sábado, 13 de fevereiro de 2021

" A GERAÇÃO DO ÁLCOOL-GEL "

 



Eu não acredito que já há mais de um ano, os temas dos meus textos rodam em torno da pandemia !
Há um ano já que comecei a escrever uma espécie de "crónicas de caserna" sobre a realidade de que nos dávamos conta diariamente, e bem assim dos sentimentos ao rubro que por aqui íamos experimentando !
Eu não acredito que há mais de um ano, os meus escritos começavam já então, com as benditas frases : "foi decretado o estado de emergência" ... "o país está totalmente confinado " ... " as ruas estão desertas" ... "hoje foram também encerradas as escolas, e as crianças e jovens iniciam, a partir de casa, o ensino à distância "... ou, " todos os trabalhadores com profissões passíveis de um desempenho a partir de casa, passam a exercer tele-trabalho" ... " pais com crianças de idade inferior a doze anos, têm direito a assegurar o seu cuidado, mantendo-se nas residências" ... e por aí adiante.
Há mais de um ano, eu falava dos artefactos conhecidos e inevitáveis a integrarem o nosso dia a dia, as nossas rotinas, num quotidiano que se instalou e parece não desgrudar nunca mais, das nossas vidas ... as máscaras, a lixívia, o álcool-gel, a higienização ininterrupta das mãos, com muita água e sabão ... O café que não se pode tomar na rua, as filas nas superfícies comerciais, o número limitado e a conta-gotas das admissões nos estabelecimentos ainda abertos ... o distanciamento social em todos os lugares ...
Há já um ano que a realidade de todos nós mudou totalmente o figurino, nas rotinas, nos sentimentos, nas vivências ...
Tudo em nome de uma nano-partícula viral que ousou tomar conta dos nossos destinos !

E hoje, passado já um ano, continuando remetidos, eu diria, à estaca zero, prosseguimos uma via sacra sem vislumbres auspiciosos.
Estaca zero  não é sequer o caso, porque passado um ano as cotas dos nossos parâmetros valorativos ( do que era na altura, uma pandemia que parecia iniciar-se benevolente para Portugal ),  desceram abissalmente p'ra uma cratera sem tamanho ou dimensão ... o que, se calhar, se nessa altura no-lo tivessem contado, talvez não tivéssemos acreditado.
Os números de casos de infecção, o número de óbitos, o número de doentes em Cuidados intensivos, a gravidade do cansaço e da exaustão sentida  nos hospitais, nas famílias, na sociedade de uma forma geral, eram  uma brincadeira, se os compararmos à nossa actual realidade diária.
Aprendíamos então novos esquemas de vida, adaptávamo-nos então a realidades estranhas que tiveram que se nos entranhar na alma, tacteávamos  então uma adaptabilidade física e emocional a um todo que não conhecíamos, sequer ouvíramos falar, sequer imagináramos ...
Sempre na esperança que tudo fosse apenas por algum tempo, que o pesadelo nos desse tréguas num tempo não excessivo, pelo menos não acima do que fôssemos capazes de suportar ...

E como em tudo na vida, a tudo o ser humano se ajeita ... primeiro estranha, depois entranha, foram transcorrendo os dias, depois das noites novas madrugadas se perfilaram, depois da Primavera as estações seguiram o rumo normal, os dias azuis chegaram no prazo correcto e espectável, a seguir às chuvas e às intempéries o sol falava-nos de praias onde não iríamos, de viagens que não faríamos, de espectáculos que não veríamos ... a solidão forçada das paredes cerradas das casas donde não saíamos, como último reduto ou trincheira desta guerra sem tamanho,  lembrava-nos dia após dia a falta do abraço, do beijo e do colo, pesava-nos dia após dia a ausência dos que só víamos através de plasmas e que só ouvíamos através de aparelhos, as noites não dormidas trazíam-nos o medo, o cansaço, a angústia, a incerteza que adoece e dói ...
E no limbo entre o estar morto ou ter a certeza de estarmos vivos, fomos cumprindo calendário, ansiando que o ano assassino terminasse logo, tal a força da sua flagelação ... como se, virada a última página do 2020, a regeneração de tudo, até de nós mesmos, estivesse em rampa de lançamento !
Parecia que uma nova aurora despontaria nos primeiros alvores de uma madrugada que seria  finalmente "mãe", porque já bastava a força carrasca do pesadelo que havíamos vivido ...

Hoje é sábado de Carnaval ... só porque a convenção assim o determina.  E hoje vivemos o que os homens da Ciência chamam-se de quarta vaga, em Portugal das mais violentas que flagelam o mundo ! 
Hoje, novamente as medidas de contenção, os parâmetros restritivos, as limitações, vigoram inapelavelmente, num estado de emergência e confinamento, imposto por um Janeiro absolutamente catastrófico e devastador.
Hoje sabe-se que estatisticamente a saúde mental dos portugueses claudicou.  Nos últimos meses mais de sessenta mil pessoas pediram apoio psicológico.
Hoje no país, chegou-se a mais de quinze mil mortos, mais de oitocentas pessoas carecem de máquinas p'ra respirar e o número de infectados atingiu o patamar de cerca de oitocentos mil .
Hoje já dispomos de vacinas, num número muito abaixo das necessárias.
Reforça-se a testagem a valores diários de exigência muito séria.
Hoje, as estirpes de vários tipos, atestam que o vírus não se conforma e promete continuar a reduzir  a terra queimada, os caminhos que calcorreia !  As gerações do meio são fustigadas.  Existem muitos jovens entre os doentes graves e os óbitos.
Hoje, a OMS fala no uso de duas máscaras sobrepostas, dada a virulência, nomeadamente da estirpe britânica que já se instalou numa percentagem aterradora.
Hoje, com um sol primaveril a anunciar um confinamento ainda mais difícil de cumprir, continuamos em "prisão domiciliária" ... e há quem pergunte : "mas será que algum dia deixaremos de usar máscara ?  Será que voltaremos a ser capazes de conviver com um depois com a normalidade do antes, sem que sintamos que algo não está bem ?"
Que consequências seríssimas no domínio psíquico e até físico, virão a experimentar as nossas crianças, os nossos adolescentes, os nossos jovens ... pela inversão de todos os hábitos, necessidades óbvias,  rotinas interiorizadas, a amputação dos afectos, da relacionação, da partilha e da interajuda, na normal construção de personalidades que exactamente percorrem um estadio da vida determinante nas suas formações ?!

Só a História, um dia quando for feita, o reportará. Já cá não estarei para o conhecer . 
Só ela, com o devido distanciamento temporal, necessário e suficiente, poderá avaliar com segurança, o grau de adaptabilidade capazmente alcançado, de superação e de resiliência desta heróica "geração do álcool-gel" !

Anamar

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