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domingo, 7 de março de 2021

" E NÃO MAIS ... "

 


As pessoas partem ...
E depois fica aquela coisa injusta e incompreensível, de tudo ficar exactamente na mesma.  O mundo passa tão igualmente bem, connosco ou sem nós.
O sol brilha, até mais do que em dias borrascosos, mais adequados à morte ... Os pássaros voam e deixam-se escutar com a mesma alegria de sempre ... As flores espanejam a beleza do seu exuberante colorido, adornando os caminhos, enfeitando os arbustos, emoldurando a paisagem ...
O vento sopra, em brisa ou irado.  O mar é igual e diferente, hoje, amanhã, sempre ... e vai continuar antes e depois de nós, a açoitar as falésias ... a beijar os rochedos ... porque é e será sempre assim !
E as pessoas repetem o que fazem todos os dias, com a indiferença do areal que ignora o grão de areia arrastado pela maré.  Um grão a mais ou a menos, que diferença faz ?!  Tudo continuará exactamente como antes.
Se amanhã tiver que chover, choverá.  Se a Primavera estiver p'ra chegar depois de amanhã ... chegará, com toda a certeza do mundo !
O nosso espaço permanecerá imutável.  A cadeira continuará no mesmo sítio ... só que agora, vazia !
Os sons de casa também são rigorosamente os mesmos, porque já o eram há muitos, muitos anos !
E tudo perdurará depois de nós.  
Este xailinho que me protege as costas, já protegia as da minha mãe, faz tempo.  Este xailinho de lã tricotada, foi-o por umas mãos que já partiram há mais de quarenta anos.  Ele continua por aqui, e pode mesmo proteger a minha neta, depois de eu partir ... Que importância tem isso ?
Haverá um tempo em que alguém o lembra.  Findo esse tempo, ninguém mais o lembrará ...
As coisas vivem enquanto alguém as lembrar e nelas falar ... Só !... E a memória do Homem é demasiado curta !

As pessoas partem ...
E o vazio que fica hoje, ficará só durante um tempo.  Porque o tempo se encarregará de o preencher .
A história lembrada hoje, será esquecida.  É só mesmo uma "questão de tempo" ... como se diz.
E o tempo é aquela entidade abstracta que inventámos, só para espalhar marcos incómodos na nossa estrada.  O tempo não serve rigorosamente para mais nada, além de nos angustiar, de nos confrontar com a sua finitude e com a nossa aproximação gradual ao chamado limite desse mesmo tempo ... o fim da nossa existência por aqui !
Ontem, ainda éramos.  Hoje, não somos mais.  
A  voz, a gargalhada que ainda parece escutarmos, o timbre que conhecíamos, o rosto e a expressão familiar aos nossos dias, vão-se esbatendo ... como uma fotografia a sépia, com o correr da vida.
Haverá um tempo em que alguém perguntará quem era aquela imagem naquele retrato ?  De quem eram aquelas palavras, largadas num dia feliz, numa folha de papel, num cartão de Natal ?  A quem pertenceu aquele livro que já pontuou a cabeceira de uma cama ... há eternidades ?
E se calhar, já ninguém o saberá responder, tal a irrelevância da questão.

As pessoas partem, e só vão continuando por aqui, enquanto houver um  que seja, que as lembre ... não mais.
Enquanto houver alguém que diga "era simpático, era meio doido ... apaixonado pela vida ... era insuportável, era doce, costumava dizer ... sempre dizia ... lembram, quando entrava ? ... era amigo ... generoso, sonhador, era alto, sentava-se sempre ali ... não estão a ver ?... "   
 ... enquanto  houver alguém que ainda diga ... nós continuamos a pairar por aqui !
Enquanto houver uma lágrima que escorra por nós ... enquanto  houver quem lembre uma data, quem recorde um momento, quem cite uma frase, quem desencave uma memória ... nós continuamos por aqui.
Enquanto houver ... e não mais !

Hoje foi um dia cristalino, de sol claro e luminoso .  Hoje devia ter sido proibido morrer ... mas as pessoas partem !...

Anamar

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

" INQUIETUDE "

 


Estou sentada frente à janela, com o casario desinteressante e monótono estendido até ao horizonte, com um céu uniforme, cinzento e fechado em abóboda desconfortável por cima, e as árvores divisadas aqui e ali, totalmente despidas da folhagem.

É um característico dia de Inverno.  Triste e desanimador, silencioso e vazio.
Está frio, ou eu tenho.  E nem sequer sei se este frio é do corpo, ou se me desce da alma, que hoje consegue estar mais escurecida que esta escuridão pardacenta que nos envolve.
Era dia de caminhada, mas não saí.  Não me animei mesmo, a descer.  Recusei o sacrifício que seria hoje, tê-lo feito.  Há uma indiferença em mim sobre o que  vivo e gostaria de viver, sobre o que sinto e gostaria de sentir, sobre esta sensação de perda que canibaliza as minhas emoções.
Estou exangue, sem luz, sem chama ... amodorrada num cansaço interior que se projecta nestes dias gelados que são a minha vida.
E já não me espanto ... menos ainda, reclamo.  Parece óbvio.  Parece fado a cumprir ...
Estou ... apenas estou.  Viva, porque respiro, eu sei.  Não muito mais !
Acho que me assemelho a uma folha tombada daquela árvore nua.  Vejo-a, castanha, seca, encarquilhada, jogada no chão pela aragem desabrida que corre lá fora.  Uma folha sem nenhuma importância, uma folha em que ninguém repara, uma folha calcável a qualquer momento.  Uma folha que rola da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, sem relevância, sem lógica ou sentido. 
Aleatória, acidental, mera partícula largada no tempo indiferente ... quase invisível ... transparente ...
Uma folha sem história !

Estou na gare de uma estação vazia.  O comboio dobrou a curva ao fundo.  E eu apenas espero um outro que venha, quando vier.  Espero.  Porque atingi o meu tempo de esperar.  O tempo de fazer, já foi.  O de viver, também.
Bagagem não levo.  Nada me fará falta.  Os sonhos ficaram.  Gastos, é verdade.  Mas ficaram.
As emoções também.  Afinal, eu sinto-me aquela folha castanha, encarquilhada e seca jogada no chão pelo destino.  Não esqueçam que até as folhas castanhas, encarquilhadas e secas terão um destino a cumprir, acredito, apesar de não parecer ...
E o destino, a gente não discute.  Com o destino a gente não briga mais, porque sê-lo-ia irrelevante, e de nada serviria.
Estou cansada.  Demasiado cansada.  Pareço ter chegado duma longa jornada, tumultuosa, errónea e  inútil.  E o amorfismo que sinto bem presente nas minhas veias, imobiliza-me na estrada, como se só devesse esperar.  Pareço viver um tempo sem tempo, nebuloso ... um tempo parado no meio dos parêntesis da vida, nada mais !...

Anamar

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

" IN MEMORIAM "

 



Hoje o meu irmão faria 87 anos.
E digo faria, porque há quatro dias atrás, resolveu planear o evento de outra forma.  Resolveu que já não era entre nós, neste plano terreno que comemoraria essa efeméride.  E foi embora !
Amanhã a esta hora já terá cumprido o desígnio "tu és pó, e ao pó voltarás" ...

Faz hoje exactamente um ano que o vi pela última vez ...  Depois, veio a Covid e podou os sonhos, a exteriorização dos afectos ... os abraços e os beijos ...
Há um ano, naquela exígua salinha de estar, o Vítor recebeu os presentinhos, os chocolates 
( guloso que só ele ) e os Fofos de Belas, expoente máximo de todas as visitas.  Despedimo-nos, pois era a hora do lanche de todos, e a sala de jantar, pronta, não esperava por retardatários ...
Penso que o levei para lá, na cadeira de rodas, sua forma de locomoção, entreguei a caixa dos bolos à auxiliar para que os guardasse para posterior consumo, beijei-o, disse-lhe adeus, fui-o acompanhando com o olhar enquanto me afastava ...
Nos últimos anos, à medida que envelhecia, o Vítor ficara piegas na separação.  A voz entaramelava-se-lhe, uma ou outra lágrima traía-o, quando mandava beijinhos para as sobrinhas  ou  mesmo  para  os sobrinhos-netos  que  nunca  vira,  mas  cuja  existência  conhecia ... 
Assim como se, apesar da ausência e do distanciamento ... aquela sua família nunca pudesse ser renegada !...

Já aqui falei algumas vezes sobre este meu único irmão, que a vida não chegou sequer a apresentar-me à nascença.
De facto, doze dias antes de eu nascer, o Vítor então com dezassete anos apenas, era institucionalizado numa casa de saúde para doentes mentais, onde viveu até há quatro dias atrás.
Culminando  um processo desgastante e irreversível de busca de solução para uma situação de esquizofrenia desenvolvida na puberdade, com contornos graves e ameaçadores para a minha mãe com quem vivia em permanência, visto que o nosso pai, viajante de profissão de uma firma de ferragens de que era sócio gerente, raramente estava, o seu internamento foi a única solução viável.

