quinta-feira, 28 de agosto de 2014

" QUE BONS SOMOS A INVENTAR ! "



Na vida não se reedita nada !

Só os livros se multiplicam, criando edições sucessivas de acordo com a satisfação dos leitores.
O ser humano vive, vira a página e anda para a frente. Esgotou !
Gostou ?  Queria alongar ?  Temos pena, não é possível !
Nem comprando novo bilhete como no cinema, poderíamos visualizar o mesmo filme !
Não gostou ?  Não se amofine, pois também já passou !  Aquela sessão terminou, e não há reprise, felizmente !

Então,  inventámos aquela coisa a que chamamos de "saudade", que é algo perturbador, como o é a comida requentada.
Faz mal.  Passou do prazo.  Ficou estragada.
É algo que acabou, e não deixamos que acabe. Que não existe, mas não desgruda.
A saudade é exactamente assim.  Mata o coração, inunda os olhos, aperta o peito, provoca cataclismos na alma.

E depois, se não bastasse, a saudade é ilusoriamente adocicada, bem safada e mazinha ...
Parece aquecer-nos por dentro, parece adoçar-nos o desencanto, parece embalar-nos a existência.
E enquanto a sentimos, volta-nos tudo aquilo que a despertou, e parece que o reeditamos ... Mas não !.
Tudo não passa de uma masturbação das emoções, com um clímax nunca alcançado.  Porque não passa disso mesmo ... de uma satisfação insatisfeita, quase quase real, mas que sempre nos defrauda, sempre nos deixa outra vez de mãos dolorosamente mais vazias, e o coração mais dorido ainda.
Não passa de um truque, um analgésico para doença crónica !...

E inventámos também uma coisa chamada "sonho" , que consiste em projectar na luz do dia, o que só é possível viver ( quando desligados do real ),  vogamos pelo mundo onírico .
Porque o sonho e a realidade não casam de nenhuma forma !  E por isso os sonhos  reais, aqueles que arquitectamos com os cinco sentidos bem despertos, são tão mentirosos como os outros !
Nós é que pensamos que não.  E vamos acalentando ao longo da vida, o tão maquiavélico quanto patético projecto de realizá-los.

E por isso nos degladiamos, para isso consumimos  todas as energias que conseguimos arregimentar dentro de nós ;  reunimos todas as forças e convicções possíveis, e usamos um argumento forte, para nós mesmos :
aquilo a que se chama "esperança",  de que nunca abrimos mão,  e que  garantimos ser a última que morre, ou seja, que sempre irá  além da vida !
Sem ela na linha do horizonte, torna-se difícil progredir.  Ela funciona como catalizador ... assim  como  uma espécie  de  braseiro  de  sol,  de  dia,  e  de  farol  nas  escarpas,  pelas  noites ...

Ela empurra-nos, quando queremos amodorrar, hibernar, desistir ... puft ... sumir no espaço !
Ela é o complexo vitamínico que acode a situações de déficit orgânico ...
É o balão de oxigénio que impede a asfixia eminente ...
É a transfusão  abençoada, que evita o progresso da astenia anunciada ...
Mas actua pontualmente.   Não se tomam vitaminas todo o ano !!!...

E assim, entre a saudade, o sonho e a esperança, o ser humano vai acreditando na reedição possível  de excertos da sua vida, exactamente aqueles que quereria preservar, re-experienciar .
Extirpando do coração mágoas destruidoras, vai pintando quadros de renovação alcançável, vai tropeçando e esgrimindo com as dificuldades, as tormentas e os vendavais ...

E não se rende, porque apesar de tudo, o Homem é sempre um ser de fé, mesmo que ela não tenha rótulo, e o seja apenas na sua essência de herói e resistente, enquanto Homem que é !!!...


Anamar

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