quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

" OUTRA VEZ NATAL !... "

 

Dezembro é também aquele mês que se eu pudesse, saltava no calendário.
É de  novo mais um mês que forçosamente nos atira para balanços.  Balanços de tudo, do que se fez e não fez, das expectativas e das desilusões, das esperanças e dos fracassos inerentes, dos risos e das lágrimas, do ânimo que às vezes se levanta connosco e do desânimo que progressivamente toma conta de nós ao longo do dia ...
Balanços e mais balanços, e o peso de havermos carregado mais um ano que às vezes foi excessivo face à capacidade que as nossas costas anunciavam aguentar ...

2024 havia sido um ano muito difícil em muitos aspectos, mas 2025 não aliviou muito a carga dependurada do coração.
E depois há aqueles dias a atravessar... o Natal, que para mim se tem transformado numa travessia do deserto.  Cada vez são menos os que se sentarão àquela mesa.  Já só menos de meia mesa, terá  confraternizantes, e cada vez mais aquilo que cada um exibe, se transformará numa performance mal ensaiada, menos credível, mais esvaziada de reais sentimentos.
Prevejo que seremos quatro à mesa, com a alegria que conseguirmos coleccionar, com a boa disposição afivelada nos rostos, até porque está uma criança e ela não tem idade p'ra perceber, sequer suspeitar qual a cor do coração que cada um de nós tem guardado no peito.

Ao longo da minha vida, os meus Natais poderiam ocupar prateleiras bem diversificadas umas das outras.  Parece que eles se caracterizam e definem muito bem, e cada um deles pertence claramente a um dossier que poderia facilmente ser catalogado.

Os primeiros Natais que recordo, os mais gratificantes e doces, foram, como já contei em posts lá para trás, os Natais da minha meninice, os Natais de família à séria, os Natais alentejanos, os Natais inevitavelmente inesquecíveis.
Eram os tempos de acreditar no Menino Jesus, sim porque era Ele que se aprontava a marcar presença, nas gélidas noites de Missa do Galo na Igreja da Saúde na terra que era muito mais minha que aquela onde na realidade nasci.  Noite quase sempre escura e estrelada, noite de avó a caminho da igreja, no seu xaile quentinho e lenço na cabeça, de uma igreja que nunca mais me saíu da mente, clara e iluminada, com a talha dourada ainda mais refulgente, os círios acesos e o cheiro das velas ardidas, e a fila que aguardava p'ra beijar o pezinho ao Menino no fim da cerimónia, que o padre pegava e limpava com uma toalha de linho após cada osculação ...
Em casa, enquanto os homens se aqueciam no madeiro imenso, a arder na lareira de parede a parede daquela cozinha velha, as mulheres, tias, primas, mais novas ou mais velhas, preparavam a consoada com as iguarias de sempre.  Haveríamos de as degustar para aquecermos o espírito, à chegada do frio da noite ...
É um lugar comum, creio, para a maioria de nós guardarmos carinhosamente, e por todas as razões, os nossos Natais de infância ... os mais doces deles todos !

Depois vieram os Natais da Beira.  Outra realidade, outras pessoas ... contudo sempre família.
Esses, foram os Natais da infância das minhas filhas.
Outra casa, outros amigos, outros cheiros e sabores, mas contudo ainda éramos alguns, os dedos das duas mãos chegariam para os contar, mas havia vida a pulsar também, nos adultos e na criançada.
Havia a árvore e o presépio, tudo colhido nas matas, havia risos e gargalhadas, o bacalhau e a "roupa velha" no dia seguinte ...
Depois ... bom, depois foram indo ... Uns para a terra de ninguém ( esses só nos repousam nas memórias e nas imagens dos vídeos que ainda hoje nos fazem sorrir ), outros apenas tomaram novos rumos, novos trilhos ... outros destinos !
Gostava de poder espreitar aquela mesa, na noite da consoada, e espicaçar o lume, como o fazia, para minorar o frio que sempre tenho ... Gostava, mas não posso ... a vida é assim !

Hoje, bem, hoje por enquanto talvez sejamos três, à mesa.  E de todos os Natais, estes que tenho vivido nos últimos tempos, são os mais incaracterísticos, aqueles de que menos memórias guardarei, aqueles em que os lugares vazios estão mais vazios do que nunca, aqueles em que a solidão e um silêncio interior ( que talvez só eu pressinta ), mais se fazem sentir.
É um misto confuso de sentimentos, é um ruído e uma turbulência tonitruante, é uma ausência e uma escuridão absoluta, numa sala ainda assim iluminada, numa mesa onde ainda assim haverá conversas, onde vamos todos fazer de conta que por ali passa uma qualquer felicidade e alegria que afinal não se deixam mascarar, e que lá bem no fundo, não enganam ninguém ...

Feliz Natal !...



Anamar

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

" NEM SEMPRE O AMOR CURA "

 


Vivo há mais de cinquenta anos nesta casa, neste andar desta praceta, num nascente poente que me inunda de sol de manhã à noite.

Para aqui vim em início de vida, tinha vinte e três anos de idade, ainda só uma filha, vida profissional a iniciar-se, quilos de sonhos a cumprir.  E por cá vivi, com os altos e baixos, provavelmente normais a todas as vidas.  Nasceu outra filha, escreveram-se páginas e páginas de histórias, realizações ou não, alegrias ou não, coisas boas a recordar e outras nem tanto.
Afinal as histórias do ser humano serão todas um pouco parecidas e infinitamente diferentes também !

Leccionei na escola aqui do burgo, e por mim passaram gerações e gerações cada uma com as suas idiossincrasias, das quais guardo até hoje, rostos, nomes, guardo memórias quase sempre felizes.
E constato que a reciprocidade dos afectos perdurou pelos tempos ... apesar de hoje já sermos outros !
Afinal, uma das características da memória é ir colher lá atrás, com grande grau de precisão, exactamente essas lembranças que ainda hoje aquecem o coração !

A minha casa é pertinho do céu e sobranceira a um casario descaracterizado, desordenado... eu diria, caótico.
Resta-me o céu azul ou carregado de nuvens ameaçadoras, se o tempo não está de feição, resta-me a lembrança da Pena lá longe, na linha do horizonte antes de terem construído um intrometido edifício de seis ou sete pisos que a cobriu do meu ângulo de visão, restam-me os pombos que decoram qualquer ambiente urbano neste momento, os periquitos de colar que atravessam aqui por cima, quase sempre apressados e que se anunciam pelo seu piado  característico e finalmente as gaivotas, em bandos desordenados ou espanejadas na aragem que passa, como se encetassem apenas um bailado e não tivessem rumo ou norte. 
E finalmente restam-me os pôres de sol inigualáveis e por isso mesmo, inesquecíveis, que me são presenteados a partir desta minha janela privilegiada, fechando os dias, virada que está a poente, com Sintra lá ao fundo, bem longe e bem saudosa ...

E pronto, a minha casa, que tem de tudo um pouco, já com uma vetusta idade, encerra o espólio da minha existência.
Cada peça que a compõe, é um tesouro para mim.  Cada uma tem um valor que não é material, mas incondicionalmente afectivo. Se tivesse que as escolher em função da dedicação que lhes tenho, seria uma tarefa hercúlea.
A minha vida gira dentro desta casa, como ninho de protecção e conforto.  Por maneira de ser nunca fui dada a muitos e variados convívios.  Sou uma pessoa de fácil relacionamento mas preferencialmente escolho o isolamento no meu "buraco"... Não é por mal, talvez seja assim por ter um carácter reservado, que foi sendo lapidado ao longo do meu percurso de vida, mercê do "figurino" desenhado desde a infância, numa vida vivida praticamente a sós com a minha mãe.  Mas, sendo curto o meu núcleo de relações, sinto que sou estimada pelas pessoas ... acho que posso dizer isso.
O facto de há já mais de vinte anos viver só, porque me divorciei, a Covid que também condicionou o convívio entre as pessoas e em última mas não despicienda razão do avanço da idade, vivo cada vez mais confinada a este reduto só meu.
Meu e dos meus gatos, um casal que divide as vidas dia e noite, com a minha ...

"Os anos tudo trazem e tudo levam" ... era uma velha máxima que a minha mãe usava e abusava, coisa que me irritava profundamente, quando parecia que eu afinal tinha a vida toda para viver... o mundo todo para conquistar ...
Hoje, ver a vida do patamar onde já me encontro, permite-me perceber quão verdadeira e adequada aquela era...
Hoje, a minha filha mais nova, que cuidou da avó até ela nos deixar, antecipa novamente o cenário que me espera ... 
A minha filha é doente oncológica de há um ano a esta parte. Eu digo "é", porque quem tem a desdita de contrair esta doença, por mais benigna que esta o seja, o que parece ter sido o quadro para ela diagnosticado dentro da panóplia de hipóteses com que poderia ter sido "sorteada", é-o para toda o sempre.  É um quadro clínico que não tem certezas, é traiçoeiro e surpreende.  Demasiadas vezes surpreende!
Acresce, que ela é sozinha e tem quase inteiramente a seu cargo uma criança de apenas oito anos.
Vive na margem sul, é enfermeira também num dos hospitais dessa localização, e tem toda a logística de vida dela e da filha, instalada naquelas bandas.
Como se imagina, o meu equilíbrio emocional virou da noite para o dia, complicando ainda mais o mundo caótico que sempre é o meu espírito.  
Assim, fui confrontada com talvez a necessidade ( vou chamar-lhe assim ), de nos aproximarmos em termos habitacionais, que é como quem diz, eu ir viver para mais perto delas as duas. 
Eu avanço na idade, logo nas exigências inerentes a essa situação, o futuro dela em termos sanitários sobretudo, é imprevisível, bem como o são, as capacidades que venha a ter futuramente e a impossibilidade dos nossos poderes adivinhatórios vislumbrarem o futuro que nos espera.
Sem dúvida o tempo urge e a partilha entre nós, é escassa.