O Vítor, nasceu e perdeu a mãe aos dois anos de idade.  Viveu então de boas vontades em casa de familiares mais ou menos próximos.  O pai mourejava pela sobrevivência familiar, pois era simultaneamente amparo dos próprios pais e de mais quatro irmãos.  Isto, no Alentejo profundo  em pleno período da Segunda Guerra Mundial .
Cresceu, como pôde e como foi sendo possível. Estudou até ao actual oitavo ano, e era um jovem normal, sem demonstrar problemas acrescidos.  Praticava hóquei, natação, era um aluno aplicado.
Mas a mudança de idade recrudesceu uma possível patologia genética do lado materno ( o avô materno havia inclusive cometido suicídio, e a própria mãe apresentara também sinais depressivos ).
Foi diagnosticada uma esquizofrenia, como referi, e apesar do nosso pai ter procurado os melhores especialistas da época, o problema do Vítor não minorou.
Camisas de forças, electro-choques e toda uma carga medicamentosa ... a tudo foi sujeito.
Entretanto o meu pai casara pela segunda vez com a minha mãe que engravidara de mim.
Ameaças de morte, atitudes de hostilidade e descontrole, fugas por cima dos telhados das casas baixinhas da aldeia onde viviam, desaparecimento por vários dias, tudo foi vivenciado pela "madrinha" (era assim que lhe chamava),  em fim de gestação.
Como disse, o Vítor deu entrada na Instituição que o acolheu, doze dias antes de eu nascer.

Vivíamos entretanto em Évora.  Anos mais tarde viemos para perto de Lisboa, o que viabilizou e facilitou uma proximidade maior com o meu irmão.
Lembro as visitas, na camioneta do Eduardo Jorge que iam para Montelavar, aos sábados às catorze e trinta.  Lembro a caixa de meia dúzia de bolos que o meu pai escolhia sacramentalmente, para levarmos para o Telhal.
E aí íamos nós, os três.  
A minha mãe sempre chorava ao vê-lo, pois tinha-lhe carinho de filho.  O meu pai era o "durão" impenetrável, que hoje suspeito, sofreria horrores por dentro, mas nunca o demonstrava por fora ... Eu ... bom, p'ra mim era difícil, era fastidioso, era desconfortável ...
Era um afecto de alguma forma institucionalmente imposto, apenas.  Era um irmão de sangue, não era um irmão de criação.  E aquelas  visitas  a  um  lugar  de  loucos  eram  penosas,  confusas, deprimentes, para  uma  criança  primeiro ... depois  para  uma  adolescente !

No Telhal a doença estabilizou. O Vítor manteve ao longo dos anos, uma idade mental de sete, oito anos.  Adaptou-se e assimilou o meio, os padrões, a vida, que passou a ser a sua.
Lá, num outro episódio infeliz, cegou completamente, quando um dos empregados detentor daqueles molhos de chaves com que se franqueiam as portas, fechadas de imediato nestes estabelecimentos, lhe bateu, para acordá-lo, no olho que ainda detinha alguma visão ( o outro fora operado a cataratas anos antes, tendo a operação corrido muito mal ) .
Mas também a isso o Vítor se adaptou.  Usava uma pequena varinha de invisual e percorria todo o espaço sem nenhuma dificuldade.
Limpava a loiça nas cozinhas, contava parafusos e desempenhava outras pequenas tarefas na serração. Quando ainda via alguma coisa, ajudava no refeitório a descascar batatas.
Era humilde, não conflituava, era paciente e respeitador ... fez amigos !

Hoje, o Vítor foi embora.
Penso que estava cansado da vida que detinha.  Passava os dias numa cadeira de rodas, e escutava apenas na televisão, as notícias que passavam.
Tinha fraldas e estava totalmente dependente.  Os relatos desportivos do seu Sporting, também já pouco o motivavam ...
A Covid terá acabado com o resto.  A solidão confinou-o mais, às quatro paredes do pavilhão geriátrico que ocupava.  As visitas foram canceladas por precaução,  
Não sei descodificar o que passaria naquele cérebro doente ... Caíam-lhe as lágrimas quando o beijava ... 
Adoeceu esta terça-feira ... Não me deixou voltar a vê-lo !  Até isso me foi vedado !
Talvez a esta hora já festeje o seu aniversário no encontro com todos os que o esperavam ... Talvez tenha apenas aberto caminho aos que lhe seguirão ...

Vítor, desta vez os Fofos de Belas, obrigatórios quando te visitava, serão apenas memória daquele que tu foste ... para sempre !!!



Anamar

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

" CANSAÇO "

 


Lido  cada  vez  pior  com  a  perda ... perda  de  pessoas,  perda  de  afectos, de  rotinas ... de Vida !

A Covid 19 encarregou-se de nos pôr à prova nessa área, testando assim o nosso grau de resistência.  
De facto, uma das maiores dificuldades com que o ser humano se tem debatido e que lhe deixa e deixará sequelas ainda não contabilizáveis, é a supressão dos afectos nas nossas vidas.  A ausência da proximidade, a impossibilidade do abraço, do beijo ou simplesmente do "toque", têm-nos amputado tão violentamente, que parecemos órfãos de nós mesmos ...
Assim, a solidão, a sensação de desamparo, o ensimesmamento cada vez maior, a desesperança e um cansaço acrescido - que acabam se reflectindo no nosso "eu" global - vão-nos  minando, fragilizando, depauperando ... adoecendo !

A pandemia não amaina. Bem ao contrário, como uma onda alterosa e devastadora, avança sobre o areal, qual tsunami que não deixa escapatória.
Eu, dia após dia me sinto mais e mais, sitiada.  Dia após dia sinto, em crescendo, a fobia de um cerco ameaçador ao qual ( e tenho a sensação de apenas ser uma questão de tempo ) não conseguirei escapar, independentemente do cuidado, da responsabilidade, da estrita obediência ao cumprimento da prudência ...
Sinto-me acuada, acossada ... assustada de novo.  Talvez mais ... outra vez !
O cerco é de todos os lados, e se não for daqui, é dali ... É quase impossível evitá-lo !
Sinto em mim, o medo que eu imagino deva sentir o antílope solitário, na savana africana.  A luta desigual contra um inimigo que por vezes não vê, apenas pressente, mas sabe estar lá ... por ali, de tocaia, à espera do momento de "dar o bote"...
Sinto-me entrincheirada, debaixo de fogo, sem poder sequer olhar além dos limites da caverna onde me acoito ...
E fugir?  Para onde?  Não há para onde !...
E o cansaço é galopante.  As panaceias com que tentávamos mentalizar-nos no início da epidemia, já não são eficazes.  Já não surtem efeito.
As auto-ajudas com que preenchíamos os nossos dias, fosse por ocupação imposta por nós mesmos ( escrita, desenho, tarefas caseiras a que começámos a achar imensa piada ) ... jardinar, plantar, ouvir música e dançar mesmo sozinhos ... fosse por comunicação virtual quase permanente com os amigos, família, conhecidos, fosse por iniciativas sociais como quando se cantava à janela em comunhão com os vizinhos ... ou outras ... hoje cansam-nos, já pouco nos motivam, de pouca paciência para elas, já dispomos ...
Há simultaneamente um desinteresse e uma astenia, um desinvestimento, uma indiferença sobre tudo o que nos rodeia e um efeito narcotizante que retira a vontade de qualquer movimento. É como se estivéssemos sob o efeito de drogas entorpecentes, resultado único de cansaço acima do suportável !

Acredito que os que estão nas linhas da frente, em termos sanitários, políticos, sociais, familiares, estejam esgotados. Está-lo-ão seguramente.  Mas têm que reagir, agir, decidir, escolher, determinar, andar ... Andar sempre adiante. 
Como em todas as situações limite, esses, não têm nem tempo de pensar a propósito.  Têm apenas que continuar, até que as forças lho permitam.  Porque têm !!!...
Esgotam-se fisicamente, até à exaustão, mas talvez não tenham hipótese de alimentar ou sequer percepcionar outro tipo de emoções ou sentimentos.  Menos ainda dúvidas ou angústias existenciais ...
Não há sequer lugar para o medo ... não há sequer lugar p'ra desistências ... não há sequer lugar p'ra deserções ... É tempo de agir , custe o que custar ... até cair para o lado ...
São gente ... mas até parecem deuses !!!...

Os que, numa faixa etária da vida vivenciam outra realidade distinta, confinados até ao limite dadas as circunstâncias, com uma expectativa existencial bem mais limitada já, com um horizonte à sua frente sem grande amplidão ou promessa, passam vinte e quatro sobre vinte e quatro horas embrulhados exclusivamente na sua realidade e em todo o teatro de horrores que a comunicação social se encarrega de lhes impingir ... pouco saudavelmente, por cada vez que olham o écran televisivo.
Como esponjas, "bebem" tudo o que lhes chega, e como não convivem, não interagem, não dialogam ... não dividem, não partilham toda a carga negativa que os sucumbe ... adoecem !

Dou por mim a ficar MUITO contente, só porque por acaso desço numa altura em que a porteira lava a entrada do prédio ... Dou por mim a estabelecer um verdadeiro diálogo com a caixa do Continente que me faz a conta, e que sempre achei bem antipática ... Quiçá com a freguesa atrás de mim, na fila ... que não conheço de lado nenhum ... Enfim ... devo estar a enlouquecer aos poucos !!!

