terça-feira, 24 de março de 2015

" A PATINE DO TEMPO "





Nunca é boa ideia remexer nas "antiguidades".  Sejam antiguidades materiais, sejam "antiguidades" instaladas no espírito e no coração.
Dito de outra forma, nunca é bom remexer no que repousa em paz, na terra assente, na água parada, nas arcas fechadas.
A  "poeira" que se levanta, belicosa, nunca nos faz bem, retira-nos a paz, sufoca-nos mesmo !
Torna-se num turbilhão, numa tempestade de areia que se agiganta, e que por momentos nos tira a vista e o ar.

Tudo o que é passado e que guardámos por alguma razão, leva-nos em viagem de marcha atrás, lá atrás, exactamente.
Leva-nos numa viagem de retrocesso insalubre.  Faz-nos regredir ao reencontro de alguém que já não somos, faz-nos revivenciar memórias, momentos idos, sem volta ...
Assombra-nos, com a ilusão pueril de que alongando os braços muito, muito, poderíamos alcançar de novo o que se esfumou.  E não podemos !

Então, é como extirpar um pedaço de nós, outra vez ... é como arrancar o sonho , e a convicção infantil de que conviveríamos de novo com os momentos, as palavras, as pessoas e os sentimentos.
É portanto sofrer duas vezes ...
É provocar a vida e o tempo.
É fazer a reprise de um filme que já não cabe na película.
É  uma agressão gratuita e desnecessária sobre o nosso espólio emocional.
É como arrancar intencionalmente a "casquinha" da ferida em cicatrização .
É como escarafunchar com um estilete agudo, a úlcera apodrecida, embora dormida ...
É como reabrir estupidamente uma sangria, num processo de regeneração em curso ...
Em  suma,  é  uma  espécie  de  masoquismo  inglório,  de  pena  infligida,  de  brincar  com  limites ...

Porque, cumprido o desiderato da "visita guiada", tudo fica obviamente como dantes.  Tudo recupera os seus lugares nas prateleiras da vida, na penumbra do tempo.
Tudo, menos nós, que ficamos remexidos, mais sofridos, num processo gratuitamente interrompido, de convalescença de alma.

E para quê ?
Para quê descer às catacumbas, ressuscitar fantasmas, revisitar personagens que se enquadraram num tempo, num espaço e numa realidade, que não são o tempo, o espaço e a realidade que temos hoje, e em que nós não somos mais o que éramos então ?!  Meras figuras descontextualizadas !...
Para quê entreabrir portas, de novo, violar gavetas que experimentam fechar-se, espreitar arcas há muito seladas ?

Pura perda de tempo !
Por isso, inevitavelmente, o passado já foi ... o amanhã é duvidoso e imprevisível ... o certo é o hoje, o momento, o instante ... este segundo em que respiramos ...
E não queiramos ignorar ou esquecer deliberadamente, que apenas para a morte é que não há remédio !!!!...

Anamar

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