segunda-feira, 25 de agosto de 2025

" VERDADE OU MENTIRA ? "




Enviaram-me ontem um texto/comentário ao meu último post, aqui do blogue.
Era um texto bem escrito, sem dúvida, mas cuja linguagem não identifiquei como pertencente a alguém conhecido, alguém cuja forma de expressão, me fosse familiar.
Afinal este blogue, sendo publicamente aberto, raramente cria pontes de comunicação com a autora, neste caso eu ...
Há anos atrás, quando eu ainda era bafejada por paciência, curiosidade, até gosto empático por quem eventualmente estivesse do outro lado, dava-me ao trabalho de satisfazer o meu ego, vendo os milhares de leitores que se davam ao trabalho de aqui vir. Existe uma ferramenta que já esqueci, que isso permite. 
Eram muitos, como se vê no ainda presente contador de acessos, provenientes dos cinco cantos do mundo.  Alguns, de sítios tão improváveis, que eu me maravilhava com essa constatação.  Costumava dizer para mim própria que de facto há portugueses em todo o buraco do Universo ...
Acresce que este blogue é muito particular nos conteúdos dos posts, já que não persegue nenhuma linha de pensamento definida, é totalmente aleatório e livre, abordando aquilo que me ocorre, quando ocorre, anarquicamente exposto, aliás, um pouco à minha imagem e semelhança ...
Neste momento escrevo cada vez menos e consequentemente essa instabilidade retórica também dissuade, ou pelo menos, não prende literalmente o leitor, obviamente ...

Mas confesso que o conteúdo texto me aguçou a curiosidade, e a generosidade do mesmo também estimulou o meu lado narcísico ... ( afinal todos temos um ) ...😁
Assim, procurei saber através de quem mo enviou, a origem do mesmo.

Ora bem, que decepção, desilusão ou balde de água fria, como queiram, pela cabeça abaixo !...
Simplesmente ( e parece que infelizmente tudo isto é simples e "normal" nos tempos que correm ... ), o texto fora escrito, em cima do teor da minha exposição, "O desapego", por uma "entidade" fantasma que de imediato me desasou a alma ... a bendita da Inteligência Artificial !
Juro-vos ... nunca me dei bem com fantasmas, nunca gostei ou sequer tentei deixar-me ser manipulada por nada nem ninguém ... mas ainda assim, GENTE !  
Agora, por uma entidade abstracta, difusa, ténue, esvoaçante, cuja "cara" nunca tive o grato prazer de enfrentar, uma coisa absolutamente estranha que tem apenas dois desideratos em relação a mim ( um deles mostrar-me que efectivamente o meu prazo de validade certamente está esgotado, sendo que o outro é deixar-me em permanência a sentir que piso ovos ) ... é algo que senti duma violência absolutamente atroz, como se eu terçasse armas contra um inimigo invisível, incorpóreo, fantoche, com uma dimensão que não se compadece com a pequenez da mente humana ...
A sensação de insegurança, a perda das linhas separadoras entre a verdade e a mentira, a mágoa de não se poder nunca mais saber que dois e dois são e serão até ao fim dos tempos ... quatro ... deixa-me mais perdida ainda, num mundo onde pareço cada vez já menos pertencer !...

Dirão que me armo em "velho do Restelo", dirão que padeço de um ataque de estupidez sem tamanho, dirão que já mofo e que já tenho um pé mais p'ra lá do que p'ra cá, e que repudio e desconheço a necessidade da evolução, do progresso, do avanço...
Nunca instalei o Chatgpt nos meus veículos de comunicação, de informação, de divulgação do que quer que seja.  É que para mentirosos, aldrabões e com "criatividade" exacerbada, já me chegam aqueles, de carne e osso, com quem tenho que conviver diariamente ou que a vida se encarregou de atravessar no meu caminho ...