Hoje, outro conhecido / amigo de muitos anos das tertúlias do pequeno almoço, nos tempos em que este era tomado religiosamente no café de sempre, numa rotina que achávamos na altura, entediante, desinteressante quase dispensável ... mas que  nos fazia sentir vivos, apesar dos atropelos da vida de que sempre tínhamos que nos queixar ... partiu, foi embora, bateu a porta ... cansou ...
O Rui, o Pedro, a D.Helena que me acenava da janela do prédio da frente ... outros dos quais deixei de ter notícias e outros, dos quais as tive fora de hora ... foram seguindo caminho, tomando rumo, talvez só adiantando-se ao previsto ... Conhecidos, vizinhos, figuras públicas ... rostos que foram compondo a nossa geração ...
Não falo de medos, de angústias ou de dúvidas e ansiedades com os meus ... Para quê ?  
Não falo de morte, embora ela vagueie por todo o lado.  Embora ela povoe os meus dias e assombre as minhas noites ... Tenho medo de falar.  Quem sabe ela me escuta ?! Mas todos a sabemos e a sentimos.  O "cerco" aperta, estrangula.
Há muito que não se diz, só se sente ... Os olhos que sobram das máscaras, mostram-no, claramente. 
Os números que vão queimando a terra à nossa volta, aumentam assustadoramente, diabolicamente ... 
O dia conhecido é tão só o hoje.  O amanhã é uma entidade quase desconhecida.  No amanhã podemos não estar sequer aqui.  É assim com tantos ... 

A gente pode ter que seguir sem ter tempo de recolher a roupa do estendal.  Sem ter arrumado as cartas, os livros, as fotos, os bilhetinhos dos baús.  Sem ter decidido dos animais, antes das luzes se apagarem.  Sem ter emoldurado os sonhos no lugar mais digno da casa ... sem ter dito um até breve aos que ficam por aqui ... 
Pode ...
Vá-se lá saber !!!  
Saber, eu só sei que estou cansada.  Demasiado cansada !

Anamar

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

" O MELHOR PRESENTE DE NATAL "


Estamos a dois dias do Natal.

Estamos a dois dias de qualquer coisa que neste particular ano 2020, não identificamos muito bem, nos soa a falso e até a contrafacção ! 😌😌
Vivemos, nesta rectinha final, sinais de angústia, de preocupação, de apreensão, de incertezas e receios.
Desejamos e não desejamos que esta época se esfume rapidamente, neste agridoce de um desconhecido que nos assusta, nos incomoda mais do que nos alegra ou preenche.  Desejamos que chegue e passe logo ... e tememos a "factura" a ter de pagar-se em termos do descontrole, obviamente expectável, da progressão da pandemia da Covid19, numa sociedade que abriu um parêntesis, p'ra não dizer que escancarou portões, nas regras de prevenção, nas restrições existentes, nas permissividades sociais aligeiradas.
Todos demasiado cansados, todos demasiado saturados, famílias e famílias feridas de morte, em mortes inesperadas e inaceitáveis ... dores latentes e jamais arquiváveis por partidas não assimiladas, não vivenciadas na realidade, em lutos incumpridos, por despedidas nunca consumadas ... têm-nos deixado numa debilidade emocional além de física, sem tamanho.  Têm-nos reduzido à fragilidade mais incontrolável e insanável que alguma vez sequer, pudemos  equacionar  nas  nossas  vidas  ter  que  vir  a  experimentar  um  dia !

Entretanto, o Natal, um período emocionalmente propício ao exacerbar das emoções, em que valores como os afectos, as saudades, a distância, a ausência, a solidão e o abandono, abrem o sangramento de feridas  crónicas  que  temos  contido a duras penas, dia após dia, mês após mês ... há demasiado tempo já, está aí, p'ra ser vivido, atravessado, resistido !
A capacidade resiliente individual, está presa por arames.
Cada dia é um teste  dessa mesma resistência.  Cada dia é uma prova de fogo sobre a capacidade do equilíbrio mental e psicológico de cada um de nós.  Cada dia é mais um exercício de testagem sobre até onde e quando, conseguiremos chegar minimamente incólumes ...
As famílias vão fingir encontrar-se numa cumplicidade emocional e afectiva, de distanciamentos sociais necessários e impostos.  Os olhos vão sorrir, chorar ou apenas olhar-se, atrás da máscara que não poderá ser esquecida.
O abraço não se dá.  Aquela vontade imperiosa e carente por um tão grande afastamento do toque, da pele, do sangue, num processo violento e contranatura, aperta-nos o coração e dilacera-nos a alma.
Olhamo-nos, talvez ... mas acredito ser de tristeza o sorriso tímido que os olhos denunciam, e a voz embargada desvenda ...
Precisamos mais de um carinho explícito do que de um bom prato de bacalhau.  Precisamos mais de um afago real, do que de uma taça bem recheada do nosso doce predilecto.  Precisamos mais de um colo disponível do que daquela taça de bom vinho tentando aquecer-nos a alma ...
Precisamos ...

E há luzes na mesma.  E há árvores e adornos que a duras penas saíram dos armários.
Porque a vontade é pouca.
Mas temos, apesar de tudo, um compromisso com a vida : a obrigação de a homenagear, de agradecê-la e de a preservarmos.
Estamos vivos.  E tantos, sem provavelmente o terem considerado, já não estão !
Rimos, choramos, sentimo-nos perdidos, cansados mais hoje que ontem ... mas com corações que batem, em uníssono ... com braços que se estreitam sem que ninguém o saiba, com bocas que se tocam apesar da distância, com a força do sonho a levar-nos para onde quisermos ir ... ainda que sem sairmos daqui !
E isso tudo é que vale !  E será isso tudo que terá que levar-nos adiante, num rumo certo, num caminho seguro, num trilho de esperança !

Ontem, a Teresa, nos seus três anos e meio, estreitou-me com a sua força de quase bebé ainda, encostou a cabeça no meu peito, enlaçou-me nos bracitos pequenos e frágeis que ainda não me contornam, e olhando-me docemente, beijou-me muitas vezes enquanto dizia com a expressão da paz e da tranquilidade que nos garante um porto seguro : "Avó, é tão bom estar aqui !  É a melhor coisa do mundo !"

E este, foi o melhor presente, do melhor Natal que já tive !...

Cuidem-se !  Feliz Natal !

Anamar

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

" ILUSÕES ... "


Não sei porquê, ou talvez o pressinta ...

Há séculos que não escrevo, como se nada em mim levedasse e produzisse alguma coisa nova e justificável, nestes dias de pouco valer a pena, em tempos que o são sem o serem ...

Sinto-me como em banho-maria naquela mornidão de fogo lento que parece esperar infinitamente que algum dia, em alguma hora se chegue a um qualquer ansiado bom termo.
Baralho-me no tempo ... Digo "este ano", e tenho que pausar p'ra perceber que ano é este que refiro ...
Dezembro assoma.  Assoma incrivelmente, anunciando-se como o último mês deste purgatório temporal que nos tem enredemoinhado, como numa avalanche de enxurrada que não conhece leito ou margens ...
Avassaladoramente arrasta-nos, de onde para onde ?  Não sei !...

E talvez por tudo isto ou não ... e talvez porque me urge encontrar outra vez referências, terra firme, troncos fortes que me suportassem, rochas que me dessem ancoradouro, luz faroleira que me mostrasse estrada de novo, caminho que me apontasse porto seguro, horizonte que se alcançasse, nesta torrente de coração que se esfacela dia após dia ... deu-me p'ra visualizar vídeos do antigamente ... Vídeos de vinte anos ou mais.  Registos de momentos, de acontecimentos, de histórias ... de vida !
Vídeos que me trazem o que foi, como foi, como éramos, como ríamos ou chorávamos ... como sonhávamos, como acreditávamos que tudo viria a ser seguramente, como o destino parecia desenhar as nossas histórias ...
Eventos familiares, festas de aniversário, datas assinaláveis, Natais, férias, viagens ... crianças que iam crescendo e que hoje são pais de outras crianças ...
Os que foram e nos deixaram por aqui, aguardando vez ... simplesmente...
A compreensão absoluta do que é a existência, do que é o fluxo imparável do tempo ... a efemeridade do sermos ...

E é uma busca estranha, aquela que me faz disparar o coração, por cada imagem que se projecta no visor.  E é um misto de alegria, ansiedade e esperança aquilo que insanamente me toma ... com aquele frisson doce, que sentimos quando caminhamos para um encontro querido e desejado ...
É como se fosse ali à esquina, ter com a minha mãe que anda por lá e me espera ...
É como se dançasse outra vez aquela música.  Como se risse de novo com aquelas palavras adivinhadas e sabidas, como se soubesse de cor tudo o que se vai passar a seguir, no próximo "take" do filme ...
como se ninguém fosse faltar ao encontro ... como se todos, todos pudessem ter respondido à chamada ... e dissessem presente, uma outra vez ...

E depois ... bom, depois é o nada.  É o frio do vazio que sobra, é a interrupção da história a contar-se, é a saída de cena de todos os figurantes que construíam o enredo, é a procura frustrada de mim por mim própria, sem as marcas dos dias e da vida entretanto escorrente ... é o acender das luzes na sala e o pano a fechar ...

Como se eu o não soubesse, como se eu não estivesse farta de saber que aquela frinchazinha da porta por onde espreitei por algum tempo, não era mais do que isso mesmo apenas ... a impossibilidade sadicamente enganadora de reencontrar o TEMPO !

Anamar

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

"COMO PREITO DE GRATIDÃO"




" Os amigos não morrem : andam por aí, entram por nós dentro quando menos se espera e então tudo muda ; desarrumam o passado, desarrumam o presente, instalam-se com um sorriso num canto nosso e é como se nunca tivessem partido.  É  como, não ;  nunca partiram. "

                                                       António Lobo Antunes


Os anos avançam e nós começamos a perceber ter história.  
Uma história que vem lá detrás, dos anos da gaiatice, do tempo dos primeiros amores, encavalitados nos primeiros sonhos.  Tempos dos primeiros segredos, quando o cordão umbilical começa a afrouxar ... quando a casa fica acanhada e as nossas asas batem em direcção ao azul ... mais largo e distante que o horizonte onde o sol se põe ...

