segunda-feira, 4 de agosto de 2014

" E MAIS O QUE EU INVENTAR ... "



A gente faz os lugares ...
Sem  dúvida,  cada  vez  mais  me  é  óbvio que não adianta estar-se  no paraíso, se  o  paraíso  não  está  em nós ...

Por isso, pode estar-se na maior solidão e abandono, rodeado de gente, pode estar-se infeliz  frente a um cenário deslumbrante, ou no mais cobiçado canto do mundo, no espírito de qualquer mortal ...
E ao contrário, conseguiremos descortinar o sol e sentir o seu calor aconchegante a envolver-nos, conseguiremos sentir-nos plenos ainda que sós, preenchidos de emoções e de paz, mesmo em condições precárias,  mesmo com poucos requisitos cumpridos, ainda que teoricamente talvez isso não fosse expectável .

Picasso dizia " Há quem transforme o sol  numa insignificante bola amarela, e há quem transforme uma bola amarela no próprio sol !... "

E isto é absolutamente verdade, todos o sabemos e sentimos.
A felicidade não está nas coisas, nos lugares, nos momentos ou nas pessoas que os preenchem.  A felicidade está, ou não está, dentro de nós, num coração desarmado, limpo, disposto  e  aberto a deixar-se tomar, invadir, preencher ...
O recheio sempre tem que ser interior ... é o da alma e do coração !  O conteúdo é o da disponibilidade do espírito, para transformar as pequenas coisas insignificantes, em grandes acontecimentos gratificantes.

A fotografia mais genuína de um lugar, não é a que cuidadosamente captamos com a máquina.
Essa é uma mera imagem impressa numa película, numa memória.
Essa está despida, nua, vazia ...  Essa, é "curta", incompleta e é irreal.
A verdadeira fotografia não existe, nem vale a pena tentar fazê-la, porque ela é um misto de vectores indescritíveis, incomensuráveis e intransmissíveis.
Ela transportaria todos os valores de cor, luz, brilho, som e imagem, que a objectiva captou e a tecnologia processou, duma forma aparentemente perfeita e sofisticada.  Mas também e sobretudo, ela teria que transportar toda a amálgama de componentes respeitantes à subjectividade, à sensibilidade, à emoção ...
Ela teria que conter o som ( não o que ficou registado na câmara, mas aquele que apenas os nossos ouvidos "ouviram" ... ), o calor ( aquele que nos embriagou e nos impregnou a alma ... ou o friozinho que nos percorreu, porque isto, ou porque aquilo ... ), o silêncio que talvez então nos cortava a respiração ... o tique-taque desordenado das batidas do nosso coração ... ou a mansidão das lágrimas que desceram em emoções incontidas e teimosas ... nesse momento ...
E teria que conter os cheiros que não se descrevem ... nunca se descrevem ... Os sentidos, todos os sentidos também ...
E os sentidos são isso mesmo ;  "sentem-se", não se racionalizam, nem têm alfabeto com que se digam ...

... E  obviamente  "essa"  fotografia,  "essa"  imagem  única  e  exclusiva, é  pessoal, é  impartilhável, é indescritível ...
Viveu-se e é nossa, só nossa ...  É riqueza pessoal.  Morrerá connosco, ou com a morte das nossas memórias !!!

O mesmo com os lugares ...
Posso vivê-los, ou posso só inventá-los.
E vivendo-os, ainda assim, sempre os viverei dependendo daquilo que me preencha e eu transporte dentro de mim, nesses instantes, da minha capacidade de ainda me emocionar, me surpreender, da minha disponibilidade de coração, da grandeza da minha alma ... do espaço que dentro de mim, eu ainda tenha p'ra sonhar ...

Em suma, da força de que eu disponha  para transformar o tal  borrão amarelo, num imenso sol na minha vida !!!...


Anamar

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