E vou ter que resolver.
Nunca sequer imaginei vir a ter que passar por uma situação destas, porque vender a minha casa está longe de ser uma mera transação financeira; envolve um lado emocional profundo e uma sensação de despedida.
Fechar esta porta é um virar de página, é um encerrar de um enorme capítulo da minha vida, num período desta em que a resistência emocional e afectiva é mais vulnerável do que nunca.  É um desafio à minha capacidade de superação de sentimentos intensos de nostalgia, de apego e de incertezas.
É um desafio à capacidade de que consiga dispor, de pragmatismo, frieza, objectividade, pressão emocional ...
Ainda não parti e já tenho saudades, ainda não parti e já lido com sentimentos contraditórios do que classifico de egoísmo, desumanidade, falta de amor ... se optar por ficar ...
A minha filha pensa nela, mas também pensa em mim se quando eu precisar dela me não puder ajudar como fez com a avó...
Sem dúvida é uma duplicidade de sentimentos que me atormentam, é uma mescla de amor e de dor, como se no coração me estivessem a roubar as memórias, as histórias, a vida !...

E em contínuo, pelas madrugadas de insónias, vejo e revejo o filme dos cinquenta anos em que, bem ou mal, a rir ou a chorar por aqui estive ...

Lá fora, hoje, as gaivotas dançam na aragem fria do vento que corre, enquanto que um laranja doce escurece aos poucos na linha do horizonte, lá para os lados de Sintra ... anunciando que mais um dia chegou ao fim !

Anamar 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

" CANSAÇO "

 


Júlio Machado Vaz no seu último livro Outonecer que entre muitos outros aspectos incide na temática do envelhecimento ( referindo o "peso" psicológico que nos toma exactamente com a entrada no Outono da vida ), descreve que como nenhuma outra idade, os três quartos de século completados no ano passado, o mexeram por dentro. 
Até então, as décadas anteriores foram vivenciadas com um olhar de normalidade, de aceitação, de pouca ou nenhuma perturbação emocional.
Mas completando setenta e cinco, percebeu objectivamente aquilo a que verdadeiramente chamamos de "o peso dos anos".
Li o seu livro há pouco tempo e é verdade que JMV me mostrou nesse seu livro uma faceta de melancolia e até talvez de um entristecimento que nunca lhe havia sentido até então, como se de repente ele se tivesse voltado mais para o seu eu interior, e desligasse do mundo fora desse casulo ...

Eu sou absolutamente contemporânea do professor.  Eu também completei ontem três quartos de século de vida.  Não três quartos da jornada que me coube ou caberá. Afinal, o caminho percorrido encurta cada vez mais o que está por percorrer ... 
Contudo, também, tal como ao professor, este outonecer, ou até mais ... este invernar da vida, me magoou, feriu, atingiu, como se tivesse sido surpreendida à má fila, pelo transcurso do tempo.  
É como se não me tivessem avisado... é como se me tivessem apanhado distraída ... sem que ninguém acendesse para mim, pelo menos, o semáforo amarelo !!!

Sou muito introspectiva.  Muito negativa, muito derrotista, pouco esperançosa ... sempre com o copo meio vazio na mão.  É característica personalística, infelizmente.  E por mais que psicologicamente eu "trabalhe" em mim esta forma errónea de encarar a vida, não consigo alterar, com argumentos nenhuns, esta malvada forma de a enfrentar e de sentir ...
Muita coisa aconteceu e acontece na minha vida, nos últimos tempos ... e não forçosamente coisas felizes.  Experimento ou uma sensação de desistência com a praia à vista, ou sinto um abandono que me faz encarar os dias como em fim de caminho.
É uma sensação de não valer a pena isto ou aquilo, não valer a pena pôr a mesa da vida, porque já não ocorrerá nenhum banquete mais, não valer a pena desarrumar nada porque seria uma perfeita inutilidade fazê-lo, parece estar tudo em fase de acabar e não de recomeçar ...
Não tenho um foco, um objectivo, uma meta, algo por que me esforçar, algo que justifique continuar a esbracejar no meio da tempestade, algo que me faça sonhar, algo que afaste de mim este mofar que parece circundar-me e apodrecer-me aos poucos ...
Detesto-me, estou exausta, sinto-me um peso morto, algo de fétido ... uma merda !
Não me reconheço ! Perdi-me totalmente nas encruzilhadas da vida ... esqueci o caminho e o nevoeiro adensa-se ao meu redor.  Pouco já se divisa, pouco se enxerga, um negrume está a descer mais e mais ...
Veremos até onde e quando suportarei a tempestade ...
Veremos até onde terei olhos para a sempre beleza do crepúsculo ...

Anamar

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

" E O INFERNO ALI TÃO PERTO ... "



"Santa Bárbara bendita, que no céu está escrita e na Terra iluminada, quantos anjos há no céu, protejam as nossas almas"... ou " Santa Bárbara afastai a trovoada para onde não haja eira nem beira, nem raminho de oliveira, nem fiapinho de lã, nem alminha cristã " ... ou ainda " abrem montes, se abrirão ... oh Virgem Pura amparai-nos, salvai-nos Senhor São Manuel, salvai-nos Senhor, salvai-nos !"...
Sendo que este Sr. São Manuel, não sei bem porque é para aqui chamado, já que pesquisei o mais que pude mas não me elucidei sobre os seus poderes divinos.

O que garanto é que quando "a coisa estava preta", ou seja, quando o céu se encrespava com uma negritude assustadora, as nuvens tormentosas e carregadas já vinham em nossa direção, tudo se irava lá por cima e os primeiros trovões ainda distantes já ribombavam no firmamento, a minha mãe começava com estas ladainhas, paralisava de medo e as orações eram a salvação que se lhe afigurava no momento em apreço.

E porque fui eu buscar a Sta. Bárbara e restantes ajudantes, neste momento ?

Pois bem, nunca vi a minha mãe fugir de casa de avental, ou como  estivesse, me agarrasse pela mão, nos meus sete ou oito anos, e debandasse avenida acima, em busca do arrego de companhia para atravessar o pavor que sentia.  Era Junho, S. João em Évora, época de feira da cidade, a canícula que se sentia, impiedosa e as benditas trovoadas, "secas" como se dizia, isto é, sem alívio de um pingo de chuva que aligeirasse a ameaça, sempre carregavam na cidade.
E lá fomos... ela tartamudeando as ladainhas de Sta.Bárbara.
Lembro como se fosse hoje, estou-me a "ver", estou a "ver-nos",  a caminho da casa da Sra. D.Maria Capucho, a vizinha salvadora naquele aperto !

São tão engraçados estes mecanismos mentais do ser humano !...

Quase todas as noites sonho com a minha mãe.  Quase todos os dias a refiro, a propósito disto ou daquilo ...
Esta noite ela andou mesmo por aqui, invocando a Sta. Bárbara a pedido meu, que não sou católica nem nada.
Estivemos, estamos e vamos continuar a estar, meteorologicamente vítimas de um evento atmosférico assustador.  Chuva forte, ventos igualmente de consequências imprevisíveis e trovoadas, haviam sido o aviso do IPMA a partir da noite de ontem.
Eu vivo num sétimo andar, meio desacompanhado de outros prédios, a marquise do meu vizinho paredes meias, já voou totalmente, neste ano que passou, e eu vivo uma penitência quando as intempéries complicam.  Sinto-me apavorada, coloco o olho clínico para antever de que lado sopra a borrasca, vou à frente, venho atrás, desço praticamente duma forma integral, as persianas, mas não sossego.
As alterações climáticas cada vez mais imprevisíveis acentuam-se de ano para ano ( a tudo isso assistimos por imagens televisivas devastadoras, noutros países ), e eu, não tenho mais paz no coração !

Ontem, até à hora de desligar a luz e me desligar a mim e aos gatos para dormir, tudo parecia calmíssimo, apesar do céu algo carregado. Mas pensei ... "uma vez mais aqueles tipos meteram água ! Na ! ... A superfície frontal buscou um novo rumo !"
E fui dormir.
Eram exatamente 3,33 h da madrugada ( acho sempre piada à tendência que tenho para olhar para o relógio luminoso da cabeceira da cama, e demasiadas vezes encontrar coincidências sequenciais dos mesmos algarismos - ainda hei-de decifrar este inexplicável acontecimento ... ), levantei-me, resolvi o que tinha a resolver e remeti-me de novo ao édredon, onde o Jonas que não se mexera, continuava a dormir.
Convém explicar que faço tudo isto às escuras ... O caminho é meu muito conhecido  !
No quarto, a janela que é muito grande, divide-se em duas, digamos.  Numa delas eu, diariamente, desço totalmente a persiana. Na outra, exatamente a que está em frente a este lugar onde estou a escrever, fica diariamente um bom pedaço  com a persiana subida, pois gosto de aqui estar e ter paisagem diante de mim, sendo que não estou para ter o trabalho diário do sobe e desce da mesma.

Daí a pouco, apesar de ter os olhos fechados e não estando ainda de novo nos braços de Morfeu, comecei a sentir uns fogachos de luz que piscavam ininterruptamente, e me acendiam e apagavam o quarto.  Sabem aquela sensação que se consegue detectar apesar dos olhos não estarem abertos ?  Pois é ... era como se as luzes de uma árvore de Natal acendessem e apagassem sem parar.
"Que raio ?! O que é que deixei ligado ?!"- pensei.
No quarto há sempre luzinhas de presença que conheço bem, afinal o quarto é meio sala e escritório, além de dormitório. São luzes do computador, da aparelhagem musical, do modem, da televisão, enfim ... todas minhas habituais conhecidas !
Agora aquelas que me invadiam e iluminavam desbragadamente todo o espaço, é que não !

Comecei então, quase de imediato a ouvir a batida da chuva fortíssima, do vento ameaçador e o ribombar dos trovões.
Saltei da cama e vim à cozinha cujos vidros não têm protecção contra a luz exterior, e o que vi, deixou-me alucinada !
Todo o céu era uma massa espessa, carregada, como uma abóboda uniforme, faíscando, iluminando-se  ininterruptamente, de todos os lados. Eu nunca havia visto nada assim. Normalmente os raios desenham fantasmagoricamente o céu, percorrem-no quase sempre em direção à Terra, ao que se segue o estrépito mais ou menos demorado do trovão. Pois nada disto era o espetáculo assustador que eu tinha perante os meus olhos.  As frentes donde dimanavam os relâmpagos eram várias, em torno do meu horizonte visual, um "fogo de artifício" infernal ... era um céu a explodir de todos os lados, numa visão apocalíptica indescritível !

Foi então que a ladaínha da minha mãe me assaltou o espírito ... "Sta.Bárbara bendita ... Sr. S.Manuel,  ( seja lá quem tenha sido ), salvai-nos Senhor, salvai-nos !" ... 
Eu, que até sou agnóstica ... 😞😞





Anamar 

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

" INEVITÁVEIS REFLEXÕES "

        


A vida é realmente muito complicada ! O ser humano é um emaranhado de vectores endógenos e exógenos, numa construção labiríntica quase sempre duma complexidade inalcançável, ininteligível e dificilmente reescrita ou corrigível.

Quando se forma uma família, cria-se, ao longo dos tempos, uma célula particular com regras próprias, definidoras daquilo que entendemos como o mais adequado, perfeito, equilibrado, que tomamos como o mais correcto e sensato.
Fazemo-lo no pressuposto de que estamos a percorrer o melhor caminho, o melhor que conseguimos e que tomamos como o certo e menos penalizante possível, de acordo com as ferramentas de que dispomos, dentro do contexto em que nos inserimos.
Cada família tem uma realidade própria e joga com muitas pedras no mesmo tabuleiro de xadrês.
À partida, os construtores da mesma, agirão com valores, princípios, convicções, por forma a que se forme algo harmonioso de que sempre nos possamos orgulhar e que valha a pena passar adiante, perpetuar no tempo.
Embora diferentes uns dos outros, embora com as suas idiossincrasias próprias, ninguém quererá intencionalmente prejudicar ninguém, denegrir ninguém, lesar ninguém, menos ainda ferir quem tenha sensibilidades diferentes, porque o respeito e a tolerância são vectores intocáveis.  
Nas famílias há disparidades normais e saudáveis, há diferenças óbvias, formas de estar e pensar diversas, mas quando há que "reunir as tropas" em prole de um qualquer elemento dessa família, a mesma funciona como um bloco que se auto-protege, se estima e valoriza, e seguramente  a inveja, o ciúme  e menos  ainda o ódio, lá  encontrarão  terreno p'ra grassar ...
Porque o bem de um, sê-lo-ia de todos e o sofrimento de um também pesará em todos os corações !

De acordo com a terminologia actual, essa será seguramente uma família "funcional", porque depois, nos tempos actuais não será seguramente esse, o padrão que ganha em maioria ..
Bem ao contrário parece haver sim uma sanha destruidora daquele equilíbrio, e estatisticamente quase me atrevo a dizer que são as famílias "disfuncionais" as que predominam numa sociedade doente, louca  e ferida de morte.
São irmãos que se hostilizam, detestam e quase odeiam, são filhos que questionam a educação e formação que receberam dos pais e as questionam em permanência, chegando ao ponto de além de extinguirem o diálogo entre si, cortarem mesmo a relação entre as pessoas... são casais desavindos com crianças no meio da linha de fogo, há ódios viscerais de estimação que parecem ter o requinte de se aprimorarem exponencialmente, cavando fossos que se tornam intransponíveis por mais que se tente chamar as pessoas à razão e ao diálogo ...

E no meio desta realidade faz-se o quê ?  É a sociedade que está podre? É o comodismo e o desinvestimento dos que deveriam ser os interessados que não abre portas, caminhos, luzes ?...

E a vida tão curta !!! E os momentos a fazerem-se e a desperdiçarem-se !!! 
E a impotência, a raiva, a mágoa e a dor, neste diálogo de surdos a baixar, a destruir e a corroer-nos por dentro ... até quando ??? Com a morte ali tão perto, a espreitar-nos no dobrar desta esquina ...

Restará alguma coisa ?? 
Conclusões que só se tirarão depois ... quando já não vale a pena, quando hipotecámos os sentimentos, corremos o ferrolho do coração e amordaçámos na garganta o que nunca fomos capazes de dizer ...
... e afinal, chegámos sem nada, digladiámo-nos para termos tudo ... e vamos embora de novo sem nada !!!...

Anamar 

terça-feira, 21 de outubro de 2025

" OUTRA VEZ OUTUBRO ... "



O dia amanheceu cinzento, chuvoso, bem outonal, como aliás vinha sendo previsto pela meteorologia.
Está um dia de semblante aconchegante, sobretudo pra quem não precisa ir para a rua, que é o meu caso.
Já Pessoa dizia que "um dia de chuva é tão belo quanto um dia de sol. Ambos existem; cada um como é "
E concordo totalmente porque embora eu seja uma incondicional "prisioneira" emocional do sol, o intimismo que hoje se sente lá fora, cria aqui dentro uma sensação inegável de ninho, o que nos ampara e embala a alma.

Porque raio tendo eu a começar tudo o que escrevo, a situacionar o meu discurso, nas condições atmosférica que me cercam ?!... Isso deve significar que elas são determinantes ao meu eu interior ... e porque o serão?? Talvez um bom psicólogo o soubesse explicar.
As minhas filhas riem e dizem : "Lá estás tu... se chove, se faz sol, se se aproxima uma tempestade ... se vai estar um mar de rosas ... nunca vi ninguém assim !"
Vou até confidenciar um pormenor que não lembraria ao diabo mais velho ... algo verdadeiramente caricatural ... mas real... o que posso fazer ?! 
Tenho viajado ao longo dos tempos quando, e se posso.  Sinto-me sempre uma itinerante que leva a vida a desenhar roteiros, lugares, terras, gentes, costumes, inacabáveis... visando sempre uma próxima viagem. E claro, achando que vou morrer tendo-me sobrado o mundo inteiro por conhecer ... E como o lamento !!! 
Pois bem... a propósito do sol, que quase sempre persigo,  como referi, cheguei a marcar muitas viagens de avião, pensando nos parâmetros de geolocalização da rota, e a marcar o lugar ( que é sempre junto à janela ), por forma a sentar-me do lado em que o sol me inunde, quer na ida, quer na vinda, se o percurso for obviamente diurno ... Ah, ah, ah ... já é coisa de doidos !!! 😕😏

Bom, mas já estou a afastar-me daquilo que efectivamente era o tema deste meu escrito .

Faz amanhã exactamente um ano, que a minha vida tomou um rumo inesperado, terrível, para o qual eu não estava nem de longe nem de perto, preparada.  Um soco no estômago, um gelo que me desceu às entranhas, um terror profundo que me tolheu, no teor do telefonema que recebi pelas dez da manhã.
Do outro lado, a minha filha mais nova, com quarenta e seis anos à altura, chorava e dizia-me entrecortadamente : "Mãe, tenho um nódulo na mama e há fortes suspeitas que possa vir a ser grave"

Exames de rotina, que no caso dela haviam sido feitos há pouco mais de um ano, cuidadosa que é, até porque profissionalmente está na área da saúde, apanharam, assim, do nada, na maior imprevisibilidade possível, uma situação que paralisa, desde logo momentâneamente, a vida de qualquer um.
Eu acho que numa fracção de segundos desfilam à nossa frente, hipóteses, medos assombrosos, dúvidas, mas também sonhos que parecem desfazer-se, esperança e talvez, imagino eu, aquela pergunta que revolta, mas que inevitavelmente nos cai frente aos olhos :"Porquê eu, se nem sequer existe um historial familiar que pudesse indiciar, um dia, quem sabe, a prevalência da possibilidade do surgimento deste fantasma ?"
Parece, mais que uma partida do destino, uma facada à má fila, feita cobardemente pelas costas, silenciosa e sádica ...

O dia 22 de Outubro de 2024, num Outubro Rosa, inesquecível para mim, mudou-me definitivamente por dentro. A minha vida nunca mais foi ou poderá ser a mesma. 
"Quem é doente oncológico, sê-lo-á enquanto viver ", afirmam os especialistas, os cientistas, todos os que dedicam à exaustão, as suas vidas a tentar uma escapatória, uma saída, uma cura ...
Abordo o menos insistentemente que consigo, com a minha filha, informações, esclarecimentos, dum tema que pra mim se tornou quase tabu, pelo medo com que me assola.
Vivo pendurada de datas de exames, que peço ela me informe e bem assim os respectivos resultados, vivo de "lupa" na mão sobre qualquer sintoma que, claro, logo tomo como suspeito disto e daquilo.
"Estás cansada ? Estás demasiado magra !  Dói-te alguma coisa em especial ?"