E começamos a escolhê-los, cuidadosamente ... a eles, aos amigos, como ramos de boninas que colocássemos numa jarra à cabeceira.  E com eles, pisando o mesmo chão pedregoso, começamos a calcorrear as veredas da vida, começamos a atravessar os primeiros desertos assustadores e a enfrentar as primeiras marés alterosas.
Com eles começamos a dividir as primeiras lágrimas, porque as primeiras valentes gargalhadas sempre se soltaram espontâneas, aconchegando-nos as almas.
Eram eles que falavam a nossa língua, eram eles que experimentavam emoções iguais às nossas, eram eles que conseguiam fazer-nos voltar a sorrir, quando o negrume parecia engolir-nos ...
Horas infinitas de cumplicidades, mais horas ainda de partilhas incondicionais, de entrega confiante dos  nossos corações, no regaço dos seus !

E crescemos, e seguimos, e fizemo-nos gente.
Às vezes, alguns saem da nossa rota.  Parecem ter-se perdido de nós, mesmo que de mãos em pala, os busquemos na linha do infinito.  E às vezes, ainda que o tempo sempre carrasco, ouse pensar que no-los leva para sempre, numa esquina inesperada e insuspeita, eles aí estão, respondendo ao nosso longínquo chamado ...

Vieram-nos dos bancos da escola, dos recreios das merendas, dos muros divididos ... vieram-nos das músicas que não se esquecem.  Vieram-nos da alegria dos sucessos ou da dor dos fracassos.
Estenderam-nos a mão e reergueram-nos outra vez, quando as provações teimavam em deixar-nos tombados. Tantas vezes quantas as necessárias ... Sempre !...
E choram connosco, afagam-nos o rosto, envolvem-nos num abraço quente, sentam-nos no cólo ... e se for o caso, silenciam connosco ... porque não são necessárias palavras, quando o código dos afectos nos redime das mágoas e das tristezas.  
Resgatam-nos da cerração, se perdidos nos sentimos ... e fazem-nos olhar o amanhã com a gratificação de uma esperança remoçada, de um sorriso claro e confiante ... de um sonho redesenhado !...

São eles, os AMIGOS !!!

Por tudo isto, este meu texto é um texto de gratidão.  Desde logo, gratidão à vida, por estar viva.  Gratidão aos meus de sangue, porque ele nos une indestrutivelmente.  
Gratidão aos amigos e aos amores, porque se fizeram presentes uma outra vez, incondicionalmente, em mais um 12 de Novembro !
Um 12 de Novembro seguramente único e inesquecível na minha vida ... o 12 de Novembro do particular e incontornável ano 2020 !  
O 12  de Novembro que, por várias razões, eu planeara festejar ... ( logo eu, sempre avessa a aniversariar !... 😕😕😕

Desta forma quero expressar a TODOS os que ontem estiveram comigo nas palavras, nos gestos, no riso, no carinho, no abraço sentido ( intentado mas apenas virtual ), no beijo solto na brisa que perpassava ( no que foi um glorioso dia solarengo, de um Outono doce ) ... ou até mesmo com uma carinhosa "cotovelada", como um amigo me enviou ... quero expressar, dizia, o meu mais sentido e afectuoso OBRIGADA !!!

Bem hajam, queridos amigos !!!  O que seria de mim sem vocês ???!!!...

Anamar

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

" DESTINO ... "







" O  HOMEM  DOS  OLHOS  LINDOS "

O homem dos olhos lindos
é lindo por dentro e fora
porque não há fora sem dentro
e não há dentro sem fora ...
O homem dos olhos lindos
tem doçura no olhar
tem um coração imenso
tão profundo quanto o mar ...
Tão imenso quanto o céu
sem horizonte a fechar ...
pois não há dentro sem fora
nem fora sem adentrar ...
O homem dos olhos lindos
é uma criança a sorrir ...
Tem ternura no olhar
e um coração a partir
com vontade de ficar ...
Tem uma alma gigante
e uns braços de albergar
os amigos e os amores ,
os afectos e o sonhar
Um ninho dentro do peito
que é berço-maré de jeito,
sempre embala em qualquer hora ...
É lindo por fora e dentro ...
Pois não há fora sem dentro
e não há dentro sem fora !...


E o Pedro partiu ...

O Pedro, a quem dediquei este escrito em Março de 2017, era, como na dedicatória lhe disse, "amigão de tertúlias vadias" !
Era Março do ano em que, menos de dois meses depois, eu publicaria o meu único livro ... de poesia.  Comigo, desde a primeira hora, estiveram o Pedro e a Lena, num trio apostado na entreajuda, na dialéctica, na partilha de ideias, no incentivo, no entusiasmo e na aposta, e que foi vital para o não esmorecimento ou desistência que, de quando em vez me assaltavam ...
A sua alegria era a minha alegria, a sua confiança era a minha confiança !
Conversámos muito, rimos muito, cumpliciámos também, entre meio a algumas confidencialidades trocadas.
O " Leão da Gago Coutinho"  ( a rua onde nascera e vivera desde sempre, aqui na cidade da Amadora ) torcia pelo seu Sporting até debaixo de água !
Era um desportista nato.  Foi um praticante de várias modalidades, e um orientador de camadas jovens.  Foi seguramente um apaixonado pela vida, que viveu intensamente, numa espiral de emoções e de experiências, nas múltiplas histórias que "escreveu" ...

Agora, o Pedro cansou.  Cansou desta vida que na verdade não era mais vida.  Cansou de uma realidade da qual já se excluíra faz tempo.  Cansou do cinzentismo de dias que o jogaram entre quatro paredes, na solidão mais absoluta e no silêncio mais devastador.  A sua realidade nada já tinha  que ver com a realidade que o confrontava no mundo cá fora !

A sua mente apagou-se.  O seu caminho tornou-se num túnel sem saída  e sem luz... a sua estrada, numa estrada sem rumo ou escapatória. O destino traçado, demasiado duro e pedregoso !

O Pedro não quis mais !

E foi embora, de mansinho, sorrateiramente, sem avisos ou sinais ...
Ou não lhos souberam ler ... não sei !

Estará noutra dimensão, olhando de lá a pequenez do ser humano que lhe negou um espaço de vida e de afecto, um espaço de amor, de conforto e de carinho ! Um espaço na família que o ignorou e não teve capacidade para o acolher, sobretudo quando a demência que o tomou, lhe retirou todas as capacidades de autonomia e defesa.
O Pedro morreu só e anónimo, como sós e anónimos foram os últimos tempos da sua conturbada existência !

Que possa agora ter paz !!!

Anamar

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

" PORQUE É DIA DE FESTEJAR ... "

 


O Kiko faz hoje anos.  13 ... ele que parece ter nascido ontem !
Já foi o benjamim da  família, quando se pensava que o iria ser para sempre.  Aí, surgiu a prima, a Teresa agora com três anos, que na altura não estava verdadeiramente programada.
É o terceiro de uma "escadinha" de três, espaçados também de três anos e é também o mais "meloso" dos irmãos !
É ele que me espera na porta, é ele que me dá daqueles abracinhos de encher a alma, ou que me diz "olá avó", quando a mãe me fala do carro e mais ninguém dá um "ai" do outro lado ...

Já contei algumas vezes, em anos transactos, quanto o auto-denominado  Kiko ( ele, que sendo Frederico de nome, sugeria vir a ser p'ra todo o sempre, Fred ), tem sido um puto quase autónomo desde que nasceu.  Sempre a rir, sempre descontraído e bem disposto, não é uma criança de stresses, angústias ou preocupações.
É, como já lhe chamei, verdadeiramente um "menino light ", fácil de criar, um facilitador das relações, extrovertido e amado por todos.  Desde os adultos, aos miúdos da sua faixa etária, o Kiko semeou um verdadeiro clube de fãs, no colégio, no desporto ou nas relações sociais.
Desde sempre de bem com a vida, tudo se simplifica na sua óptica.  Ele não pára, ele inventa, ele resolve, ele sempre faz parte da solução e nunca do problema.

Inaugurou a senda dos "teen" ... e isso poderia conferir-lhe um estatuto de maior seriedade e circunspeção ... 😄😄 Isso pensamos nós, porque o Kiko com a sua bonomia de encarar o mundo, por nada nesta vida fecha o sorriso que sempre lhe emoldura o rosto, ou apaga a luz dos seus dias que sempre são uma festa  !!!

Embora longe, estou junto de ti em coração, Kiko,  e auguro-te um dia supimpa, cheio de boa disposição, brincadeiras  e muita alegria, esperando que a vida, que muitas vezes é mais madrasta que mãe, te poupe e te providencie uma estrada atapetada e mansa, por onde persigas os teus sonhos e aspirações e possas alcançar a sua realização !!

PARABÉNS  meu amor !!!

Anamar

domingo, 16 de agosto de 2020

" SENSAÇÕES, EMOÇÕES E REFLEXÕES ... "


 

Estive frente ao mar.  Aquele mar imenso, limite da costa ocidental da Europa, aquela imensidão de água que vai e que vem, numa melopeia dormente e doce, que nos lembra que adiante, sempre adiante, algures muito muito longe, tropeçaríamos num novo continente ... do outro lado ... a América !
O Atlântico com toda a sua magnificente autoridade, banha, beija ou açoita as rochas imemorialmente esquecidas nas areias sonolentas ... Nós, que vivemos paredes meias com ele e dividimos a nossa vida a cada esquina, com aquele misterioso e infindável azul !...