Desculpem o desabafo, mas senti no meu íntimo mais uma traição ou brincadeirinha maliciosa, do "pseudo-progresso", com que nos bombardeiam a cada canto ...
Verdade ?  Mentira  ?  Como rastrear cada coisa que nos chega às mãos ?  
Verdade ou mentira, como ter a certeza, qualquer dia, que na minha cama não é o Jonas que dorme coladinho a mim, mas um Garfield ranhoso qualquer, criado pela bendita IA ??...

Anamar 

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

" DESAPEGO ... "



"Quem se deserda antes que morra, devia levar com uma cachaporra !"

Julguei que isto não existia.  Só ouvia este ditado à minha mãe.  A minha mãe sempre teve expressões que eu acreditava advirem do regionalismo da linguagem.  O Alentejo usa termos e particularidades linguísticas que nunca ouvi a mais ninguém ... mas ela também era perita em neologismos que fui assimilando sem demais preocupações, e que acabei incorporando no meu expressar do dia a dia.
De quando em vez dou comigo a soletrar palavras, frases, ditados ... sei lá ... e depois pergunto-me : " mas isto existe mesmo ??  As pessoas dizem ou expressam-se assim ?"...
Alguns, pesquiso no google, lá, onde se encontra quase tudo, e acho ... às vezes até acho.  Outros, nem mesmo aí , e já não tenho hipótese de lhe "re-perguntar", porque ela já partiu há muito !...
É quando penso quanto tempo eu já perdi na minha vida !...

Pois é, mas este ditado com que iniciei o meu post, afinal existe mesmo ... e o seu sentido talvez também se entenda facilmente.  
Só que o desapego deverá ser a essência norteadora do ser humano, e ele, o ditado, recrimina esse mesmo desapego, apelando sim, à manutenção das nossas coisas, dos nossos valores, dos nossos sonhos até, para sempre, enquanto por cá andarmos ...

Afinal, em que ficamos ?? Afinal, em que fico ??

Vivo só com os meus dois gatos.  Amiúde, falo deles.  Acompanham-me dia e noite.  
Eles, o lugar onde vivo há mais de cinquenta anos, os mesmos objectos, as mesmas fotos, os mesmos livros, a mesma música ... os meus escritos, e depois uns pequenos baús guardadores de memórias.  Memórias de tempos, de momentos, de pessoas.
De uma concha, uma pedra, uma haste floral seca, um tufinho do pêlo do meu primeiro gato que já partiu há muitos e muitos anos, dois ou três miosótis que acompanharam o meu pai, sobre a lápide do cemitério, um guardanapo de uma qualquer esplanada da vida, um bilhete de cinema com uma data inscrita, uma frase largada por alguém num pedaço de papel rasgado no momento, um cheiro impregnado num farrapo qualquer, nunca entretanto lavado ... uma peça de roupa vestida ... ou despida, numa dada ocasião ... de tudo existe religiosamente guardado !

E guardei, guardei, guardei...
Às vezes ... poucas vezes, por carência, buscava-os em tardes de nostalgia, pensando que me sentiria melhor, mais confortada ao revê-los e senti-los.
Desatava-lhes as fitas de cetim que os fecham, olhava-lhes longamente os interiores e repassava cada pedaço, cada coisa, cada objecto, como se os acariciasse, os embalasse nos dedos e no coração ... 
Depois repunha-os de novo no fundo dos baús.  
E de novo os fechava, de novo lhes fazia o laço de fita e de novo os guardava exactamente nos mesmos sítios, como se ali repousasse uma espécie de sacrário inviolável ...
E ficava pior, sempre ficava mais amargurada, mais infeliz, mais triste, como se aquele património emocional e afectivo que estivera nas minhas mãos, pudesse trazer-me de novo consigo, em tempo real, tudo o que cada coisa representava, e pudesse devolver-me nem que por instantes, a ilusão de uma esperança revivida ... E afinal voltava a ir-se, deixando-me apenas um vazio atroz e doído, maior ainda.
Mais pobre, mais defraudada, mais expoliada  ... injustamente confrontada com a realidade, outra vez ...

E pensava : vou ter que dar um destino a tudo isto.  Essa tarefa só a mim respeita, e não suporto a ideia da inviolabilidade não vir a ser respeitada ... não suporto a ideia da devassa, porque todos aqueles pequenos nadas, são muito, porque foram parte integrante da história da minha vida.

Esta ideia tem-me perseguido, mais e mais à medida que os tempos vão indo.  E sempre adio, pois dói muito alienarmos o coração e a alma, é como se estivéssemos a rasgar-nos um pouco, a deitarmos fora pedaços de nós.

Ontem, num ímpeto, abri a gaveta onde guardei durante quase vinte anos o meu enxoval de lingerie. É verdade que as peças já me não servem, nem servirão nunca mais, é verdade que nele gastei rios de dinheiro, é verdade que ele era lindo, com peças de sonho, como os sonhos que vivi com elas.
E olhando a minha filha, disse-lhe : " Leva, se quiseres ... é tudo teu !"
E pra dentro de mim, eu segredei ao coração espremidinho, enquanto uma lágrima teimosa descia : "Eu fico com as memórias e com os sonhos que elas encerram !"...

Sensação estranha, muito estranha aquela que hoje me toma ao olhar a gaveta praticamente vazia.  Afinal pareço começar a desapegar-me, rumo a uma meta que nunca se sabe quando será !
Mas também não tenho, de facto, muito tempo a perder ...

Anamar

domingo, 20 de julho de 2025

" ALINHANDO APENAS PALAVRAS ..."


Quase não sei falar.  E com as letras no papel também muitas vezes não nos entendemos.
Passo o tempo neste único espaço, a minha casa, onde os dois gatos normalmente não me ligam muito. O Jonas lá vai entendendo muitas coisas e responde ao seu jeito ... afinal são doze anos de convívio ... Agora a outra, coitada, anda meio perdida por aqui, repetindo gestos que se tornaram hábitos sempre às mesmas horas, e dorme, vinga-se a dormir... Persegue a vontade que tenho de também o fazer, mas não faço.
Será que se lembra da mata?  Às vezes penitencio-me de a ter subtraído àquele seu espaço de perigos e sustos, de frio e desconforto, oferecendo-lhe em troca, esta gaiola dourada ...
Mas enfim, cada um cumpre o seu fadário ...

Dizia que quase não sei falar, e é verdade. O silêncio e a solidão por companhia, moldam as pessoas e eu, neste momento sinto-me um pouco farta de gente !

Deixei de conduzir, praticamente. Ganhei uma estranha fobia, e o carro dorme na garagem. Se o uso, ( só para pequenos trajectos ), faço-o super tensa.  Com outros ao volante, sou uma "pendura" desaconselhada, pois admito-me insuportável ...
Antes da Covid nos assolar, tinha ( reconheço-o agora ), um saudável hábito : diariamente tomava o meu pequeno almoço no café aqui perto de casa , que os amigos chamavam a brincar de "o meu escritório".
Como era um hábito que não falhava, criavam-se mesas de grupos que já se conheciam e cumprimentavam, quase sempre aparecia este ou aquele que se sentava para a laracha ... ou se não, eu aproveitava para escrever, ir escrevendo as minhas coisas .
O facto de ir ao Pigalle abrindo o dia, "obrigava-me" a vestir bem ( sempre fui um pouco vaidosa ), variando diariamente de toilette, maquilhava-me, enfim ... arranjava-me.
Pelo menos, nesse pedaço as pessoas viam-se, sabiam-se, quase se tornavam família ...