Sei que no interior dela também existe um looping de inquietações, de medos, de ansiedades e inquietudes.  Sei que existem, mas ambas somos parcimoniosas com o tema.
Por cima da minha cabeça, existe, em equilíbrio precário, uma espada ... e que cada dia, ou cada resultado tranquilizante, é uma vitória, é uma esperança que se volta a abrir, é o ar que consigo inspirar em maior profundidade ... 
Penso que ambas sentimos uma urgência maior em valorizar os períodos de acalmia, ambas parecemos, sobretudo ela, sorver cada momento, usufruir cada situação, cada experiência, cada dia de vida, com pressa, como se fossem precários e como se de um momento para o outro, esse período de abençoada paz possa terminar ... 

Adormeço por cada dia com tudo isto ... amanheço por cada dia com tudo isto !
A angústia e a insegurança vivem comigo, habitam em mim !...

Não sou nem mais nem menos do que milhões de outras pessoas, que talvez apenas não exteriorizem aquilo que sinto.
Resolvi hoje falar disto, convosco, partilhar talvez com outros, sentires iguais ao meu ... Talvez alivie um pouco !

Que Outubro, tantas e tantas vezes tão negro, possa tornar-se na vida de cada mulher num auspicioso e verdadeiro Outubro Rosa ... Esse, é o meu mais íntimo desejo para o resto dos meus dias por aqui !...

Anamar

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

" SINAL DOS TEMPOS ... "

 


Não sei muito bem por onde pegue neste amontoado de ideias, sensações, convicções ... e dúvidas, quilos de dúvidas que me assaltam o espírito.
Prevejo portanto que este meu post venha a ser um molho de brócolos, ao sabor do caos que me atormenta.

Hoje em dia a Psicologia, a Psicanálise, as linhas de ajuda, os livros que mexem e remexem nos nossos interiores, encabeçam a turbulência que nos arrasta num vórtice louco que chega a deixar-nos tontos.
A sociedade em que vivemos está doente, lembra-me aliás um mar tormentoso onde esbracejamos em desespero de encontrar fios condutores, uma bóia, uma âncora, um norte, uma bússola ... um farol !
As gerações sucedem-se, mas entre a minha e a imediatamente a seguir ( não preciso sequer de cavar nenhum fosso temporal mais extenso ), tudo mudou.  Os valores já não são os mesmos, sequer a validação de muitos deles já tem justificação, a correria é insana e o tempo para "viver", viver mesmo, com leveza, qualidade e sem fantasmas, parece inexistente.
Grande número de famílias é totalmente disfuncional, as pessoas ligaram-se vá-se lá saber porquê, no meio há crianças quase em roda livre, em esquemas parentais perfeitamente alucinantes.
Há patologias objectivamente instaladas, mercê das angústias, das preocupações, das dificuldades que se vivem diariamente, há medos objectivamente experienciados face à insegurança do dia a dia de cada um, mas depois há também, ( convicçção minha ) toda uma profusão exacerbada de sintomatologias que parecem criadas para "vender".

Poderei estar a proferir uma enormidade.  Seguramente estarei. Mas sou absolutamente céptica a uma demonização criada em torno de situações que ao longo de toda a minha vida foram aceites como naturais, e que hoje são tomadas como indiciadoras de comportamentos preocupantemente desviantes.
Explico melhor :  na minha infância sempre houve crianças mais mexidas, mais endiabradas, mais inquietas.  Questões personalísticas, formas de ser, às vezes linhas genéticas a manifestarem-se.
Até aqui, nada de novo, sempre as houve, azar dos pais que tinham que aguentar aqueles diabretezinhos!
O tempo resolveria ... e resolvia, quase sempre.
Hoje em dia, essa desconcentração, esse reboliço, esse quadro de "bichos carpinteiros " à solta, já é sintomatologia de uma patologia desviante a nível de desenvolvimento mental e cognitivo que eventualmente poderia ter sido diagnosticada já quando a criança tivesse 2 ou 3 anos ... já é hiperactividade e défice de atenção, uma patologia associada a um neurodesenvolvimento de avaliação subestimada.
E aí temos nós, pais angustiados, pais que voam de imediato para psicólogos, porque estão perdidos na orientação a tomar ...

De igual forma, as diferentes fases que as crianças atravessam, a teimosia, a negação e outras, são encaradas pelos progenitores carregando sobre si uma culpabilização sem precedentes .  
Não agiram bem, gritaram com os "anjinhos" quando ao fim de um dia esgotante de trabalho, não se policiaram devidamente nas atitudes a tomar, disseram o que não deveriam ter dito, agiram como é errado agir naquelas circunstâncias, discutiram entre si na presença dos filhos, devendo mesmo vir a pedir-lhes desculpas por o terem feito, traumatizaram para todo o sempre aqueles a quem têm que "bombeirar" vinte e quatro sobre vinte e quatro horas por dia ... etc, etc.
Se não, ter-se-á que recorrer ao psicólogo pra definir orientações, perdidos que estão os progenitores ...

Tenho pena das actuais gerações.  Acho que lhes estão a pedir uma prestação de "deuses" e não de pais !
Trabalham de manhã à noite para garantir muitas vezes a subsistência, levam e trazem os filhos para as escolas e posteriormente para as actividades extra-curriculares ( porque são absolutamente "imprescindíveis" ), fazem compras, programam as vidas, monitorizam os trabalhos a serem feitos em casa, têm e devem estar absolutamente "bem", em qualquer situação ... 
Terão tempo para respirar ... pergunto???

Considero que as consequências e a disrupção que estes distúrbios podem causar diariamente na vida das pessoas, deverão ser relativizadas para que sejam evitados sobre-diagnósticos e uma medicalização excessiva para questões que de patológico nada têm ...

Anamar 

terça-feira, 30 de setembro de 2025

" E A VIDA SEGUE ... "


E depois Outubro vem assim na beiradinha de Novembro que é um mês que, pelas mais variadas e insuspeitas razões, eu detesto ...
Desde logo é o mês em que nasci, em que vou contando anos de vida ... ou descontando anos de vida, conforme a análise da questão.

Não tenho contudo muito de que me queixar.  A vida, com os seus trancos e barrancos, com os seus altos e baixos, com os seus caminhos atrofiados alternando com estradas largas e luminosas, no "lavar dos cestos" como soi dizer-se, ainda que abusando da minha mente e do meu coração, tem-me aligeirado, apesar de tudo, os sustos e os percalços que me coloca à frente .
O meu céu ora escurece de borrasca eminente, ora desanuvia e vai deixando o sol espreitar por detrás das nuvens ameaçadoras ... ano após ano.

Viver é um risco, ouve-se dizer com demasiada frequência.  Nada nos permite esquecer que vamos andando por aqui, passando pelos intervalos da chuva;  nada nos faz acreditar em futuros seguros, em dias de amanhã promissores, porque a incertitude de cada momento nos mostra em permanência que a imutabilidade não existe, e se hoje amanheceu uma linda manhã de Primavera, nada garante que o dia não fechará em forte tempestade ...

Mas nada disto seguramente diferenciará a minha vida da dos restantes mortais, a não serem características personalísticas com que não fui fadada.
Há pessoas que sempre olham o copo meio cheio, enquanto que o meu, miseravelmente, sempre me parece meio vazio ...
Advindo talvez seguramente da educação que tive, a minha paleta de cores, sempre é mais para os tons escurecidos.  Já sofro de véspera, sempre navego em águas de um cepticismo reconheço que exacerbado, espero sempre o pior, doentiamente, e quase sempre me maravilho face a desfechos diferentes dos antecipados !...
"Vês desgraças em todo o lado" ou ... "tudo é pesado, carregado, na tua vida" ... dizem-me com frequência, os próximos, sem sequer sonharem quanto sofro com isso ...

Tento domesticar este meu lado negativo.  Trabalho o meu eu interior no sentido de me chamar à razão, mas ... na realidade, caio, levanto-me ... mas sempre esfolo os joelhos !

Desde miúda que a vida me foi apresentada como ameaçadora, como tendo muito maior probabilidade de dar errado, do que certo.
Um peso e uma responsabilidade talvez excessivamente grandes, sempre me foram colocados sobre os ombros e reconheço, tiraram cor, alegria e leveza aos meus dias.  
Era o meu pai que quando eu nasci já tinha quarenta e oito anos e seguramente não viveria para "me criar", com o drama da minha mãe não usufruir proventos com que solucionar essa questão, era a aluna que deveria ser exemplar, sem contemporizações para pequenos desvios e insucessos, era a jovem desenhada e talhada para um casamento formal, enquadrado nos parâmetros da época, acontecesse o que acontecesse, a mãe que deveria abdicar de si própria em prole duma educação e encaminhamento criterioso dos filhos ... doesse a quem doesse ... em detrimento dos conceitos de felicidade, realização pessoal, perseguição dos sonhos ( talvez não muito sonhados ... ) ... e por aí fora !

Em suma, uma existência objectiva e realmente outonal, pesada, escurecida que me guiou e conduziu, deixando marcas, cicatrizes, desilusões, descrédito na vida e nas pessoas com quem fui coabitando cá por este mundo !

Hoje é o último dia de mais um Setembro, a três meses do Natal, em mais um ocaso do tempo...
Lá fora, a noite já se anuncia, os pássaros já recolheram, a aragem já esfria e sobrou o laranja na linha do horizonte ...
É quando o silêncio e a solidão pesam mais aqui, neste lugar de sempre, neste varandim sobranceiro a um espaço que nada me diz e onde as luzes da noite na cidade, que se vão acendendo aqui e ali, apressam as donas de casa de volta aos jantares das famílias.
Mais um dia chegou ao fim !...
Eu e os meus gatos continuamos por aqui, ao som deste tema doce, aconchegante e embalador ...

Anamar

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

" PEDAÇOS ... "


Os dias amarelaram. No céu, de um azul pouco convincente, fraquinho, fraquinho, nuvens esparsas vão seguindo viagem. Um vento desabrido pavoneia-se por aqui e arrepia-nos o corpo.  O Outono assoma.  Hoje já cá está.
Num banco da praceta, alguém que tem como protecção apenas um cobertor, aninhou-se.  Visto cá de cima é uma espécie de embrulho que alguém ali tivesse deixado.  Talvez já se prepare para a noite que chega a passos largos apesar da temperatura o não aconselhar.

Esta época do ano, estes dias melancólicos e de silêncio que parecem esconder uma sonolência triste da natureza, não me fazem bem nenhum.  Parece que tudo deitou para dormir.  Parece que tudo fechou os estores para uma hibernação de desamparo.
Do Outono eu adoro as cores da natureza.  A "caça" aos laranjas, amarelos, castanhos e  avermelhados ou até mesmo o início da queda da folhagem das árvores e arbustos que já completaram o ciclo anual de vida, leva-me a procurar nos programas turísticos, lugares por esta Europa fora onde os encontrasse no intimismo de paisagens inesquecíveis. E sonhar ...
Recordo imagens gravadas na mente, há muitos anos, num Setembro norueguês, onde a simplicidade da vida em meio a uma natureza doce e aconchegante, chamava a passeios pelos campos em busca das flores silvestres sazonais e das bagas dos frutos vermelhos a oferecerem-se às compotas da época ...
E era muito bonito mesmo, a paz que se respirava, os cheiros que nos impregnavam a alma, aquela pacatez no meio da floresta ... os abetos e as coníferas duma forma geral, ainda verdes, erectos na espera das primeiras neves que não demora, os enfeitariam ...

Estou a atravessar uma fase da vida em que a saturação do dia a dia e a vida numa cidade horrível, totalmente descaracterizada, sem absolutamente nada de interessante e que nada tem de semelhante com tempos idos, me deprimem ainda mais.
Com uma frequência nas ruas pouco recomendável, sem um espaço verde de valer a pena, sem uma esplanada de um café para ameno cavaqueio ... nada, absolutamente nada ... cada vez mais e mais me isolo em casa, 
A solução seria sair, ir embora, procurar outros espaços, o que só por si já limita qualquer interesse ou entusiasmo de o fazer. Ter que pegar no carro, fazer-me ao trânsito, à confusão das gentes, retiram-me qualquer vontade que possa existir.
Neste momento anseio apenas por paz, silêncio, natureza ... Neste momento adoraria viver fora daqui.
Sinto-me a adoecer ... a sério, sinto-me a ficar com a saúde mental seriamente afectada.

Este post, como o nome indica, aborda apenas pedaços de mim, nada de relevante que acrescente ou retire nada a ninguém ...
Afinal não há muita escolha no registo emocional para as pessoas que, como eu,  estando já profissionalmente libertas, pertencendo a uma determinada faixa etária, e em que as opções lúdicas propostas são pouco ou nada aliciantes ... além de escrever banalidades ou registos vazios de vida, pouco ou nada interessantes !
Não sei ou me interessa tricotar, nem tenho prendas domésticas, fujo das imagens aterrorizantes das guerras que grassam e dizimam os povos, fujo das notícias catastróficas de desgraças naturais quase sempre despoletadas pelas alterações climáticas trazidas pela mão do Homem, odeio as guerras políticas que devastam os países, os continentes, a nossa sanidade mental ... vou lendo, pouco, pela dificuldade de concentração, descreio cada vez mais no ser humano e nas suas reais intenções ... sobra-me o quê?!

A mata ... o único lugar onde ainda há verde, pássaros que pipilam, gatos sem dono ou casa ... e já nem patos bravos nadam nos tanques ... porque novamente o Homem se encarregou de lhes envenenar as águas ... 😓😓

Anamar 

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

" OUTONECENDO "


Júlio Machado Vaz publicou o seu último livro denominado "Outonecer".
Irei comprá-lo amanhã, pois além de ter sido escrito por alguém absolutamente insuspeito a todos os níveis, profissional, pessoal, e penso que familiar também, habituei-me a admirá-lo. a gostar da sua lucidez enquanto psiquiatra, a apreciar o seu "modus vivendi" neste outonecer em que ele e eu estamos ( temos praticamente a mesma idade ).
A sua análise, abordagem e frontalidade na apreciação das questões que se prendem com a psiquiatria, a sexualidade, a sua avaliação dos afectos e das relações humanas que tanto perturbam uma sociedade cada vez mais doente, sempre me fascinaram, pela objectividade, assertividade e clareza.

Dele, guardo o que para mim é um verdadeiro tesourinho. 
Dada que sou a depressões recorrentes ao longo da vida, umas mais agressivas, outras menos, mas sempre deixando marcas profundas no meu "eu", e porque dada a sua localização geográfica sempre clinicou no Porto, enviei-lhe uma vez, há muitos anos, em desespero, uma carta pedindo-lhe ajuda, e orientação para as minhas mágoas e desordem mental.
Enviei a carta, ele não me conhecia ou sequer alguma vez me havia visto, e como tal, tinha como certo que a carta enviada não mereceria nunca nenhuma atenção privilegiada. Afinal o Professor era uma figura pública extremamente requisitada e ocupada.
Pois bem, Júlio Machado Vaz não só teve a gentileza, a amabilidade, diria até a generosidade de me estender a mão respondendo às minhas palavras, como, não podendo acompanhar o meu caso pela inviabilidade da distância a separar-nos, se disponibilizou, caso assim eu o entendesse, a indicar-me um profissional da área, aqui em Lisboa, com competência para me ajudar ...

Guardo religiosamente essa carta, até hoje.  
Ela, esse gesto, falam, sem dúvida de uma pessoa, definem um carácter, exibem um profissionalismo exemplar e ao mesmo tempo uma sensibilidade, disponibilidade e empatia face ao próximo, que raramente encontramos, sobretudo em determinadas áreas ou patamares sociais e profissionais.
Para mim, este gesto representa o perfil de um médico a sério. Este gesto é duma dignidade, dum altruísmo, dum entendimento do outro, raro, digno só de alguns seres verdadeiramente especiais, particularmente por alcançarem e valorizarem a fragilidade e o sofrimento das patologias silenciosas, como o é a chamada "doença sem rosto" que parece cada vez mais, atormentar e destruir esta sociedade em que tentamos viver ...

Tenho a certeza que irei apreciar profundamente este seu livro, como outros anteriormente publicados.

Obrigada Professor Júlio Machado Vaz ! 
"Outonoceremos" juntos, só que lamentavelmente não no mesmo barco.  A sua paz, a sua natureza, os sons e os silêncios que fisicamente são o seu reduto privilegiado, estão bem longe desta solidão e deste brouhaha infecto da grande e anónima cidade e dos seus casulos herméticos, onde só a distância e o silêncio predominam ... 
Como o invejo !...

Anamar

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

" FANTASMINHAS DOS SILÊNCIOS ..."

 



Sempre o ano começava agora.  Agora que as férias objectivamente terminavam, agora que a criançada já povoa de novo as ruas, agora que se reabriam os livros, os dossiers, até mesmo a pasta, dormida que estivera nos meses de Verão. 
Não sei bem explicar este brouhaha interior que chegava como a última onda da praia, e se instalava, feito um frisson inquieto, que ano após ano se anunciava.

Era sempre assim. Havia uma animação no ar que nos preenchia de uma espécie de expectativa inexplicada, de uma espécie de alegria e de ansiedade que não doía, nem cansava, feita de curiosidade, vontade de rever, encontrar, falar, rir, olhar rostos que deixáramos, fechar abraços que interrompêramos ... enfim, sempre havia um objectivo a atingir, um desígnio a alcançar, um foco ...
E começava mais um ano lectivo !

Hoje, olho para trás e parece que esvaziei por dentro.
O cheiro dos livros e dos cadernos já não impregna este meu espaço, sei que as salas já não me esperam, sei que é como se eu tivesse dado um salto apenas, para as prateleiras onde os livros alinhadinhos  repousam sonolentos, imprestáveis, desocupados ... piscando-me apenas os olhinhos meio cansados e inúteis. Apenas fazendo-lhes companhia ... avivando memórias ... 
Hoje, é como se nem na equipa de suplentes eu ocupe lugar ...
Os meus miúdos mais velhos, todos três universitários, alguns iniciando, outros olhando já o mercado de trabalho, pertencem a departamentos que já não domino ...
A benjamim, numa terceira classe com currícula que pouco me diz, também já nada tem que me mobilize.  Agora é a vez de ser a mãe a afobar-se, a inteirar-se, a desdobrar-se na azáfama instalada ...

E no entanto tudo parece que foi ontem, parece ter sido ontem que pela última vez cruzei aqueles portões de entrada, aqueles portões de uma vida !...

Lá, já ninguém me conhece ... "Onde é que a senhora vai ?"... E eu só quereria franquear uma última vez, à sorrelfa, a porta da sala dos professores... naquela ânsia, quase certeza que ainda haveriam de estar ali, todos, no cavaqueio à volta de camilhas que agrupavam os interesses, as áreas, os grupos disciplinares, de acordo com as especificidades individuais ...
Eram os matemáticos, os de inglês ... mais além Português, ou Física e Química ou Biologia , ou ... ou ... ou ...
E já tantos foram embora !... E já tantos deixaram de responder à chamada ... E já tantos estão tão irreconhecíveis, quando às vezes ainda nos cruzamos, em golpes acidentais, que me confrangem o coração !
O tempo , o malfadado tempo brincou com todos nós, de esconde-esconde ... Deixei uns e que é feito deles ?!  Onde raio se perdeu a gargalhada da Tininha ?  A bonomia da Emília ? Os bordados da Alcina ?  O Moisés, o Arlindo, o Sampaio, a Ana Frade, a Teresa Sobreira, a Celeste ... todos ... tantos ?!...
Não os acho além da minha memória, não os escuto a não ser no som do silêncio ...
Fantasminhas que povoam as minhas lembranças ... palavras, cheiros e cores que se vão esbatendo na espuma dos dias ...

Uma vida ! A vida ... a única que detenho.  Até um dia ... quando for ... em que as portas definitivamente se fecharão !

Anamar

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

" VERDADE OU MENTIRA ? "




Enviaram-me ontem um texto/comentário ao meu último post, aqui do blogue.
Era um texto bem escrito, sem dúvida, mas cuja linguagem não identifiquei como pertencente a alguém conhecido, alguém cuja forma de expressão, me fosse familiar.
Afinal este blogue, sendo publicamente aberto, raramente cria pontes de comunicação com a autora, neste caso eu ...
Há anos atrás, quando eu ainda era bafejada por paciência, curiosidade, até gosto empático por quem eventualmente estivesse do outro lado, dava-me ao trabalho de satisfazer o meu ego, vendo os milhares de leitores que se davam ao trabalho de aqui vir. Existe uma ferramenta que já esqueci, que isso permite. 
Eram muitos, como se vê no ainda presente contador de acessos, provenientes dos cinco cantos do mundo.  Alguns, de sítios tão improváveis, que eu me maravilhava com essa constatação.  Costumava dizer para mim própria que de facto há portugueses em todo o buraco do Universo ...
Acresce que este blogue é muito particular nos conteúdos dos posts, já que não persegue nenhuma linha de pensamento definida, é totalmente aleatório e livre, abordando aquilo que me ocorre, quando ocorre, anarquicamente exposto, aliás, um pouco à minha imagem e semelhança ...
Neste momento escrevo cada vez menos e consequentemente essa instabilidade retórica também dissuade, ou pelo menos, não prende literalmente o leitor, obviamente ...

Mas confesso que o conteúdo texto me aguçou a curiosidade, e a generosidade do mesmo também estimulou o meu lado narcísico ... ( afinal todos temos um ) ...😁
Assim, procurei saber através de quem mo enviou, a origem do mesmo.

Ora bem, que decepção, desilusão ou balde de água fria, como queiram, pela cabeça abaixo !...
Simplesmente ( e parece que infelizmente tudo isto é simples e "normal" nos tempos que correm ... ), o texto fora escrito, em cima do teor da minha exposição, "O desapego", por uma "entidade" fantasma que de imediato me desasou a alma ... a bendita da Inteligência Artificial !
Juro-vos ... nunca me dei bem com fantasmas, nunca gostei ou sequer tentei deixar-me ser manipulada por nada nem ninguém ... mas ainda assim, GENTE !  
Agora, por uma entidade abstracta, difusa, ténue, esvoaçante, cuja "cara" nunca tive o grato prazer de enfrentar, uma coisa absolutamente estranha que tem apenas dois desideratos em relação a mim ( um deles mostrar-me que efectivamente o meu prazo de validade certamente está esgotado, sendo que o outro é deixar-me em permanência a sentir que piso ovos ) ... é algo que senti duma violência absolutamente atroz, como se eu terçasse armas contra um inimigo invisível, incorpóreo, fantoche, com uma dimensão que não se compadece com a pequenez da mente humana ...
A sensação de insegurança, a perda das linhas separadoras entre a verdade e a mentira, a mágoa de não se poder nunca mais saber que dois e dois são e serão até ao fim dos tempos ... quatro ... deixa-me mais perdida ainda, num mundo onde pareço cada vez já menos pertencer !...

Dirão que me armo em "velho do Restelo", dirão que padeço de um ataque de estupidez sem tamanho, dirão que já mofo e que já tenho um pé mais p'ra lá do que p'ra cá, e que repudio e desconheço a necessidade da evolução, do progresso, do avanço...
Nunca instalei o Chatgpt nos meus veículos de comunicação, de informação, de divulgação do que quer que seja.  É que para mentirosos, aldrabões e com "criatividade" exacerbada, já me chegam aqueles, de carne e osso, com quem tenho que conviver diariamente ou que a vida se encarregou de atravessar no meu caminho ...

Desculpem o desabafo, mas senti no meu íntimo mais uma traição ou brincadeirinha maliciosa, do "pseudo-progresso", com que nos bombardeiam a cada canto ...
Verdade ?  Mentira  ?  Como rastrear cada coisa que nos chega às mãos ?  
Verdade ou mentira, como ter a certeza, qualquer dia, que na minha cama não é o Jonas que dorme coladinho a mim, mas um Garfield ranhoso qualquer, criado pela bendita IA ??...

Anamar 

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

" DESAPEGO ... "



"Quem se deserda antes que morra, devia levar com uma cachaporra !"

Julguei que isto não existia.  Só ouvia este ditado à minha mãe.  A minha mãe sempre teve expressões que eu acreditava advirem do regionalismo da linguagem.  O Alentejo usa termos e particularidades linguísticas que nunca ouvi a mais ninguém ... mas ela também era perita em neologismos que fui assimilando sem demais preocupações, e que acabei incorporando no meu expressar do dia a dia.
De quando em vez dou comigo a soletrar palavras, frases, ditados ... sei lá ... e depois pergunto-me : " mas isto existe mesmo ??  As pessoas dizem ou expressam-se assim ?"...
Alguns, pesquiso no google, lá, onde se encontra quase tudo, e acho ... às vezes até acho.  Outros, nem mesmo aí , e já não tenho hipótese de lhe "re-perguntar", porque ela já partiu há muito !...
É quando penso quanto tempo eu já perdi na minha vida !...

Pois é, mas este ditado com que iniciei o meu post, afinal existe mesmo ... e o seu sentido talvez também se entenda facilmente.  
Só que o desapego deverá ser a essência norteadora do ser humano, e ele, o ditado, recrimina esse mesmo desapego, apelando sim, à manutenção das nossas coisas, dos nossos valores, dos nossos sonhos até, para sempre, enquanto por cá andarmos ...

Afinal, em que ficamos ?? Afinal, em que fico ??

Vivo só com os meus dois gatos.  Amiúde, falo deles.  Acompanham-me dia e noite.  
Eles, o lugar onde vivo há mais de cinquenta anos, os mesmos objectos, as mesmas fotos, os mesmos livros, a mesma música ... os meus escritos, e depois uns pequenos baús guardadores de memórias.  Memórias de tempos, de momentos, de pessoas.
De uma concha, uma pedra, uma haste floral seca, um tufinho do pêlo do meu primeiro gato que já partiu há muitos e muitos anos, dois ou três miosótis que acompanharam o meu pai, sobre a lápide do cemitério, um guardanapo de uma qualquer esplanada da vida, um bilhete de cinema com uma data inscrita, uma frase largada por alguém num pedaço de papel rasgado no momento, um cheiro impregnado num farrapo qualquer, nunca entretanto lavado ... uma peça de roupa vestida ... ou despida, numa dada ocasião ... de tudo existe religiosamente guardado !

E guardei, guardei, guardei...
Às vezes ... poucas vezes, por carência, buscava-os em tardes de nostalgia, pensando que me sentiria melhor, mais confortada ao revê-los e senti-los.
Desatava-lhes as fitas de cetim que os fecham, olhava-lhes longamente os interiores e repassava cada pedaço, cada coisa, cada objecto, como se os acariciasse, os embalasse nos dedos e no coração ... 
Depois repunha-os de novo no fundo dos baús.  
E de novo os fechava, de novo lhes fazia o laço de fita e de novo os guardava exactamente nos mesmos sítios, como se ali repousasse uma espécie de sacrário inviolável ...
E ficava pior, sempre ficava mais amargurada, mais infeliz, mais triste, como se aquele património emocional e afectivo que estivera nas minhas mãos, pudesse trazer-me de novo consigo, em tempo real, tudo o que cada coisa representava, e pudesse devolver-me nem que por instantes, a ilusão de uma esperança revivida ... E afinal voltava a ir-se, deixando-me apenas um vazio atroz e doído, maior ainda.
Mais pobre, mais defraudada, mais expoliada  ... injustamente confrontada com a realidade, outra vez ...

E pensava : vou ter que dar um destino a tudo isto.  Essa tarefa só a mim respeita, e não suporto a ideia da inviolabilidade não vir a ser respeitada ... não suporto a ideia da devassa, porque todos aqueles pequenos nadas, são muito, porque foram parte integrante da história da minha vida.

Esta ideia tem-me perseguido, mais e mais à medida que os tempos vão indo.  E sempre adio, pois dói muito alienarmos o coração e a alma, é como se estivéssemos a rasgar-nos um pouco, a deitarmos fora pedaços de nós.