As falésias da Aguda são para mim, por todas as razões, quase um local de culto !
De meditação, de introspecção e reflexão ... são-no seguramente, há demasiado tempo na minha vida. 
Há um promontório erguido, desenhando uma costa recortada estendido desde o Cabo da Roca em direcção a norte, tendo aos seus pés, algumas das mais belas praias portuguesas - as praias sintrenses da Ursa, a Adraga, a Grande, a Pequena, as Maçãs, a Aguda, o Magoito, a Samarra, dando continuidade às praias ditas do Oeste.
Frente ao Santuário do Sol e da Lua que encabeça o areal das Maçãs,  a encosta norte da Aguda trepa em direcção aos céus e queda-se na interioridade e no intimismo dos silêncios, onde só o marulhar cá em baixo, o sopro ora ameno ora agreste da brisa ou da ventania, ou o grasnido largado pelas gaivotas e outras aves marinhas que se espraiam nos céus ... se atrevem  a deixar-se escutar !
O resto é aquela ausência de ruído.  O resto é aquela paz que se contagia.  O resto é a presença clara da imortalidade, reinante !
Os zimbros, o cravo romano, as camarinhas, o canavial, os carrasquinhos e toda a vegetação endémica desta orla marítima trepa com ela, bravia e indomada, ornando-se de flores no auge da primavera, ou amodorrando quando o sol impiedoso do Verão e o vento das arribas, assim o determina !

A espiritualidade que se sente, se respira e nos invade o peito, que nos toma conta das veias e nos sobe ao coração, coloca-nos a nu perante os desígnios da existência, perante a justificação do ser, perante o princípio e o fim ... perante a vida e a morte ...
Despoja-nos e desarma-nos face à pequenez das coisas terrenas, face às razões que nos impulsionam por cada dia de vida, face à real importância do que nos move, nos toca e nos motiva ... face ao que nos indiferentiza, face ao capaz de nos acelerar o coração ... face ao que nos sufoca em cada minuto, ao capaz de nos envolver e mobilizar ... ao que nos abre os olhos e ao que nos cega a alma !... 
Remete-nos para a aleatoriedade do viver, para a puerilidade das urgências do ser humano, para o tudo e para o nada ... para o efémero da nossa passagem por aqui, nós que somos não mais que um grão de poeira neste Universo onde chegámos, onde estamos apenas de passagem, onde nunca nos perguntaram nem perguntarão o porquê de termos vindo ... qual o momento de partirmos ...
Neste lugar esquecido de um planeta ... afinal apenas um "pálido ponto azul" perdido no Cosmos, empoleirado num raio de sol ...

Nas arribas da Aguda, deitei os meus pais em repouso, na sombra de uma camarinha  protectora, junto àquele pórtico rochoso que me simboliza o antes e o depois ... que me desvenda a eternidade ... que me fala da passagem ...
frente àquele mar sem horizontes, sem princípio ou fim, sem limites que o detenham, onde cada onda jamais se repete, onde cada momento é único  e singular ... onde o céu parece tocar as águas profundas bem longe, lá ... onde o sol adormece, por cada dia que finda ... 
Aquele mar que é berço de embalo, e que pelas eras jamais silenciará a sua canção de "ninar" !...

Ali  estarei eu também, um dia ... quando tiver que ser !...

Anamar

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

" HOJE É DIA "...

 



NÃO  PODIA  DEIXAR  DE  VOS  DIZER ...


Já escrevi um livro, já plantei uma árvore ... já fiz um filho !...

Posso então morrer - diz a frase sábia !

Há 47 anos, num 13 de Agosto ensolarado e quente, pus uma filha no mundo.

28 anos depois, num 13 de Agosto igualmente ensolarado e quente, ela pôs um filho no mundo.  Ou seja, há 19 anos, eu tornei-me mãe duas vezes !

Quando alguém nasce de nós, fica-nos assim no peito, um misto de sentimentos e emoções, que não entendemos direito, que não sabemos direito, que nem imaginamos sequer ...

Quando uma extensão de nós desponta, é um deslumbramento ímpar que nos adoça a alma, como um milagre a operar-se nos nossos braços ...   É um enlevo que nem acreditamos merecido.                                Mas é também um susto e uma ânsia, porque sabemos que nunca as nossas asas serão suficientemente grandes, para lhe dar a protecção, o amparo e o ninho, que a vida tantas vezes experimentará roubar-lhe ...

Quando alguém nos procede, é a reinvenção de nós mesmos, que a existência nos deita no cólo.  É o garante de estrada continuada.  E sempre esperamos que ela seja mais luminosa, generosa e feliz, que a nossa própria ...  São os nossos valores, as nossas convicções, aquilo em que acreditamos e por que lutámos, que caminham ... que queremos passar adiante !...Mas são também os nossos sonhos, as nossas esperanças e as nossas apostas, reeditados nesse filho ...

Por isso hoje, noutro 13 de Agosto ainda ensolarado e quente, eu deixo aqui o meu beijo do tamanho do mundo, à Cláudia e ao António, grata que sou, por eles serem quem são, na minha vida !...

PARABÉNS  Cláudia !!!   PARABÉNS António !!!




As mais recentes que consegui !  ( cerca de um ano atrás )

Anamar

domingo, 9 de agosto de 2020

" QUANDO O SONO NÃO NOS ACOLHE ..."

 

Pouco passa das 6 horas de mais uma madrugada de domingo, de um Agosto quente e pardacento.

Desde as quatro que rebolo na cama, desde as quatro que vagueio pelo Google em busca de informação.  Talvez compreenda melhor agora, quem, perante uma situação concreta, uma dúvida ou muitas dúvidas importantes, angústias instaladas, busca de respostas para miríades de perguntas que nos assaltam, tenta, com os meios de que felizmente dispomos, obter explicações, informações ... orientações objectivas que possam trazer tranquilidade ao espírito, algum sossego ao coração.

Lá fora começa a clarear. Não é bem azul, não é bem laranja, não é bem neblina, a faixa que se desenha lá ao fundo, para os lados de Sintra ... para os lados do mar ... tão longe daqui !  O sol ainda não acordou !...

Sempre condenei quem procura caminhos ou soluções nos artigos avulsos, descontextualizados, que proliferam naquele poço sem fundo que é a internet.  Sempre me insurgi e entendi ser absurdo, disparatado e asnático fazê-lo.  E é-o de facto, primordialmente se se buscam esclarecimentos, caminhos, respostas, soluções para problemas relacionados com a nossa saúde, leigos que somos no que a ela concerne.   E ainda que não sejamos iletrados ou totalmente desconhecedores até mesmo de alguma linguagem e terminologia científica ... não queira "o sapateiro tocar rabecão!"...

A paz não nos chega por ali.  O coração não se aquieta por lá.  A cabeça não pára, nem o sufoco nos afoga menos depois disso !

A pequenez humana, a desprotecção, a vulnerabilidade em que nos sentimos largados ( quando objectivamente consciencializamos que a única coisa que realmente importa é a saúde, nossa e dos nossos ), tornam-se claras, e reduzem a poeira insignificante todos os tormentos existenciais, todos os "imensos" problemas de ordem prática "insuperáveis", "insanáveis" e "inultrapassáveis" que nos massacravam, todas as dúvidas sem cujas respostas não sabíamos aparentemente viver, todos os medos e fantasmas imaginários que nos assaltavam e todas as insatisfações "dramáticas" que nos consumiam ... Tudo isso fica, de facto, incrivelmente ridículo !

E tudo isso parece ficar infinitamente pequeno, face ao infinitamente grande que é o ter que enfrentar o balanço de maré batida repentino nas nossas vidas, que vogavam em águas conhecidas,  que se faziam  entre parâmetros expectáveis, com variáveis controladas ... e ter que encarar de repente, inesperadamente, do nada e na tocaia da emboscada, a dúvida, a angústia do desconhecido que espreita e ameaça, a ansiedade que a escuridão da noite avoluma em travesseiros que não se tornam os melhores conselheiros ... o medo do que virá, do que nos espera na próxima esquina ... o medo real ... muito além de nós.  Pelos nossos !

De facto, quando o chão nos foge debaixo dos pés, quando não depende do nosso querer, do nosso empenho ou esforço a resolução das questões que oscilam entre a saúde e a doença, entre a vida e a morte ... quando de gigantes nos tornamos pigmeus na aleatoriedade da existência, é que percebemos como não passamos de meros peões neste jogo de xadrês que é a Vida !

Faz-me tanta falta aqui a força da minha mãe, a coragem face à adversidade, aquela sensação de asa protectora que aninhava, que cobria, que defendia ... aquela sabedoria de mulher simples, mas velha, experiente e doce !...

E depois há o silêncio ... a força torturante do silêncio ...

Há quantos meses eu vivo em silêncio ?  Há quantos dias eu falo comigo mesma, olho os gatos que, esses sim, apreciam pairar quase só ... e não desmancho de nenhuma forma o nó sufocante que me aperta por dentro ?!

E depois o silêncio que gera silêncios, no desábito de falarmos ... na habituação à ausência de sons e de sinais de vida entre estas quatro paredes ... Solidão ...

Estou totalmente desestruturada, desmantelada emocionalmente.  Estou sem armas, sem resistências, sem nós e sem âncoras ... e isso assusta-me, isso inquieta-me, isso tira-me o equilíbrio que me importa para continuar à tona ... isso, apavora-me ... Esse auto-controle que me escapou por entre os dedos, gera-me exactamente esse sentimento inquietante ... pavor !