A Covid mutilou quase tudo nas nossas vidas.  Pessoas morreram, pessoas partiram para as terras de origem ( sobretudo os mais velhos, sem obrigações profissionais por aqui ), as pessoas não se aproximavam com receios fundamentados, pois como se lembrarão, sucederam-se várias "ondas" da doença.
Os espaços físicos das cidades alteraram-lhes os rostos, isto é, com o comércio em queda, muitos estabelecimentos encerraram portas ( alguns não reabriram até hoje ), e tudo mudou. Muita coisa ficou irreconhecível !
Passei a tomar o café da manhã em casa.  Para ir dez minutos à rua, não vale a pena nem sequer ensaiar "looks" variados. A roupa de fora dorme em cima da cama.  Despendurar outra, pra quê ?
Os sucessivos confinamentos apesar de irem sendo aligeirados à medida que a profilaxia medicinal foi dando sinais de estar a quebrar a pandemia, foram alterando tudo, tudo foi, em suma, afastando uns dos outros, isolando as pessoas e criando-lhes novas rotinas ... agora, de mais afastamento, logo mais solidão, logo, menos vontade !

Eu fui ficando mais e mais, eremita, tornei a minha casa, o bunker onde me refugio, nem sei bem de quê, mas que parece ser o único chão onde me aninho.
O Homem é um animal de hábitos. Dizem-me : "Sai ! Obriga-te ! Contraria essa letargia !" Mas eu, nada !
Cumpro algumas, as inevitáveis "obrigações" sociais. Se visito alguém porque esteja doente ou só, vou logo dizendo : " Olha, não demoro, vou aí só por meia hora" ... e não sossego enquanto não regresso.
Promovo de quando em quando umas pequenas reuniões de três ou quatro colegas do antigamente, do tempo do convívio profissional, para um chá e um pastel de nata ...😃😃, é assim que costumamos dizer, apenas porque a minha saúde mental periga, e eu percebo isso.  Nada mais.
As pessoas cansam-me, entediam-me, não me apetece falar nem de doenças, nem de problemas familiares, nem de nada, na verdade, pois além das notícias veiculadas nos telejornais que sempre mais nos inquietam do que nos animam, nem televisão assisto ...
As filhas pouco vejo ( cada uma tem a sua vida e os seus interesses ), aos netos, já adultos, pouco interessa a presença ou o convívio com a avó que quase sempre esteve longe ...
Circulo na casa, de nascente para poente, de poente para nascente, endireito este ou aquele bibelot, olho os pôres de sol, ... Reclamando, mas normalmente ao longo da semana refugiava-me em caminhadas "terapêuticas", pela mata ( ultimamente nem isso, por razões limitativas de saúde ). Restrinjo ao absolutamente indispensável as compras nos supermercados ( e tenho dois à porta de casa ), pouco leio, pouco escrevo, não arrumo nada porque tudo está nos sítios quase sempre, existem coisas que poderia fazer para me entreter, mas por preguiça não faço ... Enfim ... apenas a natureza me equilibra, me aconchega ... apenas o seu silêncio me entende !
Estou a tornar-me num ser anti-social ... e percebo ser este um caminho extremamente perigoso !

Volto-me para o que foi, o que passou, para as certezas que tive na minha vida, sobre o que vivi, com quem vivi, o que conheci ... 
Porque o passado a gente conhece ... o presente é isto ... o futuro, de nada adianta projectar ou sequer sonhar.  Sinto-me com uma quebra de fôlego nessa capacidade ... Acho que os sonhos estão a opacizar-se.  É a escorrência da vida !...

Bom, fico por aqui, são quase 3 h e também me recuso a cumprir regras . Costumo dizer que sou como os bichos ... como quando tenho fome, bebo quando tenho sede e durmo se me apetece ...
E ainda não almocei ...

Até breve !

Anamar

sábado, 19 de julho de 2025

" UM PEDAÇO DE TERRA ..."

 


Cheguei há dias de uma viagem que fazia parte do meu roteiro de sonhos, e que como todas as viagens, neste momento em que o fluxo de viajantes pelo mundo é inimaginável, estava marcada há bastante tempo.
Refiro isto, para que se perceba que apesar dela representar uma realização desejada há muito, não foi totalmente usufruída, por razões de ordem pessoal, relacionadas com a saúde.
Mas enfim, dentro do possível, tentei tirar o máximo partido da viagem à Islândia.

