domingo, 28 de fevereiro de 2021

" NO TEMPO DOS NINHOS ..."


A Primavera anuncia-se pelos quatro cantos da mata.  Os dias solarengos, de um sol doce e manso, têm aquecido, e tudo quanto é planta acordou do sono letárgico do Inverno e começou a abrir os pequenos borbotos verdes que  numa espécie de passe de mágica, desenham incipientes os primeiros projectos de folhagem.

É impressionante o ritmo biológico com que tudo desenvolve num curto espaço de tempo, como se a Natureza tivesse pressa em fazer-se presente de novo.
Os pássaros, igualmente, andam numa afobação que se percebe, e cantam saltitando de galho em galho .  Afinal é época de acasalamento, época de ninhos e arranque familiar.

É inevitável que recue no tempo, ao tempo em que aqui por casa se apostava na observação desse milagre.  
As miúdas eram pequenas e eu queria mostrar-lhes a maravilha da vida animal, a renovação das espécies, os ciclos da vida das aves, o respeito por tudo e todos os que dividem o planeta connosco..
Sem outro tipo de animais em coabitação, vetados por quem assim o entendia, os pássaros eram, por assim dizer, os mais acessíveis de poderem dividir um apartamento connosco, sobretudo tendo na altura ainda espaços abertos, com varandas não fechadas, coisa que viria a acontecer mais tarde.

Por isso, depois do "milagre" das transmutações do bicho da seda, nas suas metamorfoses  espectaculares, depois de ter havido peixes em aquários portadores de maternidade, para que a multiplicação pudesse operar-se com as condições necessárias, passou-se à criação de canários e periquitos, em viveiros mandados construir para que tudo ocorresse na perfeição.
Tratavam-se de uma espécie de armário com várias divisões lado a lado.  Cada uma dessas células familiares podia ou não, comunicar com a vizinha, mercê dum anteparo removível, e tinha um tabuleiro inferior  com areia, p'ra facilidade de limpeza.   O dito armário possuía  portas à frente, que se fechavam  para protecção das aves contra a frieza destas noites ainda nada seguras. 
Cada "apartamento" tinha os respectivos comedouros, bebedouros, banheira e suporte para a colocação dos ninhos na altura certa.  Nada faltava.
Procedia-se então à aquisição das várias espécies de aves, ao Sr.Joaquim, que sendo criador, vendia junto ao jardim.  
E havia-as lindas e variadas.  Os canários "mosaico", os "cobre", os amarelos mais comuns, os laranja quase vermelhos, os que no cimo da cabeça possuíam uma espécie de chapeuzinho de penas ... os brancos ... Todos grandes "tenores", sobretudo !!! 😁😁
Os periquitos que mais palravam do que cantavam, ostentavam colorações fantásticas, entre os azuis, verdes, amarelos, brancos e cores mistas.

Depois, bom, depois era acompanhar diariamente os rituais de acasalamento.  
Primeiro deixávamos que se escutassem, nos chilreios dos machos particularmente afinados e cortejantes, na conquista da parceira.  Depois juntávamos os casais por "habitação", colocavam-se os ninhos e providenciava-se-lhes sisal ou desperdício, para que as fêmeas, passado algum tempo,  iniciassem a laboriosa missão da confecção dos mesmos.  As canárias começavam então a procurar com frequência o cestinho já devidamente acolchoado, até que, numa bela manhã, o primeiro ovo surgia no fundo.  
Ao ritmo de um por dia, a postura fazia-se então, e começava o choco.  Para evitar a disparidade de dias entre os nascimentos, os ovos retiravam-se e colocava-se em seu lugar, um ovo falso até ao fim da postura, que podia ir até 5 ou mais ovos.
A fêmea pouco de lá saía para que os ovos mantivessem o calor que lhes disponibilizava, e frequentemente o macho ajudava à sua alimentação.

E era uma ansiedade constante.  Será que ... será que ??

Por volta de treze, catorze dias de incubação, os ovos eclodiam finalmente, e os filhotes totalmente despidos de penas, eram  dependentes em permanência, do calor constante de um dos progenitores e bem assim, do seu fornecimento alimentar.  
Depois ... bem, depois era o desenvolvimento normal de qualquer ser vivo, dia após dia, até ganharem o colorido das penas, a independência do voo, a autonomização dos pais ...
O milagre da Vida a repetir-se, sempre com o mesmo fascínio e encantamento !!!

As minhas filhas rejubilavam com cada coisa nova a que assistiam, com o pedacinho da Natureza, desta forma trazida até elas !  Sobretudo a mais nova, que até hoje é fascinada por tudo o que respeita à Vida nas suas diversas formas, com um respeito profundo pela "Mãe" que nos acolhe e aconchega durante a nossa passagem pela Terra !

Hoje deu-me p'ra lembrar tudo isto !...
Porque é quase Primavera, porque os pássaros nos brindam com os seus  concertos maravilhosos, porque a Natureza generosa se engalana de novo ... porque a esperança de que tanto precisamos, é verde também, como a folhagem luminosa que começa a despontar no azul dos dias ...

... e porque a menina que nos seus seis ou sete anos  se encantava  com  a sabedoria do Universo, completa amanhã já quarenta e três, e tem uma filha com três, a quem tenta transmitir todas as lições aprendidas !  
A Teresa é aquela menina que "acaricia" as flores  que nunca arranca nem pisa, acarinha os animais com quem se perde em longas conversas, e é incapaz de maltratar qualquer um ...

O tempo dos ninhos já foi ... Resta-me hoje uma terna memória e uma saudade infinita, também daqueles que todos nós éramos, então !!!...

Anamar

Sem comentários: