sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

" AMIGOS "



Fui educada muito isolada e sozinha, já aqui o disse.
Desde cedo, que a minha mãe me monopolizou para si, como o bem mais precioso que alcançou na vida.
Foi um amor mutilador, obsessivo, limitante.
Em criança, não me era facilitado o convívio com outras crianças, mesmo colegas de colégio.  Os miúdos da rua com quem brincava, não tinham acesso à minha casa.

Era o tempo do Alentejo ...
E o espírito, era também esse ... isolamento, ensimesmamento, ausência de convívio, e portanto, de presenças. Silêncio, mesmo ...
Se olhar lá para trás, vejo com nitidez que as minhas memórias se reportam a uma casa enorme, com rés-do-chão e primeiro andar, com escada e corredor longo, e em ângulo recto ao fundo.
Lembro que das divisões do rés-do-chão ( despensa, um quarto de arrumos, vão da escada e "casa de entrada" ), eu tinha medo.
Eram espaços, à excepção da entrada, só frequentados amiúde ; sempre escuros, por serem interiores, e a vida se fazer no andar de cima.
Mas mesmo nesse, a memória que me preside, é de uma casa escura, com divisões penumbrentas, pouco habitadas, sem alma.
A cozinha era o coração da casa, porque era imensa, e lá se fazia tudo.
Cozinhava-se, comia-se, eu fazia os trabalhos de casa, na mesa grande de camilha, a costureira que vinha de quando em vez, costurava ... e até quando a minha mãe estava de catadura e deixava, eu fazia as "cantareiras" e "dava aulas" aos bonecos, atrás da porta, com os brinquedos que subiam, no caixote de madeira, da dita despensa, ao primeiro piso.
Eram momentos fugazes, porque havia que arrumar rápido, aquela transitória "perturbação" ao arranjo instituído, e portanto, a brincadeira nunca era demorada.

Essa cozinha dava acesso a um terraço ( a varanda ), que se desenvolvia nas traseiras, e era circunscrito pelo tal  "L", que a distribuição física da casa, criava.
Dessa varanda, só se avistavam telhados longos, a perder de vista, respectivamente de uma garagem de recolha, que ficava por debaixo da minha casa, e de uma serração de madeiras, que ficava ao lado.
E céu, claro ;  por cima sempre havia céu !

A varanda tinha um tanque de roupa, cordas para estender a mesma, e vasos de sardinheiras  no chão, e dependurados lateralmente a duas janelas que para lá davam, ( de um escritório, e do que seria o meu quarto de cama ).
Digo "o que seria", porque como o meu pai era viajante, e passava a maior parte do tempo fora, lembro-me  de dormir com a minha mãe, no quarto de casal, frente a este, do lado esquerdo do corredor.  Esse, com janela para a rua.

As janelas tinham persianas,  quase  permanentemente, meio ou totalmente descidas.
A minha mãe, até hoje, cultiva o gosto pela penumbra.  Não sei porquê !
Não havia televisão ainda, e por isso os serões de nós as duas, eram curtos.
As luzes só se acendiam se nós estávamos nas divisões, e como tal, lembro que à noite, a única luz que estava acesa era na cozinha ; depois, acendia-se a do corredor para nos dirigirmos ao quarto de cama e à casa de banho, ao fundo, e estas apagavam-se, quando já nos íamos recolher.
Por isso eu tinha medo também, do escuro do corredor que se estendia à direita, e da escada ( que fazia igualmente um ângulo, que impedia a visão do  andar debaixo ), que se estendia à esquerda da porta da cozinha.

Como digo, não tive portanto "amigos", aqueles amigos que as crianças, sobretudo na província, recordam como amigos que vêm  "da escola".

E sempre assim foi !
A adolescência correu igualmente pesada ;  tinha talvez umas três amigas mais chegadas, colegas de liceu, mas pouco passava disso.
Eu nunca tinha autorização para cinemas, paródias, saídas.  O máximo concedido, foi depois, já aluna de Faculdade, poder dormir em casa da que seguiu o mesmo curso que eu, e ainda assim, porque estudávamos muito durante a noite, em época de exames.   Mas não mais !

Casei, e o meu ex-marido tinha vivências totalmente opostas às minhas.
Oriundo da província, manteve exactamente desde sempre, o culto da amizade, da camaradagem, do afecto, conservou até hoje uma panóplia de amigos, daqueles que atravessam as vidas das pessoas, se acompanham, e se partilham.
Enquanto estive casada, recebíamos e éramos recebidos em casa de alguns, fazíamos férias com outros ... enfim, ele  "labutou" para que eu convivesse.
E digo "labutou", porque eu era relutante ao convívio, obviamente.  Eu, não querendo, cultivava o que a minha mãe me ensinara e me inculcara na forma de ser ... o isolamento e a solidão.

Divorciei-me, e espantosamente, esses "amigos" de tantos anos, porque me chegaram por via do casamento, também se foram, por via do divórcio.
Espantosamente !...

Hoje ... bom, hoje estou bastante só.

Conhecimentos recentes, sempre são reticentes para mim.  Conheço muitas pessoas.  Concluo que pessoas que de mim se tenham aproximado por amizade verdadeira, são muito poucas.
E sinto falta, e invejo, quem mantém e pratica a amizade propiciada pelas tertúlias de amigos, os núcleos de afinidades em termos culturais, lúdicos, de interesses, gostos, que geram afectividade, cumplicidade e apoio ... porque dessa forma conseguem suprir a ausência de familiares, que se foram perdendo ao longo da vida ...  conseguem  colmatar a mágoa da solidão ... ajudam-nos a espaldar-nos, com coração e alma, para as dificuldades que todos os dias nos enfrentam ... permitem-nos dividirmos as dificuldades e as preocupações que nos espreitam em crescendo, numa fase da vida, em que as "raízes", pelas mais variadas razões, se vão soltando ...

Porque quem tiver amigos, nunca estará só ...

É frase feita, mas de facto, acredito que eles são a família que nos sobra, depois da nossa família real, se ter diluído pelas vissicitudes e agruras do caminho ...

Anamar

4 comentários:

Anónimo disse...

Desculpa mas penso que quanto mais as pessoas se isolam, mais sentem a solidão.
Rita

anamar disse...

Olá Rita

Sim...deves ter razão. Apenas nem sempre estão criadas ou se "fabricam" condições para se conviver.
Porque conhecidos, há muitos, potenciais amigos, nem tanto !

Obrigada por teres comentado

Anamar

F Nando disse...

Conhecidos temos tantos amigos são poucos...
Beijinhos

anamar disse...

Olá Fernando

Obrigada por teres lido e comentado.

Partilho obviamente, como aliás expus, do teu comentário.

Beijinho

Anamar