segunda-feira, 2 de setembro de 2019

" O QUE SERÁ, QUE SERÁ ?... "




Ando a ficar um pouco interrogativa perante certas coisas da vida.
Pergunto-me se estou a ficar velha, ultrapassada ou com a intolerância típica de quem já não tem muita paciência, nem se obriga a fazer fretes.

Pertenço a um Clube de Leitura a que aderi há alguns anos, quando procurava entupir-me de iniciativas para ocupar um tempo que me sobrava e uma solidão que me sufocava.
Já há alguns anos portanto, que me incluo nessa tertúlia de um grupo de pessoas que têm em comum ( apesar de em alguns casos já pré-existir alguma amizade antiga, ou mesmo familiaridade entre elas ), o gosto pelos livros e pela leitura.
É uma forma de nos "obrigarmos" a ler, a conhecer estilos e autores diferentes, e depois mensalmente, a pretexto de discutirmos os conteúdos, comentarmos e sobre eles dialogarmos e trocarmos opiniões e sensibilidades de análise, convivermos à volta de uma mesa, onde, claro, à boa maneira portuguesa, não faltam as vitualhas  com que cada um comparticipa para um lanchinho aconchegante.
Isto ocorre mensalmente, como disse, e sempre que possível, contactado o autor ou a autora do livro em discussão, o mesmo honra-nos com a sua presença e simpatia.
Temos abordado variados autores, mais ou menos actuais, muitos portugueses, com obras referenciadas, premiadas algumas, na ribalta muitos deles, no panorama intelectual do nosso país.

Até aqui nada de especial, ou que tenha justificado a razão deste meu post.
Acontece que ando preocupada e desiludida comigo mesma.  Estarei a perder qualidades ... ou ... ?

Verifico que há tempo de mais, não tropeço numa obra que me preencha o espírito, que me encha as medidas ...  um daqueles livros inesquecíveis, que pelo conteúdo e pela forma, nos empolga, nos deixa plenos ... Uma espécie de livro de "uma vida", como costumamos dizer.
Acontece-me o mesmo em relação a filmes, embora nos últimos anos eu  ande um pouco arredia das salas de cinema, e em casa, pela televisão, o glamour da sétima arte nunca é igual.

Acho que hoje em dia toda a gente escreve, toda a gente canta, toda a gente é "capaz" de fazer qualquer coisa, em qualquer área ...
Não parece ser exigível a vocação que antigamente entendíamos como determinante para o efeito.
Não parece ser imprescindível haver aquela "queda", aquela coisa nata, que dantes achávamos ser dom de uns e não de outros ...
Nada disso.  Hoje as pessoas parecem ser totalmente ambivalentes, mesmo polivalentes, ou pelo menos, "acham-se" ... como dizem os brasileiros.

E talvez por isso, ou só por isso, dou por mim a esbarrar com frequência de mais, com experiências negativas, sobretudo na área da literatura.  O que, claro, me traz à cabeça quase sempre a escrita dos clássicos da nossa língua.  Mas não só, evidentemente.
Não sou de ler qualquer coisa.  Ler por ler ... compulsivamente.  Engolir tudo ...

Mas ...

Como era delicioso ler um Eça, um Aquilino, Jorge Amado, Redol, Virgílio Ferreira, Namora, Manuel da Fonseca, Florbela, Eugénio de Andrade ... mas também, Rodrigues dos Santos, Isabel Allende, Elena Ferrante, Miguel Sousa Tavares, Maria Dueñas, Beauvoir, Garcia Márquez, Somerset Maugham, Erico Veríssimo, Machado de Assis, Mia Couto, Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Hemingway ... e tantos, tantos outros, nacionais ou não ( aliás, é altamente redutor referir simplesmente nomes que de rompante me vieram à cabeça ) !...
Não precisarei obviamente falar de um Pessoa, de um Lobo Antunes, Saramago ou Agustina ...

Sempre houve escritores com uma escrita hermética, mais difícil, mais confusa e intrincada  ... mais "chata" mesmo.
Sempre se comentou haver autores quase intragáveis, em cujas obras se pegava e muitas vezes nunca se lhes atingia o fim.  E no entanto, "monstros" da escrita, que dispensam apresentações ou sequer galardões.  São insuspeitos !

Sempre houve.

Mas hoje em dia ... ( e volto ao princípio ), começo a preocupar-me comigo mesma, porque seguramente sou eu que já não reúno aptidões valorativas, capacidades intelectuais de análise e crítica... Com um bocadinho de jeito, até de entendimento.
E daí eu falar em senilidade, quiçá burrice instalada.
É que, neste momento, tenho andado no degredo de ler obras ( escolhidas no Clube, como disse ), que "corto um dobrado" para conseguir atingir os respectivos epílogos.
É um esforço titânico ler páginas atrás de páginas que não se entendem, não fazem sentido, não são escorreitas, claras, simples, com nexo ... perceptíveis ao menos ...
Parece que quanto mais rebuscada é a escrita, mais intrincada a mensagem, mais confusa a linguagem, mais desconexa a pontuação das frases que parecem amontoar-se simplesmente ... maior é a " obra prima" !
Será que quem escreve tem a presunção de se colocar num patamar intelectualmente superior ao leitor  comum, articulando histórias sem história, frases que têm que ler-se duas e três vezes, páginas que têm que se voltar duas e três vezes ... livros até, em que as pessoas saltam episódios, vão à frente, voltam atrás na esperança de encontrar um fio à meada ??!!  E que isso seja sinónimo de qualidade ??!!...

Bom ... não deve ser nada disto !  Devo ser eu que estou a ficar limitadita ... burra, seguramente ... ou ultrapassada !
Vão ver que os padrões de escrita, de boa escrita para a qual fui treinada, ensinada e incentivada desde a primária ... estão completamente ultrapassados, fora de moda, caíram em desuso ... são coisa do passado, mesmo !
Vão ver que a correcção linguística, gramatical e até formal, da articulação de ideias com princípio, meio e fim ... também já não interessam nada !

As pessoas não se expõem.  Os leitores defendem-se para evitarem rótulos.  E são mesmo capazes de aplaudir, louvar, demonstrar fascínio ... Eu silencio a minha perplexidade ... "Onde ? " - questiono-me ...

Pergunto-me o que teriam a dizer sobre tudo isto ( nem preciso chegar ao Camões ou sequer ao Pessoa ) ... fico-me só pelo Eça ... sempre actual, sempre contemporâneo ??!!...

Anamar

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