sexta-feira, 20 de setembro de 2019

" OS MORTOS - VIVOS "




Acho que ninguém apreciará este meu post.
O que é facto é que não posso só escrever coisas doces, soft, daquelas que eu sei que toda a gente gosta de ler.  Afinal, para chatice já basta a vida, dirão ... E o sonho deverá ser um imperativo, neste "vale de lágrimas"  ( como a Igreja Católica denominava esta nossa existência ... )
Apenas, dentro de mim, conflitos anunciam-se, turbilhões vivenciam-se, insatisfações impõem-se ... dúvidas também ... incertezas mais ainda ...
Sempre a minha vida se situa numa espécie de olho do furacão, sempre rodopia num vórtice imparável, sempre se coloca num limbo maioritariamente incómodo, por inseguro.
Em consequência, eu que já sou introspectiva, reflexiva e meditativa, com a "ajuda" da época do ano que atravessamos, questiono, se possível mais ainda, tudo quanto me passa pela cabeça.

Estou outonal ... estou entre os amarelos, laranjas e vermelhos do matiz da Natureza.  Contudo mais empalidecida, menos esfuziante ... mais "mate" ... mais "pastel" ...
Mais cansada  talvez, mais desmotivada seguramente.
Tenho uma vida um pouco rotinada, se calhar  demasiado rotinada.  Não sou de todo pro-activa em nenhuma vertente.  Sou mais de assumir uma postura  passiva, talvez pouco sonhadora já, e hoje em dia excessivamente pragmática mesmo.
Os tempos do mergulho no escuro, da inconsequência, do rumar sempre adiante desse por onde desse, do risco  ( cuja adrenalina não podemos ignorar que fascina ), parecem ter esmorecido um pouco ...
Hoje, "peso", "sopeso", penso e repenso ... Como diz um amigo, coloco as minhas dúvidas existenciais, de "um tomate para o outro" ... se os tivesse.  😄😄😄
Ou seja ... os cinzentos parecem estar a baixar ao meu pedaço !

À minha volta, as vidas que se vão fazendo, também nada têm de brilhante.  Pessoas atulhadas de problemas, de impasses, de cansaços e desencantos, como alguém que por acaso nada, não a favor, mas contra a corrente.
Saúdes débeis de muitos, sucessos ou realizações, que seriam gratificantes ... nada !  Apesar de determinações, esforços e trabalho exaustivo e metódico, de alguns.
Ou então, sou eu que tenho um "galo" desgraçado e só me movo em ambientes e entre personalidades pouco bafejadas pela sorte ... que também faz falta, claro.

O café que frequento no pequeno almoço, está chato e sem graça.  Foi, diariamente,  local de encontro de amigos, de tertúlia nuns dias, de sossego que me permitia ler e escrever, noutros.
Havia grupos certos, ponteando as diferentes mesas, e as pessoas saudavam-se, trocavam-se as "últimas", perguntava-se pelos ausentes ... sabia-se dos presentes ...
Hoje, as "baixas" são absolutamente notórias.  Os frequentadores, são maioritariamente idosos.  Aliás, trata-se de um espaço que é ex-libris da minha cidade, com mais de cinquenta anos de existência.
Hoje, falta um, falta outro ... doenças e mortes, têm ido levando a população ainda resistente.

E fica um clima assim  triste e meio desconchavado...
Animo-me se o horizonte me acena com uma fuga a este panorama.  Mas, esse "estado de graça", em qualquer situação, sempre é obviamente pontual.  Se depressa parto, parece que mais depressa chego ... e tudo recomeça ...

Hoje em dia percebo que as pessoas sem obrigações profissionais, ou com trabalhos auto-geridos que lhes deixam espaço de manobra nas vidas, vivem incompreensivelmente do meu ponto de vista, entupidas, afobadas com hobbies, com interesses exageradamente exigentes, com preocupações e iniciativas que se percebem excessivas, por tudo e alguma coisa que lhes ocupe o tempo e preencha as rotinas e os vazios. 
É um "non stop" de actividades ... é um exagero de ocupações pouco saudável, que me cheira a artifício montado !

E se possível, acabam correndo hoje, mais do que quando trabalhavam em "full time".
Ele são exposições, ele são museus, passeios temáticos, tertúlias de toda a ordem, clubes de vocações variadas, leituras exaustivas e enfiadas "goela abaixo" indistintamente ... Como se, e é o que por vezes se me afigura, andassem numa espécie de serviço ocupacional rodopiante, que lhes represente um significado de "vida", desde que não lhes deixe nenhum tempo livre, sobretudo para pensarem, ou equacionarem uma profunda e real solidão.
Como se, talvez inconscientemente ou não, estejam em permanente fuga para a frente, de qualquer coisa que na realidade lhes perturba a vida ... enquanto se acham e dizem bem.
Parece-me do que analiso, que o ser humano que usufrui de tempos mortos, com excessiva frequência ( em vez de eles serem uma mais valia na sua existência ), foge deles a sete pés e pretende atordoar-se de alguma forma. 
Talvez para não consciencializar o vazio das existências, a inconsistência dos sentimentos experienciados, para não questionar a relevância do existir ... ou para não se confrontar com o cinzentismo das vidas.

Não sei.
Sei que hoje estou cáustica e profundamente amarga, como comecei por dizer.  Mas, ainda assim, em lugar de sentir que estou perto de gente viva, percebo estar mais perto de mortos-vivos convictos de que existem, quando talvez já tenham morrido sem que o hajam percebido !...

Anamar

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