A Islândia é aquela ilha perdida no hemisfério norte, no meio do Atlântico, lá bem no "altinho" do globo terrestre, beijando a norte, o círculo polar ártico, o que significa uma latitude de sessenta e tal graus.
É um país relativamente jovem, geologicamente falando ( 20 milhões de anos ), que devido à sua intensa actividade vulcânica, continua a acrescentar "chão" ao seu território.
Por ele passa a dorsal mesoatlântica, com a proximidade das duas placas tectónicas euroasiática e norte americana, o que "conflitua" a "paz" geológica da ilha, com uma imensa e quase permanente actividade vulcânica, com a erupção de alguns vulcões, com regularidade, e bem assim, os associados sismos devidos ao "pote" de magma líquida existente por debaixo dos nossos pés.
É um país com uma população de menos de quatrocentos mil habitantes, para uma área de cerca de cento e três mil quilómetros quadrados.  Dois terços dessa população reside em Reiquiavique, a capital. 
Apresenta por isso uma paisagem inóspita, caracterizada por um relevo muito acentuado, montanhas, campos arenosos nos sopés, formados por areia negra basáltica, glaciares, lagos e lagoas, cursos de água, esmagadoras cascatas e mar, obviamente mar à sua volta, porque de uma ilha se trata.
É um país com características comuns aos outros países nórdicos que conheço, desenvolvido, calmo, organizado e sobretudo, seguro e pacífico!
A sua população é relativamente jovem, os salários são altos, os impostos baixos, mas a vida, caríssima.
A sua História começa no final de século IX, com a colonização feita pelos exploradores vikings.

Não pretendo ser exaustiva, nem que os meus escritos sejam uma página de agência de viagem, ou tragam algo de novo, ao que qualquer curioso e interessado pelo país, não colha nas páginas da internet.
Não !
O que aqui irei destacar e enfatizar, é apenas a minha visão, e a experiência sensorial sobre o que me levou à Islândia ... a sua beleza natural esmagadora, a sua natureza fascinante, as suas cores, os seus sons e até mesmo os seus silêncios ... as suas lendas, a agressividade do seu mar, a dureza das pedras negras que formam as suas areias, a rudeza do seu basalto amontoado a esmo pelas erupções vulcânicas que mal se anunciam ... os espaços amplos parecendo esquecidos, a falta de horizontes que impeçam que o nosso olhar, o nosso coração e até o nosso sonho vá sempre mais e mais além ...
Foi tudo isso que me preencheu, tudo isso que me fez respirar em pleno, a palavra com que defino a Islândia : LIBERDADE !

Já viajei sozinha durante anos.  Hoje, por razões de segurança, e porque os anos foram passando, viajo em grupo, com agência de viagens.
Esta forma actual de viajar tem obviamente vantagens, até culturalmente falando, uma vez que os guias que vou cruzando, verifico serem profissionais cada vez mais competentes, sabedores, cultos e claro ... são uma rede de suporte fundamental, sobretudo em situações imprevisíveis que possam ocorrer.
Mas para mim, as viagens de grupo têm desvantagens incontornáveis.  Não se consegue usufruir de uma comunhão plena com o que se deseja.  Ninguém respeita por exemplo, o silêncio de quem o anseia.  Quantas vezes procuro afastar-me do grupo, da turba de gente que só está feliz tirando fotografias em magotes, fazendo vídeos com comentários absurdos e apalermados que obviamente ficam gravados e que não interessam nada a muitos dos próximos.  Ou passam à frente, despudoradamente ... e pronto, lá se vai o vídeo, que dessa forma macula aquele momento mítico que se desejaria reter pra todo o sempre ... 