Cansaço ... um cansaço atroz que já só desperta lágrimas desobedientes e inoportunas, por tudo e por nada.  Um sentimento assumido de nada valer a pena.  Uma inércia que me tolhe, me paralisa e não me deixa dar um passo ... nem que seja em busca de ajuda ... nem que seja em busca de palavras ... nem que seja em busca de gente ...

Não sei.  Não sei mais nada ! Só sei que estou morta por dentro ... isso sim !


Anamar

terça-feira, 28 de julho de 2020

" MEMÓRIAS IDAS ... "




Aquela casa não é aquela casa ...
E ainda bem que "esta" casa não é a casa que era !

Respirei fundo, cumpri o horário e atrevi-me.  Não fazia ideia de como me saíria de uma visita inesperada, ilógica e desajustada no tempo.
O tempo ... de Covid19,  é um tempo impensável p'ra visitas em casa de quem quer que seja, menos ainda em casa de pessoas que não nos são propriamente familiares ou de relações próximas. Visitas, configuram mesmo um certo abuso ... eu acho .
Mas passo a explicar:
A casa dos meus pais, nos últimos quase trinta anos a casa "da minha mãe" apenas ... era um rés-do-chão alto,  como se dizia, que estreámos, acabadinho de fazer, quando, recém-chegados do meu Alentejo, de Évora, meu berço de coração, rumámos à capital por razões profissionais do meu pai.
Corria então o ano de 1963.
E lá se fez toda a minha história.
De lá saí p'ra casar, de lá parti para Luanda onde vivi dois anos, cumprindo também eu a "comissão militar" do meu marido, alferes miliciano  ali destacado.
P'ra lá entrei com a minha filha mais velha nos braços, chegada da clínica, com horas de vida.
De lá vi o meu pai rumar ao hospital, sem retorno ... no que foi o meu primeiro grande desgosto na vida.
De lá saí para a casa definitiva onde ainda vivo até hoje, embora o cordão umbilical nunca tivesse sido cortado.

Aquela casa foi pois, a casa de família ... o berço, o ninho, o aconchego.
Todos os dias transpunha a soleira daquela porta.  Todos os dias desejava as boas noites à minha mãe, quando pelas sete horas, debruçada na janela, com o Gaspar ao lado, se despedia de mim, antes das minhas aulas, já que o liceu nos ficava em caminho.
Todos os dias, quando dobrava a esquina, a ouvia descer a persiana, porque a noite se avizinhava e para ela eram quase horas de recolhimento.
Aquela casa assistiu ao crescimento das minhas filhas.  Ficando logisticamente no triângulo entre o meu liceu, a escola preparatória da mais velha e a primária da mais nova, era estrategicamente o pólo de apoio a nós três, na hora do almoço.
Vínhamos chegando, contando as novidades, conversando, rindo e claro ... acelerando a minha mãe, mercê da fome que já se fazia sentir.
" Avó ... cheira bem !  O que é hoje ? "  " Meninas, mãos lavadas e mesa ... parem da corrimaça ! "      " Cláudia ... chega !  Catarina,  pára ... olhem  que  ainda  partem  alguma  coisa ! "...
" Como foi a escola ? "... " Recebeste algum teste, Cláudia? "...
E era assim !...  E foi assim ... muitos anos.  Todos os possíveis !!!...

Depois, a vida desmanchou-se.  Como se desmancham as vidas das pessoas.
Pelas mais variadas razões, aquela casa foi-se despovoando ...  Até o Gaspar ( a quem só faltava falar, dizia a dona ... ), partiu um dia.
As persianas desceram definitivamente, as plantas foram definhando, pois já não era mais a dona que as cuidava ... os estendais ficaram inúteis, o silêncio e as sombras foram-se instalando ... a ausência de vida passou a morar por ali ...
Até ao dia em que inevitavelmente me coube a mim franquear de novo a porta da rua, agora no sentido do exterior ... definitivamente, jurara eu.

Mas a vida tem ironias, tem "arapucas" difíceis de entender.  Tem desafios que talvez seja útil encarar de frente.  Tem feridas que por vezes criam crostas apenas superficiais, e que removendo-as de vez, abrem hipóteses para uma cicatrização objectiva e plena.

A actual inquilina daquele espaço é uma antiga aluna minha, uma miúda que vi crescer ali, no segundo andar do mesmo prédio.
A casa foi para obras de fundo tanto quanto me apercebi, como careceria um andar que pouca manutenção tivera desde a construção.  A senhoria verbalizara-mo, quando lhe devolvi em definitivo as chaves.
Passei uma vez junto às janelas ... abertas, por via das obras.  Olhei longamente o que conseguia divisar.  Um operário perguntou-me se queria entrar para ver.  Declinei, enquanto as lágrimas me escorriam.  "Foi a casa de toda a minha vida ... Não quero entrar, não !"

O tempo passou.  A minha mãe já partiu há mais de dois anos.
Ontem, a Sandra disse-me "professora, faço gosto em que veja a minha casa e como ela ficou depois de toda uma vida ser a vossa casa ..."
Não pude recusar.  Eu queria e não queria.  Buscava ( como se ali estivesse ) toda a história que ali vivi.  Parecia que naquelas paredes estava indelevelmente tactuada a presença dos meus pais, o som das suas vozes, o ruído dos seus passos.  Tinha a certeza ( e isso enchia-me o coração de uma esperança vã ... quase de uma alegria mitigadora), que olhar aquele espaço seria uma regeneração de um passado que se tornaria presente outra vez ... Como se isso pudesse acontecer !... Como se milagres existissem ...

Não fazia ideia de como me saíria de uma visita inesperada, ilógica e desajustada no tempo.
Mas ... respirei fundo, cumpri o horário e atrevi-me ...

Aquela casa não é aquela casa ...
E ainda bem que "esta" casa não é a casa que era !...

Anamar

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

" ESTA, SOU EU !... "






A tarde fechou cor de fogo, iluminando, como se de luz acesa se tratasse, todo o firmamento. Promete-se  continuação deste tempo bem favorável, depois de dias fortemente gravosos para muita gente, com inundações e cheias desgovernadas e ventos ciclónicos destruidores.

Mas hoje, a amenidade do dia e a doçura da claridade envolvente, tornou-o absolutamente fantástico ! Um dia "brutalmente" belo, vocábulo indistintamente aplicado, nos modismos da linguagem actual ...
Invenções que as pessoas usam ... expressões sobre cuja acuidade nos interrogamos ...
Mas nada disto é importante.  O que verdadeiramente me importou, foi poder saborear da minha caminhada em paz, num deleite absoluto, usufruindo-me no silêncio da mata.
É espantoso como lá, tanta coisa eu me falo, eu me interrogo, eu analiso, eu esclareço ... eu decido.  Isto, no silêncio total, apenas bordejado pelo trinado dos pássaros, que de galho em galho se mostram felizes e quase primaveris.
É de facto um tempo e um espaço de privilégio, indevassável  por gente, por ruídos, pelas coisas maçantes do dia a dia, que sempre ficam portões afora, da Quinta Nova de Queluz ...
As ideias aclaram-se-me, as dúvidas parecem dissipar-se, as soluções surgem-me com a logicidade de questões desembrulhadas subitamente de véus, que pareciam demasiado espessos ...
E eu por ali vou, conversando a meia voz e aconchegando-me com toda a maravilha que a Natureza nos disponibiliza.
As azedas atapetam e florescem tão cerradamente as encostas ao sol, que parecem musgos fofos no presépio do Natal.  As árvores de folha caduca, espreguiçam os ramos despidos em direcção ao céu, e têm uma beleza esfíngica sonolenta e mágica ...

Tenho um amigo, com quem aliás farei a passagem de 19 para 20, cuja vida está presa por fios ténues e quase invisíveis.  Padece há alguns anos de uma doença terminal muitíssimo grave.
Alentejano que é, com a força, a tenacidade e o querer que quase sempre nos povoa a alma e o corpo, nunca se entregou à sentença que lhe foi lida, rejubilando, quando a brincar dizia já ter ultrapassado há muito, o "prazo de validade" ...
Nos últimos tempos, a sua já muito acentuada debilidade agravou-se muito significativamente, e hoje, há poucos dias, foi totalmente desenganado, clinicamente falando, sendo que se mantém, apenas à custa de transfusões de sangue, face à comprovada ineficácia de toda a terapêutica desesperadamente tentada.
Dessa forma, procuram garantir-lhe paliativamente  ainda, o mínimo de resistência e sobrevivência.

Pelas veredas da mata, no meio de toda a exuberância de uma Natureza generosa e em visível renovação, não consegui alhear-me da situação do Vicente.
Químico como eu, um pouco mais velho, colega da velhinha Faculdade de Ciências da Politécnica, é uma pessoa pragmática, positiva, lutadora, bem disposta apesar de a vida não lhe ter sido muito favorável ...
Parece aceitar com alguma paz e conciliação, o que o futuro curto ou longo, lhe poderá oferecer ...
Pediu que a passagem do ano fosse em sua casa, rodeando-se de alguns, poucos amigos ... os amigos de toda a vida ... os amigos certos ...
Desconheço se o entende como uma espécie de despedida ...

