sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

" INQUIETUDE "

 


Estou sentada frente à janela, com o casario desinteressante e monótono estendido até ao horizonte, com um céu uniforme, cinzento e fechado em abóboda desconfortável por cima, e as árvores divisadas aqui e ali, totalmente despidas da folhagem.

É um característico dia de Inverno.  Triste e desanimador, silencioso e vazio.
Está frio, ou eu tenho.  E nem sequer sei se este frio é do corpo, ou se me desce da alma, que hoje consegue estar mais escurecida que esta escuridão pardacenta que nos envolve.
Era dia de caminhada, mas não saí.  Não me animei mesmo, a descer.  Recusei o sacrifício que seria hoje, tê-lo feito.  Há uma indiferença em mim sobre o que  vivo e gostaria de viver, sobre o que sinto e gostaria de sentir, sobre esta sensação de perda que canibaliza as minhas emoções.
Estou exangue, sem luz, sem chama ... amodorrada num cansaço interior que se projecta nestes dias gelados que são a minha vida.
E já não me espanto ... menos ainda, reclamo.  Parece óbvio.  Parece fado a cumprir ...
Estou ... apenas estou.  Viva, porque respiro, eu sei.  Não muito mais !
Acho que me assemelho a uma folha tombada daquela árvore nua.  Vejo-a, castanha, seca, encarquilhada, jogada no chão pela aragem desabrida que corre lá fora.  Uma folha sem nenhuma importância, uma folha em que ninguém repara, uma folha calcável a qualquer momento.  Uma folha que rola da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, sem relevância, sem lógica ou sentido. 
Aleatória, acidental, mera partícula largada no tempo indiferente ... quase invisível ... transparente ...
Uma folha sem história !

Estou na gare de uma estação vazia.  O comboio dobrou a curva ao fundo.  E eu apenas espero um outro que venha, quando vier.  Espero.  Porque atingi o meu tempo de esperar.  O tempo de fazer, já foi.  O de viver, também.
Bagagem não levo.  Nada me fará falta.  Os sonhos ficaram.  Gastos, é verdade.  Mas ficaram.
As emoções também.  Afinal, eu sinto-me aquela folha castanha, encarquilhada e seca jogada no chão pelo destino.  Não esqueçam que até as folhas castanhas, encarquilhadas e secas terão um destino a cumprir, acredito, apesar de não parecer ...
E o destino, a gente não discute.  Com o destino a gente não briga mais, porque sê-lo-ia irrelevante, e de nada serviria.
Estou cansada.  Demasiado cansada.  Pareço ter chegado duma longa jornada, tumultuosa, errónea e  inútil.  E o amorfismo que sinto bem presente nas minhas veias, imobiliza-me na estrada, como se só devesse esperar.  Pareço viver um tempo sem tempo, nebuloso ... um tempo parado no meio dos parêntesis da vida, nada mais !...

Anamar

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