A Islândia propicia muitos lugares de paz e de silêncio, onde só a brisa que perpassava na folhagem se escutava.  
A Islândia é um misto de cores, dos verdes aos castanhos e ao negro da  lava solidificada, ao azul do céu que tivemos o privilégio de usufruir todo o tempo ... o som gorgolejante da água que corre por todo o lado, as espécies e cores das flores silvestres que nunca murcham, a fauna autóctone como os ostraceiros, os cisnes, as andorinhas do mar e as cores inesquecíveis dos papagaios do mar, ave marinha que nidifica nas falésias e é o icone representativo da Islândia ... às ovelhas, cabras e algumas vacas, bem como os cavalos de raça islandesa que pastoreiam em total liberdade, pontilhando as encostas e as planícies.
Não existem grandes agregados populacionais.  Não existem torres de apartamentos nas pequenas cidades.  As casas, praticamente todas, quase sempre revestidas de madeira, usufruem de logradouros à volta, sem muros ou barreiras impeditivas do convívio.
Como a população é absolutamente dispersa, as casinhas de cores vivas, espalham-se, uma cá, outra lá, pelas zonas mais planas, no fundo das montanhas, como se fossem miosótis despontados no meio da turfa que pinta a paisagem.  Parecem pecinhas de lego lá longe, onde a vista alcança ...
O ar é puro, leve, sente-se claramente despoluído !

E depois, p'ra finalizar, nesta altura do ano, em pleno solstício de Verão, o sol da meia noite foi uma fantástica imagem de marca absolutamente indelével na minha vida !...

Foi assim a Islândia !  Senti-la ... só indo conferir ... 😉







Anamar

domingo, 8 de junho de 2025

" DE MIM PARA MIM ! "


Neste momento da vida, custo a enxergar o lugar que ainda me cabe.  Cabe, pessoal, familiar, socialmente mesmo.
Uma coisa é certa, de dia para dia me sinto mais estranha, mais estrangeira, mais desajustada e desconfortável na pele que me pertence.
À minha volta as linguagens são-me desconhecidas, os códigos de conduta indescodificáveis, os valores que eu entendo como parâmetros sociais de habitabilidade e convivência são obsoletos e já parecem não fazer sentido.
Assim, das duas, uma... perante qualquer situação, qualquer questão que se me coloca diariamente, potenciadora de um diferendo de análise, opto por me isolar, me afastar, me silenciar.
É mais cómodo, desgasta menos, cria menos confusão, chatice ou problemas. Por isso, eu que já passo a maior parte do tempo sozinha, falando comigo mesma ou com os gatos que nunca discutem, eu, que esperaria apenas resposta, diálogo ou interlocução eventualmente das paredes desta casa vazia e silenciosa, remeto-me progressivamente mais e mais a um desinteresse e a um afastamento e desencanto por tudo e todos.

Questiono-me se efectivamente estarei desajustada, fora das regras de convivência, ou de adequação à vida em comunidade, se estarei totalmente ultrapassada por tudo até pela conveniência do saber estar com o mundo que me cerca, se já perdi a capacidade de uma análise escorreita, ou se vejo a realidade com lentes desfocadas ou com valores dinossáuricos que já não encaixam nos tempos actuais ...
Devo ser eu que parei no tempo, estou demasiado velha, enfiada num invólucro que já não se usa, está manifestamente ultrapassado ... já não é assim, vejo tudo ao contrário, estou no fundo armada em parva, ou noutra coisa qualquer que seguramente não encaixa nos conceitos do hoje, nesta sociedade tão "avançada" da inteligência artificial !...

