terça-feira, 26 de agosto de 2014

" A CORDA DOS SONHOS "



Sempre suspensa, este estupor desta vida !
Suspensa entre o que foi e já não é, entre o que podia ser e também não, e entre o hoje e o que se sonha por noite, embiocados na almofada adormecida ...

Suspensa  pois ... num raio de uma estrada sem sinaléctica de orientação, sem sol ou estrelas lá por cima que dessem uma mãozinha, logo a mim, que nem tenho GPS !
É uma maldade mesmo, de quem goza com esta insatisfação de maçã que cai do galho antes do tempo, misturada com a esperança de florir no pé ...
Hoje, p'ra semana, no Outono, tempo de colheitas ... ou quem sabe na próxima Primavera, com as primeiras águas de Março ?!...

Sempre fico na esquina, de tocaia, tocando o silêncio mais absoluto de que sou capaz, como puto reguila que não quer denunciar a maldade ... à espera que ela, a vida, se solte da corda, abrindo as molas, em dia de vento ... E deixe de estar suspensa a baloiçar !
Mais hoje, mais amanhã ... talvez sábado que é bom dia... ou domingo, em que a alma se veste de festa !...

Mas não !
Converso com os raios de sol que passam pelas frinchas, escuto os silêncios das paredes errantes, avalio os segredos dos rostos espalhados aqui e ali ... e busco no tempo, a ponta da linha p'ra tricotar um futuro parecido a presente ...
Presente,  presente  de laço e de fita ... Não este presente, o outro, porque este me atormenta por falta de originalidade e incómodo !...

Quero um presente da vida !
Bolas, p'ra chatice já basta ela estar suspensa !
P'ra maçada já chega ela não se colorir ... e devia !  Porque nós nunca sabemos se aquele dia é o "tal" dia ... o que sempre esperamos no virar das esquinas.  E por isso devemos estar sempre no nosso melhor ...

Mas eu estou cansada desta espera de paragem de trem.  Desta estação de azulejos azuis, onde o meu passado amodorrou, como as searas de trigo maduro que se embalam  na brisa da tarde, na canícula de Verões alentejanos ...
Tão longe ficaram  eles, os Verões daquela terra !
Depois, tive que me habituar a ser deserdada de destinos, a ser apátrida, em searas de betão com cogumelos a roubar-me o sol ... que passou a entrar só por frinchas na minha vida !

E sobem  marés a acariciar praias desertas, e vem o vento que decidiu desmanchar-me os cabelos .
E passa gente, e voam gaivotas, e escuto vozes, e oiço risos e gargalhadas em compassos certos.
E sorrio, e falo, e digo ... e arranjo pretextos para esperar  acordada ainda, a próxima alvorada, como se ela, na fresca da madrugada, no orvalhar das ervas, no acordar da neblina, me trouxesse então, o presente pedido naquela carta de letra rabiscada, esquecida  à lareira na bota de Natal !...
Talvez ... quem sabe ?!...

O tal presente de laço e de fita !...

E quando a manhã clareia, percebo que afinal deslizei toda a noite num baile de máscaras, de braços de sonho p'ra braços de sonho, percebo que estou entontecida pelos volteios ciclópicos das melodias, sinto  a cabeça ensandecida e exausta pelo torpor dos ritmos com que me atordoei, em mentiras quase verdades, só porque no meu sono eu acreditei que seria assim !..

E abrindo os olhos, no soltar do bocejo da noite finda, vejo-me esgotada, bêbeda de exaustão, ébria de desalento, defraudada do crer, olhando o estupor da vida, que com um esgar  indiferente e insensível, escarnece e diverte-se, no balancé  de corda de roupa !!!
Igualzinha ... desafiadoramente igual !!!...

Anamar

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