segunda-feira, 9 de março de 2015

" A OLGUINHA - Crónica de hospital "


                                                                                                                 RIP

Na cama ao lado, está um simulacro de gente.  Um vegetal que já morreu, e não sabe.
Não se mexe, não interage, não abre sequer os olhos.
Fica horas esquecidas na mesma posição, aninhada em almofadas que tentam minorar-lhe o desconforto.
A máscara de oxigénio, cobre o rosto,  em grande parte.  No lábio, existe um ferimento seco, provocado pela sonda alimentar.
Nos primeiros dias ainda gemia, baixo, bem baixinho, parecendo não querer incomodar ... "socorro" ... "socorro" ...
Uma falta total de forças, e uma inanição absoluta dominam aquele farrapo humano, quase só um esqueleto coberto de pele, onde a palidez do rosto, dos braços e das mãos descarnadas, perdidas na cama, desvenda uma morte anunciada.

Como será estar-se ali ?
Como será existir-se e não se existir ao mesmo tempo ?
Será que algumas funções, além das vitais, ainda persistem ?

As visitas entram, saem, conversam.  Tocam telemóveis, entra e sai pessoal, no serviço diário de um hospital. As pessoas são indiferentes.  Afinal aquele corpo esquálido, não corresponde ao familiar que avidamente procuram com os olhos
E ela está imóvel, ausente, distante ...

E o mundo continua adiante.
E está um dia glorioso, de sol e céu azul.
E a Primavera está aí a chegar de novo, com tudo o que de promissor sempre carrega consigo.
E há vida lá fora ... há demasiada vida lá fora ...

Aqui ... bom, aqui acabaram de correr a cortina em torno da cama.
Uma busca de mais privacidade e conforto para a doente - pensei.
Uma memória doída atravessou-me.  O mesmo cenário.  O mesmo silêncio ... S. Francisco Xavier, 30 de Julho de 1992 ...

Também aqui, a morte acabou de chegar, sorrateiramente.  Também aqui a sua sombra de fantasma  aterrador,  desceu.  E  o  seu  frio  gélido,  percorre-nos  a  espinha  e  eriça-nos  os  pelos ...

A "Olguinha", como lhe chamavam carinhosamente, partiu.
Talvez tenha finalmente alcançado a paz .  Talvez tenha cessado o seu sofrimento.  Afinal o "socorro" respondeu à sua chamada ...

Que repouse em paz ...

Anamar

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