quarta-feira, 8 de agosto de 2018

" NADA MAIS ... "



Como é difícil remexer no passado !
Como é complicado entreabrir frestas nas janelas das nossas vidas !...
Como é penoso enfrentar as  arcas dos tempos ... quando achamos que elas estavam seladas "ad eternum " !...

Penso que talvez tudo se prenda simplesmente, ao facto de através disso nos revermos lá atrás, nos reencontrarmos nas esquinas dos destinos, outra vez.
Ou simultaneamente, pela nostalgia de nos parecer, ilusoriamente, recuperar o que fomos, a juventude que se esfumou, os sonhos que construímos.  Em suma, um confronto imposto, conosco mesmos.
E normalmente a distanciação sempre é implacável e mostra-nos sem dó nem piedade, os erros então cometidos, as omissões de que não nos demos conta, o desperdício dos momentos que não usufruímos em pleno.
E como um filme visto num écran longínquo, tudo aquilo é e não é nosso.  Os protagonistas são, mas não são os que foram ... e as imagens desenrolam-se-nos com perda de qualidade, numa dimensão que nada tem a ver já, com a "alta definição" com que foram colhidas ... Como se as visualizássemos por entremeio de neblina ...

Cai-se então numa dolência doída, porque o tempo ... ai o tempo, mostra bem quem na verdade manda !

E gera-se um misto de sentires, de emoções, de memórias que desfilam e não se controlam.  Um misto de desejos e vontades gostosas que se atropelam, desafiantes ...
São diabinhos à solta que injustamente nos atormentam o coração e a alma, e vemo-nos à mesa do café, frente a frente com pedaços de estórias que pertencem afinal à nossa história e por nós foram escritos.
E como num cadinho de reacção adormecida, de repente, tudo se incendeia à revelia e sem respeito !...
Como num mar que era de maré baixa ... tudo se altera e galopa sobre os rochedos, indómito e alteroso ... ameaçador, numa avalanche sem tamanho ou contenção !...
Como numa dormência gostosa interrompida abruptamente, o sono agita-se, o corpo convulsiona-se e o desconforto instala-se !...

Porque também há a paz da monotonia, da rotina ... do instituído.  Do assimilado e incorporado.
A  paz  do  silêncio  dos  tempos.  A  paz  do  que  há  muito  jaz  numa  curva  da  estrada ... Intocado !
E se essa paz balançar, um conflito emocional abate-se e sacode-nos, como se a terra tremesse ou a onda aterradora a galgasse, inevitavelmente desprotegida e impotente ... mostrando-nos a precariedade do esquecimento das coisas.
A fragilidade dos fiapos de vida, urdidos e julgados arquivados na poeira da existência ... era isso mesmo ... uma fragilidade a sucumbir ! Apenas ...

Só que ... após o abanão que experimentámos, tudo se retoma.  A realidade da vida que se faz todos os dias repõe o figurino, indiferente, outra vez ... A perturbação conserta-se ...
Acordamos ... de novo, para o aqui e agora ...

E foi só isso mesmo ... uma fresta que se abriu na janela do destino, a tampa de uma arca que indiscretamente deixou à vista o conteúdo religiosamente guardado, como um tesouro que houvesse sido violado por momentos ...
Só isso mesmo ... e nada mais !

Anamar

Sem comentários: