as pessoas da minha classe sócio-económica, uma classe média sem outros proventos significativos que não adviessem do seu trabalho.
As viagens para o estrangeiro não estavam por isso vulgarizadas, quase banalizadas como acontece hoje em dia.

Até lá, também à semelhança das pessoas que eu conhecia, fazia-se normalmente,  sobretudo  enquanto as crianças eram pequenas,  o périplo de Algarve ou Costa Alentejana, onde as praias na altura tradicionalmente quentes e mansas, nos esperavam, esperavam famílias inteiras, de chapéu de sol, lancheira com o aviamento, toalhas e brinquedos da pequenada.
Diariamente faziam-se as sandwiches, coziam-se os ovos, lavava-se e cortava-se a fruta para os tupperweres, tiravam-se as bebidas frescas do frigorífico, os iogurtes ... repetidamente dia após dia, na semana ou vá lá, nos quinze dias em que por lá se estava. O mês inteiro, era de facto, para os "sortudos" !
Normalmente, casas alugadas juntavam por vezes mais do que um casal.
Amigos juntavam os orçamentos, as vontades e a amizade, e tornavam assim, as férias menos perdulárias e muito mais agradáveis e felizes.
Juntavam-se as crianças que  se divertiam muito mais, juntavam-se as longas e serenas conversas sem pressa, pelas tardes, à sombra dos chapéus de sol  que para isso também juntavam estrategicamente as suas sombras ... juntavam-se  as  cumplicidades femininas, em horas palmilhadas no areal, na babugem da rebentação ... juntavam-se as gargalhadas, os jogos, os passeios e as fotografias, para mais tarde recordar ...

As minhas férias de Algarve começaram em casas alugadas, com refeições que aí se confeccionavam.  Eu costumava dizer que mudava de tachos e de panelas, mudava o cenário ... e a peça era a mesma.
Mas enfim, os ares sempre eram diferentes, o passeiozinho pela fresca das noites algarvias era algo fora da rotina do ano todo, o D. Rodrigo que se comia, o café que se tomava pós-jantar, o sentar numa esplanada a ver os veraneantes circularem, já dava p'ra quebrar o "cardápio" que conhecíamos sobejamente.
Comecei no sotavento algarvio, e fui avançando em anos sucessivos, rumo ao barlavento.
Comecei em Vila Real ( ainda só tinha uma filha bebé ) e terminei muitos anos depois, em Lagos. Deambulara então por Albufeira, Oura,  Vila Moura, Portimão e Lagos.   Seguiram-se depois uns anos de Porto Covo, em férias de que guardo gratas e saudosas memórias.
Ilha do Pessegueiro ao fundo, o "Quadrado", a fortaleza, a Praia dos Búzios, a Praia do Samouqueiro, a dos Pescadores ... tudo muito selvagem, tudo muito natural ainda, nada "estragado" por imposições de turismo "civilizado" ... tudo simples, genuíno ... Alentejo a molhar o pezinho no Atlântico !...

Três famílias amigas, a que se juntavam por vezes ainda mais uns "apêndices", ou conhecidos  de circunstância, muita criançada, amigos do peito mesmo ... quase família única, quase irmãos ...
A vida viria a desmembrá-las.  Uns partiram cedo de mais, e sem aviso, outros separaram-se na vida, e finalmente a vida separou todos !
As crianças tornaram-se por sua vez, mães de crianças, e também, injustamente, vá-se lá saber porquê, se perderam no destino ...

É certo que posso considerar-me uma privilegiada, porque já na infância, contra o que de facto  não era muito comum naquela altura, eu fazia praia em Albufeira, durante um mês, ou  em Vila Nova de Mil Fontes,  ainda sem luz eléctrica ( ! ), ou mesmo  em  Sesimbra ou Sines.  Férias com a minha mãe só, ou com familiares chegados, que tinham a pachorra e a generosidade de me levar.
E depois, durante alguns anos largos, beneficiei de uma esticadinha até ao Minho, para termas que os meus pais faziam por razões de saúde.
Lembro que não eram propriamente emocionantes esses dias, dada a tipicidade da frequência desse local.
Mas ao tempo, os putos não davam palpites nestas coisas !

O tempo passou, e como disse, comecei a fazer férias no exterior, beirando os cinquenta anos.
Timidamente, começaram por passeios de carro, por alguns, poucos dias ... Picos da Europa,  Sevilha, Madrid, Toledo, León ... coisa pouca !
Arriscámos mais tarde a República Dominicana ( um dos destinos paradisíacos muito em voga na altura ), que nos acenava com  o sonho das praias adornadas de coqueiros, águas mornas,  turquesa e transparentes, corais e peixes multicoloridos,  no calor prometido dos trópicos ...  Depois Cuba, Brasil, Países Nórdicos, países da Europa Central ...

Posteriormente, já noutra realidade familiar, permiti-me destinos mais longínquos : Jamaica, Maldivas, Tailândia,  Sta. Lucia...ou ainda  Costa Rica,  Bali,  Maurícias, Samaná,  Zanzibar, e mais recentemente o sonho antigo de S.Tomé e Príncipe.

Enfim, as viagens começaram a vulgarizar-se à medida que o poder económico dos cidadãos disparou.
Não esqueçamos o período mais "endinheirado" do país, face  aos  proventos  "fáceis" da Comunidade Europeia. Foi uma época de ouro,  e de muita inconsciência também, em que o português começou a "sair" com facilidade, e frequência.
Viajar para o estrangeiro passou a ser uma espécie de direito adquirido, por cada Agosto, e havia mesmo quem se endividasse,  em financiamento para a almejada viagem de férias ...

Chegámos aos dias de hoje.
A economia do país, mercê da crise que vivemos há demasiado tempo, fechou os cordões à bolsa de quase todos.  Penalizou  o desejo de muitos, sobretudo dos que têm na alma o espírito inquieto de viajantes, os que são saltimbancos de sonhos, os que têm uma alma vadia e curiosa ...

E neste fim de Agosto, neste encerramento da quadra  estival, quase afirmaria sem erro, que a velha lancheira e o chapéu de sol, se reabilitaram à luz do dia,  e a  este sol  pouco convicto ... que parece, também ele, regatear  a  sua  presença  nesta  nesguinha de areia à beira-mar plantada ...
Quiçá  talvez  face ao  valor do "cachet"  modesto, por aqui  oferecido ! ... Afinal, estamos em Portugal !!!...



Anamar

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