quinta-feira, 26 de setembro de 2019

“ O PIGALLE AINDA MEXE ..




Em 2013 ( Agosto ) postei neste espaço, um texto sobre o Café Pigalle, café que faz parte do meu quotidiano, aqui na minha cidade.
Como lá refiro, trata-se de um espaço com mais de cinquenta anos, atravessado por isso, por muitas gerações, entre elas, a minha.   É pois, um "ex-libris" da Amadora.
A história do Pigalle de 2013 até à actualidade, é a história triste de um gigante que se acaba aos poucos, mercê das crises, da má gestão, do descaso, da não aposta ... do desinteresse ... ou da velhice, quiçá !...

Publiquei entretanto o texto no Facebook, num espaço de que sou "amiga", "Amadora - Passado, Presente e Futuro ", e com ele desencadeei na altura, diálogos muito interessantes entre os leitores, amadorenses com histórias cruzadas e vividas em passados próximos, exactamente no Pigalle.  Pessoas que haviam deixado de se ver, de se encontrar, pessoas cujos nomes lhes faziam sentido, mas não tinham certezas de quem eram ao certo ... Enfim, reaproximei amigos de uma vida, companheiros de bilhar, tertulianos de horas mortas, em juventudes idas ...
E isso, foi-me profundamente gratificante ...

Passaram seis anos entretanto.
Hoje ( e este é o prodígio que as redes sociais às vezes têm, quase sempre mais negativas que positivas nos relacionamentos ), o meu texto foi "repescado" como memória, por alguém que obviamente não conheço, mas que lendo-o, o comentou .
O texto "saltou" portanto, de novo, para a página do referido Grupo de Amigos.

Entendi por isso, reatar o contacto com as pessoas que tenham curiosidade e interesse em saber do percurso de vida, do Pigalle, seis anos transcorridos ... eu, que o frequento incontornavelmente, todos os dias ...
E escrevi o texto que aqui igualmente posto :


"Surpreendeu-me o  regresso do meu texto, tão carinhosamente aceite na comunidade Amadora- Passado, Presente e Futuro, aquando da sua publicação, em 2013.
Se os amigos repararem, a maioria dos comentários datam exactamente desse ano.
Pois bem, volvidos seis anos após a minha publicação, cabe-me reportar que o Pigalle, o tal “dinossauro” da nossa cidade, resistiu e resiste à intempérie do tempo, e ainda mexe !
Mexe mal, trôpego das pernas, sem força anímica para se erguer e padecente de reumático,  idêntico ao dos seus frequentadores ...
Penso que o FB recuperou este meu escrito e repô-lo como memória, creio.  Daí que tenha sido retomado por alguns amigos, e me tenha caído à frente, de novo esta manhã, exactamente quando eu tomava o pequeno almoço ... no Pigalle !
A precariedade e o envelhecimento do café, mantêm-se, ou melhor, agravaram-se nestes seis anos, como é lógico esperar de alguma coisa sem manutenção qualitativa significante.
O espaço físico, eu diria estar  exactamente igual, com uma “lavadela de cara” agora nas férias, em que encerrou.
Portanto, sem ponto ou vírgula de acréscimo.
Os empregados reduzem-se a uma única funcionária que, por ser multi-funcional e não parar um minuto, tem conseguido resistir à “sanha” de despedimentos sucessivos, de pessoas que passam períodos temporais escassos e mínimos, ao serviço do estabelecimento.
É um rodopio de empregabilidade de funcionários que ( e alguns revelaram qualidade na prestação de serviços ), mal entram e já partem ...
Explicaram-me ser uma política defensiva por parte dos patrões, a quem não interessará assumir contratos mais definitivos, com tudo o que eles envolvem de responsabilidades, como empregadores.
Ao cliente, em termos de géneros, e por comparação com todos os outros espaços idênticos de restauração, existentes na mesma zona da cidade ( afinal, o seu centro ), pode falar-se em “mínimos absolutos” ...
Não chega a ser um espaço prazeiroso em termos logísticos.  É um café servido por luz artificial, como se sabe, em que não há vontade expressa de o tornar confortável e aconchegante para o cliente.  Todo o Verão se “suam as estopinhas” com os ares condicionados desligados ( avariados ... diz-se ), e no Inverno o aquecimento também poucas vezes nos ameniza o ambiente ...
A clientela  continua a privilegiar a classe “sénior”, digamos, já que o café não é  obviamente, minimamente  atractivo para os jovens.  Talvez por isso, fruto de tudo isto e da pouca simpatia e alguma conflitualidade do dono, que por ali perambula, muitos grupos de amigos que à mesma hora, diariamente, ali confraternizavam, desapareceram, buscando outros espaços  certamente mais aliciantes, do nosso burgo.
Quando, depois de férias reabriu, percebi que mais e mais o Pigalle se descaracteriza.  As “baixas” acentuam-se.  Por insatisfação dos clientes, fundamentalmente, mas também  por “deserção” forçada e triste de outros ...                                                
Acredito que apenas a detenção da venda de jogo seja a sustentação económica do café ... e não mais.
Perguntarão então os amigos, depois desta minha longa e exaustiva dissertação, por que, masoquistamente   ou  talvez  não ... insisto  em  frequentar  aquele  espaço ?!   
Serão recaídas saudosistas ?!                                                                                                                             
Pois não sei exactamente o porquê desta questão !
Alguns amigos perguntam-me, meio a brincar meio a sério :  “então, amanhã  vais  ao  Centro  de Dia ?”  E não entendem ... também eles.                                           
Sei que sou fiel nas escolhas.  Sei que sou saudosista das memórias.  Sei que me prendo e miscigeno com os locais, os hábitos e as histórias ... e eles se me colam debaixo da pele ...
Será isso ?  Será essa a razão por que, “desgraçadamente” os sapatos, sem racionalmente  me obedecerem, por cada manhã, ao sair de casa, para lá me encaminham ???!!!

Um abração, esperando não vos ter roubado demasiado tempo com esta minha crónica ... Afinal ... o Pigalle ainda mexe !!!... "

                                                                                      1964



Anamar

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