Não sei o que vai dentro da sua cabeça e do seu coração.  O Vicente chegou à minha vida há muito pouco tempo, não mais que três anos ... através de outros companheiros comuns.
Não o conheço, portanto, em profundidade.  Tento apenas meter-me na sua pele.  E pergunto-me :  se fosse comigo, será que eu aceitaria com a bonomia que ele exibe, tudo aquilo que se perspectiva para o resto dos dias que lhe forem concedidos ?
Será que eu ia ter a placidez da aceitação e do desapego, com a paz e a tranquilidade possíveis ?
Será que eu não sucumbiria ao desespero, à raiva, à injustiça, à dor e à mágoa, por  me tirarem daqui à força, com a insensibilidade imposta da partida, com a indiferença de coisa decidida, sem que eu pudesse opinar nada em meu benefício, face à prepotência da morte ?
Será que eu aceitaria que a Natureza esmagadoramente bela, continuasse  igualmente  pujante e generosa, a enfeitar-se, a sorrir, a acender dias luminosos e doces , convidativos ao sonho, à esperança, à VIDA ... indiferente ao grão de poeira que de facto somos ?
É um acinte, um descaso, uma provocação, um absurdo ... termos que partir com tanto sol, tanto verde, tanta perfeição lá fora, à nossa volta !...

Entretanto as últimas horas de 2019 estão a esgotar-se.  E essa ampulheta que esvazia, angustia-me, ainda que eu queira  fazer de conta que tudo não passa de um ardil criado pelos humanos para balizar, fatiar, segmentar esse monstro a que chamamos tempo ...
Como se não fosse tudo infinitamente mais simples se desconhecêssemos essa  famigerada contagem !...
Não nos preocuparíamos se passou mais uma semana, um mês ... um ano ...  Se estamos nesta ou naquela idade ... se se aproxima expectavelmente o fim da linha ou não ... se teremos ou não, teoricamente, ainda muita estrada por andar ...
Seríamos como os animais, como as plantas, que apenas aceitam e vivem ...
Recebem cada dia que desponta, percebem os Verões, os Invernos, os ciclos biológicos ... o desenrolar puro e simples dos destinos ... assim, simplesmente ...
Sobrevivem apenas, com a felicidade de existirem e de se continuarem ... não mais !...

Estou atontada, como percebem.  Rir-se-ão por certo, de tanta inconsequência e patetice.  Nos últimos tempos, desatei a ver a vida com uma carga que considero mais realista, contudo mais negativa, que me torna ansiosa, que me faz pensar, que me tirou a despreocupação defendida, do "carpe diem", correcto e assertivo, que as pessoas perseguem.
Devem estar certas, seguramente.  Eu percebo claramente que estão certas, e que é estupidamente martirizante, ver as coisas de outra forma ... Para quê ?...  Mas ...

FELIZ 2020  para os meus leitores, com ou sem rosto !
Sempre grata, prometo ir continuando por aqui, com todas as minhas inquietações, dúvidas, realizações, alegrias e tristezas !!!  Afinal, ESTA sou eu !




Anamar

sábado, 10 de agosto de 2019

" E HOJE, FOI !..."



Passei há pouco nas traseiras da casa onde os meus pais viveram cinquenta e muitos anos, onde eu vivi uma parte significativa da minha vida.

Eu sabia que seria exactamente assim ... e hoje foi !

A minha mãe partiu há relativamente pouco tempo.  A casa, que era alugada, foi inevitavelmente entregue  à senhoria.  Entretanto encerrou para obras, bem depois.  Fecharam-se as persianas, as portas, e tudo adormeceu por lá ...
Eu sabia que nela voltaria a viver gente.  Eu sabia que um dia os estores seriam subidos.  Eu sabia que as vidraças se abririam e que nos estendais, outra roupa voaria na aragem ...
Eu sabia ...

Sempre pensei, quando pela tardinha, no acesso às aulas ela me esperava na janela, com o seu inseparável Gaspar ao lado, debruçado no parapeito, feito gente ... para me dar dois dedos de conversa com que o dia encerraria, e o adeus final até que eu me afastasse e dobrasse a esquina ... sempre pensei, dizia, que um dia, que nessa altura me parecia infinitamente distante ainda, nunca mais nada disso ocorreria, e que apenas na memória do meu coração, essas imagens desfilariam com absoluta nitidez .

E então eu pensava : O que sentirei nesse dia ?  Como reagirei nesse dia ?  Como será confrontar-me com uma evidência expectável, mas assustadora dentro de mim ?

E depois ... procurava rapidamente afastar esses pensamentos, como se, afastando-os, afastasse toda e qualquer hipótese da sua confirmação.  E seguia para o liceu ...

Hoje, assim do nada, passando no carro e alongando como sempre o olhar para as janelas, levei como que um soco no estômago, e de imediato as lágrimas me turvaram o olhar ...
Lá estava outra roupa voejando na brisa da tarde ...
Tal  qual  eu  imaginara. Tal qual  eu  o antecipara,  sem  o  querer,  no  meu  espírito ... anos  atrás ...

Mas ela também estava lá, que eu vi. O cabelo branquinho, a capinha de malha azul nas costas, nos dias mais frios, o Gaspar de olhos perspicazes e vivaços, com os bigodes respeitáveis na branquidão do pêlo, abanando o rabo pela felicidade da festa que eu sempre lhe fazia ... estavam tão, mas tão nítidos, que passei a vê-los a eles ... e não àquela roupa que parecia querer meter-se onde não lhe era devido ...
E senti uma espécie de traição do destino.  Uma espécie de usurpação e invasão do alheio.  Uma espécie de coisa inaceitável ... intolerável, mesmo ...
Afinal, aquela casa, era aquela casa.  Tinha as cores, os cheiros e as vozes que por lá ficaram. Nunca poderia ser de outrém !  Nunca poderá ser de outrém !

Eles é que não sabem ... mas na hora do sossego, quando parece haver silêncio naquele espaço, é tudo mentira ... Estão os meus pais sentados em torno da mesa, está a correria das minhas filhas recém-chegadas das escolas ... está o cheirinho dos joaquinzinhos bem fritos com o arroz de tomate convenientemente malandrinho ... estão as farófias fresquinhas no frigorífico, estão os sons das vozes, de todos, as gargalhadas e os ralhetes, numa miscelânea bem audível ... Os móveis estão arrumados, as plantas, na cozinha, viçosas de  bem  cuidadas,  as  molduras com as fotografias  de eventos  felizes  espalhadas  nas  cómodas ...

Porque aquela casa, era aquela casa ... e são as pessoas e as histórias ... são as alegrias e os sofrimentos, é o tempo que desenha as vidas, que faz as casas ...
E aquela, era NOSSA !...




Anamar

quinta-feira, 11 de abril de 2019

" QUASE LOGO "






Foi assim naquela madrugada ...
Saíste de mansinho, sem ruído, nos bicos dos pés e um sorriso no rosto, tenho a certeza.
Não havia necessidade de acordar ninguém ... até porque já nos despedíramos vezes sem conta, na certeza do reencontro ... um dia ... quase logo ...
Porque tudo é efémero e o tempo dos Homens é o que menos importa ... Esvai-se num suspiro !

Estavas cansada da caminhada ... que eu também sei, e afinal acabava de cumprir-se o ciclo, naquela madrugada.
Nesse dia chegaras e nesse dia haverias de partir.  Desígnios do insondável e do karma que carregamos.  Está escrito.  Desde sempre está escrito !

E agora, mãe, que já passou um ano, quero festejar contigo outra vez, o teu aniversário.
Quero ver-te de novo com o sorriso maroto com que apagavas as velas, com que fingias enfadar-te com mais uma foto, com a felicidade de teres os teus ... os nossos, à tua volta.
Agora que passeias pelos jardins dos nenúfares, das flores de lótus, dos pássaros nas ramagens ... solta como uma menina descalça que brinca de novo ... quero dar-te um outro beijo envolto no código de afecto e de saudade, que nós duas sempre conhecemos ...

A vida é isto, mãe !

Lá por onde andas, nas madrugadas iluminadas por sol de Primavera ... no espaço sidéreo de estrelas encantadas, aguarda-me em paz, pois um destes dias, voltaremos a ver-nos.  É quase logo ...
Até lá, continuas dentro de mim, e serás eterna, porque sempre o são, todos aqueles que não esquecemos ...

E tenho saudades, mãe  ... infinitas saudades !...


11 ABRIL  1921   -   11 ABRIL  2018


Anamar

terça-feira, 30 de outubro de 2018

" EM MODO SOPA DE LETRAS ... "




Não escrevo há meio mês.
Estou naquela onda de penumbra de alma, de torpor de vontade, de cansaço sem tom nem jeito.  Uma onda que me inunda e leva adiante toda a alegria de vida, que me deixa letárgica, melancólica, doce e silenciosamente sonhadora, como os gatos ao sol, nas soleiras.
E sol é o que não há.  Mudaram-me a hora e escureceram-me os meus ocasos lá longe, neste horizonte que agora some bem cedo. Arrefeceram-me repentinamente os dias e as noites também, remetendo-me ao "ninho" donde custo a sair, cada vez mais.  Estou a começar a ficar embiocada como as velhas se embiocam nos lenços negros, aos postigos, no meu Alentejo.

