quinta-feira, 23 de agosto de 2018

" P'RA SEMPRE ... "




" P'ra sempre" é tempo demais ...

Ao longo das nossas vidas vamos conhecendo tantos "p'ra sempres" que arrepia.
Há contudo aqueles que desejamos não venha a ser bem assim, depois há aqueles p'ra sempres que quereríamos que fosse exactamente assim, e os outros, que sabemos serem inevitavelmente assim !

Ontem esbarrei-me num deles, hoje num outro, sendo que sou escolada em tantos outros pelos quais lutaria de bom grado, com a força e com a alma para que o fossem mesmo ... até ao fim dos meus dias.
Estes, são os p'ra sempres de felicidade, de paz, de alegria, de fé e esperança na concretização dos sonhos sonhados.
São estes que nos levam a querer amar para sempre, a crer em futuros para sempre, a ter força para nos erguermos por cada manhã que nasce, sentindo que vale a pena continuar a seguir os trilhos ... por mais áspero que seja o caminho ...
São "p'ra sempres" abençoados, porque são bálsamos e não martírios ...

Há depois situações nas nossas vidas que se mostram irresolúveis, incompreensivelmente insolúveis.
Situações inexplicáveis muitas vezes, que desembocam em becos sem saída e resvalam a olhos vistos para "p'ra sempres" que não desejaríamos, que nos destroem, que nos mortificam progressivamente, que nos matam ...
E que suspeitamos vir a carregar inevitavelmente, além mesmo do nosso fim.
São "p'ra sempres" dolorosos, que como uma doença incurável vão minando, vão incapacitando, vão destruindo as linguagens, os laços, criando muros em vez de pontes, lançando em fossos escuros e fétidos o essencial, na valorização do acessório ... Em suma, colocando-nos costas com costas !...

E as pessoas vão-se insensibilizando, endurecendo, sangrando da dureza dos golpes, de uma forma contra-natura mesmo ... mortalmente feridas, inevitável, irremediavelmente estranhas ... para sempre !
Sem sentido, sem lógica, sem razão, quase sempre ... num absurdo e numa teimosia autista, que levará ao tarde de mais ... quando acordarmos ...
Contudo, não conseguimos encontrar a fórmula mágica, de bom senso, de bonomia, de razoabilidade, de amor, que pacificasse o turbilhão que nos assalta o coração e a alma... que revertesse esse "p'ra sempre", num "p'ra sempre" de esperança e paz ...
Seguramente não quereríamos que esses "p'ra sempres" maculassem as nossas vidas...

Finalmente, e sem remédio, há os "p'ra sempres" definitivos.  Aqueles  que,  como  numa  curva  cega de  estrada  sem  retorno, nos  confrontam  com  finais  que  o  tempo e  a  existência  ditaram ...

Entrei naquela casa no Verão de 63.  A vida fez-se ... foi-se fazendo, episódio a episódio, escrita pela pena dos destinos de cada um ...
Hoje foi o dia de a deixar, com um vazio mortal dentro de mim. Foi o dia de percorrer uma e outra vez, divisão a divisão, visualizando por cada uma o filme das histórias que ali foram vividas.
Olhar as paredes vazias, os espaços devolutos e reerguer e arrumar de novo os móveis, reabilitar as cortinas, rependurar os quadros.
Foi a vez de escutar no silêncio, de novo, as batidas do relógio de pêndulo que preguiçava na parede.
Foi o momento de olhar o meu pai, ainda sentado no sofá, a ler o Diário de Lisboa, de sentir o eco da correria das miúdas em torno da mesa, no assalto às iguarias do frigorífico ...
Foi a vez de rever a minha mãe no lugar de sempre, a fazer o ponto cruz interminável, com o Gaspar aos pés ... companheiro de todas as horas.  "Só lhe falta falar" ...
Ou de a ouvir, na janela das traseiras ... "até amanhã ... boas aulas !..." ... afastando a roupa dependurada no estendal, para que a vista me alcançasse até que eu desaparecesse na esquina ...

Pedaços e pedaços de mim, ficaram lá, hoje, neste meu perambular sem rumo, neste meu regresso ao passado, ao ontem, num retorno a um "nunca mais" sem remédio ou solução...
Deram-me o privilégio doído de ser eu a fechar a porta, pela última vez ... antes de passar para outras mãos as chaves que detivemos por cinquenta e quatro anos ... e que "nunca mais" farão parte da nossa "estória" !...

Para sempre e nunca mais são, de facto,  tempo demais para a curta existência humana !...

Anamar

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