Ontem, num ímpeto, abri a gaveta onde guardei durante quase vinte anos o meu enxoval de lingerie. É verdade que as peças já me não servem, nem servirão nunca mais, é verdade que nele gastei rios de dinheiro, é verdade que ele era lindo, com peças de sonho, como os sonhos que vivi com elas.
E olhando a minha filha, disse-lhe : " Leva, se quiseres ... é tudo teu !"
E pra dentro de mim, eu segredei ao coração espremidinho, enquanto uma lágrima teimosa descia : "Eu fico com as memórias e com os sonhos que elas encerram !"...

Sensação estranha, muito estranha aquela que hoje me toma ao olhar a gaveta praticamente vazia.  Afinal pareço começar a desapegar-me, rumo a uma meta que nunca se sabe quando será !
Mas também não tenho, de facto, muito tempo a perder ...

Anamar

domingo, 20 de julho de 2025

" ALINHANDO APENAS PALAVRAS ..."


Quase não sei falar.  E com as letras no papel também muitas vezes não nos entendemos.
Passo o tempo neste único espaço, a minha casa, onde os dois gatos normalmente não me ligam muito. O Jonas lá vai entendendo muitas coisas e responde ao seu jeito ... afinal são doze anos de convívio ... Agora a outra, coitada, anda meio perdida por aqui, repetindo gestos que se tornaram hábitos sempre às mesmas horas, e dorme, vinga-se a dormir... Persegue a vontade que tenho de também o fazer, mas não faço.
Será que se lembra da mata?  Às vezes penitencio-me de a ter subtraído àquele seu espaço de perigos e sustos, de frio e desconforto, oferecendo-lhe em troca, esta gaiola dourada ...
Mas enfim, cada um cumpre o seu fadário ...

Dizia que quase não sei falar, e é verdade. O silêncio e a solidão por companhia, moldam as pessoas e eu, neste momento sinto-me um pouco farta de gente !

Deixei de conduzir, praticamente. Ganhei uma estranha fobia, e o carro dorme na garagem. Se o uso, ( só para pequenos trajectos ), faço-o super tensa.  Com outros ao volante, sou uma "pendura" desaconselhada, pois admito-me insuportável ...
Antes da Covid nos assolar, tinha ( reconheço-o agora ), um saudável hábito : diariamente tomava o meu pequeno almoço no café aqui perto de casa , que os amigos chamavam a brincar de "o meu escritório".
Como era um hábito que não falhava, criavam-se mesas de grupos que já se conheciam e cumprimentavam, quase sempre aparecia este ou aquele que se sentava para a laracha ... ou se não, eu aproveitava para escrever, ir escrevendo as minhas coisas .
O facto de ir ao Pigalle abrindo o dia, "obrigava-me" a vestir bem ( sempre fui um pouco vaidosa ), variando diariamente de toilette, maquilhava-me, enfim ... arranjava-me.
Pelo menos, nesse pedaço as pessoas viam-se, sabiam-se, quase se tornavam família ...

A Covid mutilou quase tudo nas nossas vidas.  Pessoas morreram, pessoas partiram para as terras de origem ( sobretudo os mais velhos, sem obrigações profissionais por aqui ), as pessoas não se aproximavam com receios fundamentados, pois como se lembrarão, sucederam-se várias "ondas" da doença.
Os espaços físicos das cidades alteraram-lhes os rostos, isto é, com o comércio em queda, muitos estabelecimentos encerraram portas ( alguns não reabriram até hoje ), e tudo mudou. Muita coisa ficou irreconhecível !
Passei a tomar o café da manhã em casa.  Para ir dez minutos à rua, não vale a pena nem sequer ensaiar "looks" variados. A roupa de fora dorme em cima da cama.  Despendurar outra, pra quê ?
Os sucessivos confinamentos apesar de irem sendo aligeirados à medida que a profilaxia medicinal foi dando sinais de estar a quebrar a pandemia, foram alterando tudo, tudo foi, em suma, afastando uns dos outros, isolando as pessoas e criando-lhes novas rotinas ... agora, de mais afastamento, logo mais solidão, logo, menos vontade !

Eu fui ficando mais e mais, eremita, tornei a minha casa, o bunker onde me refugio, nem sei bem de quê, mas que parece ser o único chão onde me aninho.
O Homem é um animal de hábitos. Dizem-me : "Sai ! Obriga-te ! Contraria essa letargia !" Mas eu, nada !
Cumpro algumas, as inevitáveis "obrigações" sociais. Se visito alguém porque esteja doente ou só, vou logo dizendo : " Olha, não demoro, vou aí só por meia hora" ... e não sossego enquanto não regresso.
Promovo de quando em quando umas pequenas reuniões de três ou quatro colegas do antigamente, do tempo do convívio profissional, para um chá e um pastel de nata ...😃😃, é assim que costumamos dizer, apenas porque a minha saúde mental periga, e eu percebo isso.  Nada mais.
As pessoas cansam-me, entediam-me, não me apetece falar nem de doenças, nem de problemas familiares, nem de nada, na verdade, pois além das notícias veiculadas nos telejornais que sempre mais nos inquietam do que nos animam, nem televisão assisto ...
As filhas pouco vejo ( cada uma tem a sua vida e os seus interesses ), aos netos, já adultos, pouco interessa a presença ou o convívio com a avó que quase sempre esteve longe ...
Circulo na casa, de nascente para poente, de poente para nascente, endireito este ou aquele bibelot, olho os pôres de sol, ... Reclamando, mas normalmente ao longo da semana refugiava-me em caminhadas "terapêuticas", pela mata ( ultimamente nem isso, por razões limitativas de saúde ). Restrinjo ao absolutamente indispensável as compras nos supermercados ( e tenho dois à porta de casa ), pouco leio, pouco escrevo, não arrumo nada porque tudo está nos sítios quase sempre, existem coisas que poderia fazer para me entreter, mas por preguiça não faço ... Enfim ... apenas a natureza me equilibra, me aconchega ... apenas o seu silêncio me entende !
Estou a tornar-me num ser anti-social ... e percebo ser este um caminho extremamente perigoso !

Volto-me para o que foi, o que passou, para as certezas que tive na minha vida, sobre o que vivi, com quem vivi, o que conheci ... 
Porque o passado a gente conhece ... o presente é isto ... o futuro, de nada adianta projectar ou sequer sonhar.  Sinto-me com uma quebra de fôlego nessa capacidade ... Acho que os sonhos estão a opacizar-se.  É a escorrência da vida !...

Bom, fico por aqui, são quase 3 h e também me recuso a cumprir regras . Costumo dizer que sou como os bichos ... como quando tenho fome, bebo quando tenho sede e durmo se me apetece ...
E ainda não almocei ...

Até breve !

Anamar

sábado, 19 de julho de 2025

" UM PEDAÇO DE TERRA ..."

 


Cheguei há dias de uma viagem que fazia parte do meu roteiro de sonhos, e que como todas as viagens, neste momento em que o fluxo de viajantes pelo mundo é inimaginável, estava marcada há bastante tempo.
Refiro isto, para que se perceba que apesar dela representar uma realização desejada há muito, não foi totalmente usufruída, por razões de ordem pessoal, relacionadas com a saúde.
Mas enfim, dentro do possível, tentei tirar o máximo partido da viagem à Islândia.

A Islândia é aquela ilha perdida no hemisfério norte, no meio do Atlântico, lá bem no "altinho" do globo terrestre, beijando a norte, o círculo polar ártico, o que significa uma latitude de sessenta e tal graus.
É um país relativamente jovem, geologicamente falando ( 20 milhões de anos ), que devido à sua intensa actividade vulcânica, continua a acrescentar "chão" ao seu território.
Por ele passa a dorsal mesoatlântica, com a proximidade das duas placas tectónicas euroasiática e norte americana, o que "conflitua" a "paz" geológica da ilha, com uma imensa e quase permanente actividade vulcânica, com a erupção de alguns vulcões, com regularidade, e bem assim, os associados sismos devidos ao "pote" de magma líquida existente por debaixo dos nossos pés.
É um país com uma população de menos de quatrocentos mil habitantes, para uma área de cerca de cento e três mil quilómetros quadrados.  Dois terços dessa população reside em Reiquiavique, a capital. 
Apresenta por isso uma paisagem inóspita, caracterizada por um relevo muito acentuado, montanhas, campos arenosos nos sopés, formados por areia negra basáltica, glaciares, lagos e lagoas, cursos de água, esmagadoras cascatas e mar, obviamente mar à sua volta, porque de uma ilha se trata.
É um país com características comuns aos outros países nórdicos que conheço, desenvolvido, calmo, organizado e sobretudo, seguro e pacífico!
A sua população é relativamente jovem, os salários são altos, os impostos baixos, mas a vida, caríssima.
A sua História começa no final de século IX, com a colonização feita pelos exploradores vikings.

Não pretendo ser exaustiva, nem que os meus escritos sejam uma página de agência de viagem, ou tragam algo de novo, ao que qualquer curioso e interessado pelo país, não colha nas páginas da internet.
Não !
O que aqui irei destacar e enfatizar, é apenas a minha visão, e a experiência sensorial sobre o que me levou à Islândia ... a sua beleza natural esmagadora, a sua natureza fascinante, as suas cores, os seus sons e até mesmo os seus silêncios ... as suas lendas, a agressividade do seu mar, a dureza das pedras negras que formam as suas areias, a rudeza do seu basalto amontoado a esmo pelas erupções vulcânicas que mal se anunciam ... os espaços amplos parecendo esquecidos, a falta de horizontes que impeçam que o nosso olhar, o nosso coração e até o nosso sonho vá sempre mais e mais além ...
Foi tudo isso que me preencheu, tudo isso que me fez respirar em pleno, a palavra com que defino a Islândia : LIBERDADE !