Encomprido o pensamento, remexo nas memórias, esquadrinho as vontades.  E concluo que precisava de entrar dentro de um "shaker" qualquer, para que, em ritmo de lambada, os miolos se agitassem, se agilizassem e saíssem deste torpor atontado em que mergulho.  Ou seja ... ficassem prestáveis.
Estou totalmente "outonada", entrando que estamos no famigerado mês de Novembro, mês carrasco e desanimador para mim.  No calendário está quase a cumprir-se mais uma data da minha chegada a este mundo, este ano mais pobre e mais triste ... sem a minha mãe comigo.
Neste momento o meu estado de amorfismo não enfileira ideias, não organiza sequer frases ou assuntos de que quisesse falar.
A mente divaga cá e lá, o pensamento voeja inquieto, como borboleta de flor em flor no auge da Primavera.
Há um atropelo de sensações, um engarrafamento de emoções e uma confusão de barata tonta em hora de ponta.
Sufoco-me com o que me atravessa, e se o quisesse ordenar, seriar, ou se calhar entender ... daria uma sopa de letras ininteligível ... até para mim mesma, creio.
Tantas perguntas que se fazem, com tantas respostas que não se dão.  Tantas dúvidas a serem clareadas, com uma manhã de nevoeiro teimosamente cerrado, em frente.

E o cansaço ... um cansaço desanimador remete-me a esta indiferença aparente, face à escorrência dos dias, face ao decurso das semanas, face ao desenrolar da vida ... que acontece, aqui mesmo, bem debaixo do meu nariz !
E experimento uma angústia existencial, p'ra variar,  que quereria verdadeiramente entender.
Experimento um desassossego, que umas vezes é angústia, outras ansiedade, outras insatisfação ... desconforto. Mas que me nauseia e mareia, como barquinho solto no mar alto, em meio de onda agitada e vento sem norte.

E os dias passam e balanço, balanço sem rumo, para cá, para lá ... como um passageiro numa gare, sem ainda ter definido o itinerário a fazer, a composição a tomar.  Desconfortavelmente indiferente, contudo.
Como se lhe fosse aleatório um destino, para norte ou para sul, pela simples razão de que em nenhuma das estações terminais existe quem o espere, ou um objectivo interessante a cumprir ...

Bom, este meu escrito de hoje, é de uma irrelevância atroz.
É imagem clara do meu estado de espírito, e uma tentativa de aliviar a pressão da válvula.
Argumento para mim mesma ter um passado recente, emocionalmente agressivo e excessivamente longo e desgastante, do qual talvez não tenha conseguido recuperar-me ainda.
A sua vivência pôs-me frente aos olhos, um sentido da existência, nu e cru, assustador.  Porém real, objectivo. Desencantatório. Precário.
Quando os pais nos partem, avançamos inevitavelmente um passo.  Sentimo-nos na "calha", ocupando o lugar que logicamente nos é destinável.  E talvez por isso, se questione com muito maior acuidade, o sentido de tudo,  o que foi e o que é.  Talvez por isso, se valore com maior realismo e desassombração, o sentido que demos / damos, ao percurso que palmilhamos dia após dia,  às lutas que travamos, ao peso do valer ou não a pena ... ao significado, afinal irrisório, de tanta coisa com que nos digladiámos ... com que nos exaurimos ...

E "invernamos" por dentro ... sei-o bem !

Anamar

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

" PORQUE HOJE É O DIA ... "





Hoje é "aquele dia" !...
O Kiko, o puto mais novo dos meus três primeiros netos, aniversaria.  Como epílogo daquela odisseia que já referi vezes sem conta, de ter três nascidos neste famigerado mês de Agosto, abrangendo mãe e dois dos filhos, o Kiko fez-se à pista, há exactamente 11 anos.
Era um dia tão quente quanto hoje e vejo-me sentada na sala de espera do hospital, plena hora de almoço, à espera que o rapaz se resolvesse .
Resolveu-se para felicidade de todos, pois este menino é, de facto, uma bênção nas nossas vidas.

Já falei tanto dele que não é possível ter um pingo de originalidade naquilo que possa escrever ...

Se o quiséssemos definir, diríamos que já nasceu a sorrir, que já trazia no coração um saco repleto de doçura, que a boa disposição, a alegria e a meiguice, são a sua imagem de marca.
O Kiko vive rodeado de uma infinitude de amigos.  De crianças a adultos, toda a gente adopta o Kiko ... simplesmente porque o Kiko adopta afinal toda a gente.
É um miúdo safo, extrovertido ... totalmente desenrascado !  Stress é palavra que não conhece, em nenhuma circunstância !...
É o que na escola resolve todas as questões que lhe surgem, sem perturbações.  O que sem nenhuma ajuda em casa, enfrenta os desafios que se lhe apresentam, enfim ... a autonomia também faz parte da sua personalidade.
É disponível, generoso e solidário.
Aprendeu desde sempre, que a partilha, a divisão de tarefas, a entreajuda, são sinónimo de uma vida mais equilibrada, simples e feliz.
Fechou o pelotão dos três. Nasceu mais solto, desinibido, descarado e com um diabrete à solta dentro de si.

Longe fisicamente, telefonei-lhe há pouco, para o felicitar.
Não posso dar-lhe hoje, nem receber dele aquele abracinho doce com que me envolve quando nos vemos ...
Perguntei-lhe então, como se sentia com tanta idade ... Gargalhou ... simplesmente ...

Esse é o Kiko, o meu "menino light" !...

Por isso, Kiko, desejo-te um dia supimpa, ainda mais cheio de emoções fortes, peripécias giras e boa disposição, como são todos aqueles em que estás por perto !
Aqui de longe envio-te beijinhos com todo o meu amor ... e não esqueças de guardar uma fatia de bolo p'ra mim, que sou "aquela coisa" ... tu sabes ! 😄😄💕




Anamar

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

" NÃO PODERIA SER INDOLOR ... "






Tempos loucos estes, que o planeta atravessa, e com ele, nós todos, perguntando-nos porquê?
Por que estaremos todos, de uma forma absurda e irracional, a pagar uma factura desmedida do que não fizemos?
Por que razão continua esta Terra a ser regida por loucos e irresponsáveis, que colocam exclusivamente interesses materiais, pessoais e outros, escusos e inomináveis, em relação aos quais, o cidadão comum é total e irremediavelmente impotente ?!

É que atravessamos em Portugal, país de clima mediterrânico e temperado, generoso e abençoado por excelência, temperaturas que subiram em muitos lugares a valores da ordem dos 45ºC !...
O ar é irrespirável, a insalubridade deste estado de coisas restringe a capacidade de se  levar a vida adiante com o mínimo de normalidade, já que nada disto é normal ...
Não nos mexemos.  Arrastamo-nos.
O torpor sonolento que nos invade, reduz aos mínimos toda a actividade.  Não temos parança em lugar nenhum, já que em todos se sufoca.
E por essa Europa fora,  tudo se passa mais ou menos da mesma forma.  Temperaturas igualmente absurdas em locais que não as experienciam nunca. Gelos em fusão nos pólos.  Avalanches, cheias e furacões inesperados.  Fogos devastadores e incontroláveis, semeando desgraça e dor ...
Em suma, um planeta a morrer às mãos dos seus próprios habitantes ... muito antes do que os estudos científicos vaticinavam ... Muito antes dos alucinados imbecis à solta, perceberem que nada disto é ficção científica, infelizmente ! ...
Não é de loucos ?!

Eu estou em "modo hibernação" ... a bem dizer.
Redução de toda a entropia aos mínimos, para poupança de energia.
Os miolos a funcionarem p'raí a cinquenta por cento, só.  Uma "lanzeira" que só vista !...
Resolvi, ainda assim, levar a cabo tarefas de arrumação que urgiam ... Parece-me auto-flagelo ... será ?!
Com o encerramento da casa dos meus pais, com a dissolução do seu recheio para que a mesma possa ser entregue à proprietária, uma infinitude de coisas inalienáveis, "caíu" na minha, já de si cheia que nem um ovo.
Um verdadeiro drama, olhar para tudo aquilo e ser incapaz de definir prioridades.  Uma angústia dos infernos, decidir o que ascende ainda assim a espaços nobres na minha casa, o que "ascende", na verdadeira acepção da palavra, à arrecadação no terraço do prédio ... ou o que descende directo ao contentor do lixo ...
Um drama, até conseguir consensos de alma !...

E num misto de angústia, irritação e  impotência, culminadas por uma sanha de "para grandes males, grandes remédios" ... na busca desesperada de soluções de espaços ... resolvi tomar uma opção irrevogável que fora adiada anos e anos, na espera de melhores dias, paciência e complacência, que haveria um dia de chegar ... eu achava. 
Assim, resolvi enfrentar com determinação e coragem, todo o espólio a que fizera largos anos " olhos de carneiro mal morto" ... os dossiers, as pastas com a preparação de aulas, os infinitos testes de avaliação varrendo todos os curricula, as micas para retroprojecção, as fichas de revisão de matérias dadas, esquemas e mais esquemas em acetato, na busca da simplificação e da clareza ... em suma ... toda a história da minha vida profissional, as centenas e centenas de páginas, manuscritas, impressas, fotocopiadas ... num ápice repousaram no "papelão" mais próximo de casa ...
Inapelavelmente ... numa tentativa de operação indolor ... num esforço de distanciamento e relativização das coisas ... despojando-as, como ando a treinar o meu coração e a mente há alguns meses, de emoções, de afectos, de nostalgias e mágoas ... despindo-as de todo um conteúdo imbuído de sentimentos e memórias ...

E assim, a frio ... apesar dos 42ºC lá fora ... consegui dar descanso eterno a toda uma "vida" ... a minha, que se estendeu a bem mais de trinta anos de história ...

Esvaziei o armário, arranjei espaço devoluto ... limpei o "lixo" adiado ... quilos e quilos de Química e de Física , metros e metros de informação e trabalho ... toneladas de esperança, sonho e aposta ... juventude, dedicação, entrega e esforço ...

E esvaziei-me por dentro ... também ...
Nunca supus que doesse tanto !...

Anamar