Já viajei sozinha durante anos.  Hoje, por razões de segurança, e porque os anos foram passando, viajo em grupo, com agência de viagens.
Esta forma actual de viajar tem obviamente vantagens, até culturalmente falando, uma vez que os guias que vou cruzando, verifico serem profissionais cada vez mais competentes, sabedores, cultos e claro ... são uma rede de suporte fundamental, sobretudo em situações imprevisíveis que possam ocorrer.
Mas para mim, as viagens de grupo têm desvantagens incontornáveis.  Não se consegue usufruir de uma comunhão plena com o que se deseja.  Ninguém respeita por exemplo, o silêncio de quem o anseia.  Quantas vezes procuro afastar-me do grupo, da turba de gente que só está feliz tirando fotografias em magotes, fazendo vídeos com comentários absurdos e apalermados que obviamente ficam gravados e que não interessam nada a muitos dos próximos.  Ou passam à frente, despudoradamente ... e pronto, lá se vai o vídeo, que dessa forma macula aquele momento mítico que se desejaria reter pra todo o sempre ... 

A Islândia propicia muitos lugares de paz e de silêncio, onde só a brisa que perpassava na folhagem se escutava.  
A Islândia é um misto de cores, dos verdes aos castanhos e ao negro da  lava solidificada, ao azul do céu que tivemos o privilégio de usufruir todo o tempo ... o som gorgolejante da água que corre por todo o lado, as espécies e cores das flores silvestres que nunca murcham, a fauna autóctone como os ostraceiros, os cisnes, as andorinhas do mar e as cores inesquecíveis dos papagaios do mar, ave marinha que nidifica nas falésias e é o icone representativo da Islândia ... às ovelhas, cabras e algumas vacas, bem como os cavalos de raça islandesa que pastoreiam em total liberdade, pontilhando as encostas e as planícies.
Não existem grandes agregados populacionais.  Não existem torres de apartamentos nas pequenas cidades.  As casas, praticamente todas, quase sempre revestidas de madeira, usufruem de logradouros à volta, sem muros ou barreiras impeditivas do convívio.
Como a população é absolutamente dispersa, as casinhas de cores vivas, espalham-se, uma cá, outra lá, pelas zonas mais planas, no fundo das montanhas, como se fossem miosótis despontados no meio da turfa que pinta a paisagem.  Parecem pecinhas de lego lá longe, onde a vista alcança ...
O ar é puro, leve, sente-se claramente despoluído !

E depois, p'ra finalizar, nesta altura do ano, em pleno solstício de Verão, o sol da meia noite foi uma fantástica imagem de marca absolutamente indelével na minha vida !...

Foi assim a Islândia !  Senti-la ... só indo conferir ... 😉







Anamar

domingo, 8 de junho de 2025

" DE MIM PARA MIM ! "


Neste momento da vida, custo a enxergar o lugar que ainda me cabe.  Cabe, pessoal, familiar, socialmente mesmo.
Uma coisa é certa, de dia para dia me sinto mais estranha, mais estrangeira, mais desajustada e desconfortável na pele que me pertence.
À minha volta as linguagens são-me desconhecidas, os códigos de conduta indescodificáveis, os valores que eu entendo como parâmetros sociais de habitabilidade e convivência são obsoletos e já parecem não fazer sentido.
Assim, das duas, uma... perante qualquer situação, qualquer questão que se me coloca diariamente, potenciadora de um diferendo de análise, opto por me isolar, me afastar, me silenciar.
É mais cómodo, desgasta menos, cria menos confusão, chatice ou problemas. Por isso, eu que já passo a maior parte do tempo sozinha, falando comigo mesma ou com os gatos que nunca discutem, eu, que esperaria apenas resposta, diálogo ou interlocução eventualmente das paredes desta casa vazia e silenciosa, remeto-me progressivamente mais e mais a um desinteresse e a um afastamento e desencanto por tudo e todos.

Questiono-me se efectivamente estarei desajustada, fora das regras de convivência, ou de adequação à vida em comunidade, se estarei totalmente ultrapassada por tudo até pela conveniência do saber estar com o mundo que me cerca, se já perdi a capacidade de uma análise escorreita, ou se vejo a realidade com lentes desfocadas ou com valores dinossáuricos que já não encaixam nos tempos actuais ...
Devo ser eu que parei no tempo, estou demasiado velha, enfiada num invólucro que já não se usa, está manifestamente ultrapassado ... já não é assim, vejo tudo ao contrário, estou no fundo armada em parva, ou noutra coisa qualquer que seguramente não encaixa nos conceitos do hoje, nesta sociedade tão "avançada" da inteligência artificial !...

Passo a clarificar melhor o desencanto, a mágoa e a angústia que me tomam, ao menos, nem que os mesmos não passem de meros alívios ou desabafos, até p'ra tentar não me sentir cada vez mais incapaz de viver já por aqui ... neste sítio já de não pertença, de incapacidade de sentir que talvez ainda importe, e não comece a ver-me como um mero empecilho e desagradável presença.
Tenho quatro netos, três já adultos e uma criança.  Os adultos, com vinte e quatro, vinte e um e dezoito anos, tendo vivido sem grande proximidade da figura da avó, sequer da casa dos avós, lá se lembram que os têm !... 
Acho mesmo que a política de convivência adequada e pacífica, é aquela de "amigo não empata amigo" e como tal, o meu estatuto afectivo não passa do meramente institucionalizado pelas relações de sangue.
Assim, pouco sei da vida deles, vê-los é raro e acidental.  Às vezes telefono (eu ), na tentativa de um desbloqueio, em temas nos quais nem sequer me mexo confortavelmente.  Do outro lado, o interesse por uma avó que vive só e com uma idade já tabelada pela classificação sénior, não interessa.  Nunca se verifica uma mera palavra, um mero carinho que até poderia ser postiço, só para ... Mas não, nunca é !
O ónus é apenas meu, na óptica e na análise da mãe que entende que já que eu "não plantei", não "colho" !...
Prefiro não pensar no assunto.  Vivo triste, obviamente, mas como quanto mais se mexe na "m.... " mais mal cheira ... faço de conta que ou eu não existo, ou eles não existem ... Fazer o quê, neste contexto ?!
Um dia que eu parta, garantidamente irão ao funeral !!! Disso, tenho absoluta certeza!!! 😁😁

Depois, há a outra, a que ainda é uma criança, a começar a aprender em que mundo vive, como é que as pessoas se relacionam nesse mundo, as regras da convivência, os códigos familiares e afectivos que as regem.
Toda a vida se ouviu dizer que "de pequenino é que se torce o pepino", e consequentemente é a partir da tenra idade que se interiorizam os bons costumes, os gestos educativos, se aclara quais os deveres mas também os direitos que deverão nortear as nossas vidas para todo o sempre. 
Nada disto colide com o afecto, com a ternura, com o carinho que tanto se precisam nos tempos actuais e que nunca serão demais ou prejudiciais a um crescimento saudável. 
A Teresa já não tem os inocentes três, quatro anos em que quase tudo se permite, em que tudo é engraçado, que nada é maculado por más intenções ou segundos e interesseiros sentidos ...
Não, a Teresa tem oito anos é uma miúda super inteligente, vivaça, com um poder de argumentação fora de série.  Mas também já sabe ser manipuladora das pessoas, tirando partido do amor que lhe devotamos.
Sendo uma filha tardia numa família disfuncional ( pois sendo separados os pais, a miúda tem um figurino de vida algo complexo, acrescendo que o pai, trabalhando no estrangeiro, apenas está em Portugal por períodos intermitentes ), e sendo uma filha desejada pela mãe ao extremo, sabe exactamente quando e onde pode tirar partido pessoal desse figurino. 
A Teresa é um doce de menina. Quando está comigo adoramo-nos mutuamente. Ela reconhece os limites sem dificuldade, sabe até onde pode esticar a corda, é cordata e colaborante.  Nunca precisei colocá-la de castigo, sequer contrariá-la, porque ela percebe que se há regras a cumprir, há regras a cumprir ...
Com isso a nossa convivência é fácil e gratificante.

Com a mãe, ela explora normalmente a realização das suas vontades.  Se está a ver filmes e alguém telefona, a Teresa não se dispõe a atender. Não quer falar e ponto ! 
A mãe não obriga, ou melhor, ainda não conseguiu fazer-lhe perceber que na vida, os gestos de carinho devem ser recíprocos, os afectos deverão ser bilateralmente retribuídos, não existe apenas a Teresa no centro do universo e depois os outros, que normalmente deverão estar disponíveis, interessados e ansiosos por agradá-la.  Não é assim na vida.
Além de roçar o que já poderemos chamar de "má educação", a Teresa tem que perceber que magoa, que as pessoas que a cercam podem magoar-se com esse descaso. E isso, eu acho que ela já tem idade e entendimento para o perceber.  Se damos, gostamos também de ser retribuídos.  Assim deverão ser as relações humanas ... não há apenas direitos, também há deveres entre as pessoas !
E ela entende ... eu sei que ela entende !  Terá que sentir na pele eventualmente, mas a vida aprende-se caindo e levantando !!

E pronto, este post traduz fundamentalmente um mero desabafo face ao desencanto que muitos dias vou sentindo no caminho a percorrer !
À medida que o tempo passa questiono muitas e muitas vezes da oportunidade de ainda ter que caminhá-lo sem GPS, pontos cardeais, ou mesmo uma bússola para me orientar neste deserto sem roteiro, onde me sinto mais e mais perdida  !!!

Anamar