Passo a clarificar melhor o desencanto, a mágoa e a angústia que me tomam, ao menos, nem que os mesmos não passem de meros alívios ou desabafos, até p'ra tentar não me sentir cada vez mais incapaz de viver já por aqui ... neste sítio já de não pertença, de incapacidade de sentir que talvez ainda importe, e não comece a ver-me como um mero empecilho e desagradável presença.
Tenho quatro netos, três já adultos e uma criança.  Os adultos, com vinte e quatro, vinte e um e dezoito anos, tendo vivido sem grande proximidade da figura da avó, sequer da casa dos avós, lá se lembram que os têm !... 
Acho mesmo que a política de convivência adequada e pacífica, é aquela de "amigo não empata amigo" e como tal, o meu estatuto afectivo não passa do meramente institucionalizado pelas relações de sangue.
Assim, pouco sei da vida deles, vê-los é raro e acidental.  Às vezes telefono (eu ), na tentativa de um desbloqueio, em temas nos quais nem sequer me mexo confortavelmente.  Do outro lado, o interesse por uma avó que vive só e com uma idade já tabelada pela classificação sénior, não interessa.  Nunca se verifica uma mera palavra, um mero carinho que até poderia ser postiço, só para ... Mas não, nunca é !
O ónus é apenas meu, na óptica e na análise da mãe que entende que já que eu "não plantei", não "colho" !...
Prefiro não pensar no assunto.  Vivo triste, obviamente, mas como quanto mais se mexe na "m.... " mais mal cheira ... faço de conta que ou eu não existo, ou eles não existem ... Fazer o quê, neste contexto ?!
Um dia que eu parta, garantidamente irão ao funeral !!! Disso, tenho absoluta certeza!!! 😁😁

Depois, há a outra, a que ainda é uma criança, a começar a aprender em que mundo vive, como é que as pessoas se relacionam nesse mundo, as regras da convivência, os códigos familiares e afectivos que as regem.
Toda a vida se ouviu dizer que "de pequenino é que se torce o pepino", e consequentemente é a partir da tenra idade que se interiorizam os bons costumes, os gestos educativos, se aclara quais os deveres mas também os direitos que deverão nortear as nossas vidas para todo o sempre. 
Nada disto colide com o afecto, com a ternura, com o carinho que tanto se precisam nos tempos actuais e que nunca serão demais ou prejudiciais a um crescimento saudável. 
A Teresa já não tem os inocentes três, quatro anos em que quase tudo se permite, em que tudo é engraçado, que nada é maculado por más intenções ou segundos e interesseiros sentidos ...
Não, a Teresa tem oito anos é uma miúda super inteligente, vivaça, com um poder de argumentação fora de série.  Mas também já sabe ser manipuladora das pessoas, tirando partido do amor que lhe devotamos.
Sendo uma filha tardia numa família disfuncional ( pois sendo separados os pais, a miúda tem um figurino de vida algo complexo, acrescendo que o pai, trabalhando no estrangeiro, apenas está em Portugal por períodos intermitentes ), e sendo uma filha desejada pela mãe ao extremo, sabe exactamente quando e onde pode tirar partido pessoal desse figurino. 
A Teresa é um doce de menina. Quando está comigo adoramo-nos mutuamente. Ela reconhece os limites sem dificuldade, sabe até onde pode esticar a corda, é cordata e colaborante.  Nunca precisei colocá-la de castigo, sequer contrariá-la, porque ela percebe que se há regras a cumprir, há regras a cumprir ...
Com isso a nossa convivência é fácil e gratificante.

Com a mãe, ela explora normalmente a realização das suas vontades.  Se está a ver filmes e alguém telefona, a Teresa não se dispõe a atender. Não quer falar e ponto ! 
A mãe não obriga, ou melhor, ainda não conseguiu fazer-lhe perceber que na vida, os gestos de carinho devem ser recíprocos, os afectos deverão ser bilateralmente retribuídos, não existe apenas a Teresa no centro do universo e depois os outros, que normalmente deverão estar disponíveis, interessados e ansiosos por agradá-la.  Não é assim na vida.
Além de roçar o que já poderemos chamar de "má educação", a Teresa tem que perceber que magoa, que as pessoas que a cercam podem magoar-se com esse descaso. E isso, eu acho que ela já tem idade e entendimento para o perceber.  Se damos, gostamos também de ser retribuídos.  Assim deverão ser as relações humanas ... não há apenas direitos, também há deveres entre as pessoas !
E ela entende ... eu sei que ela entende !  Terá que sentir na pele eventualmente, mas a vida aprende-se caindo e levantando !!

E pronto, este post traduz fundamentalmente um mero desabafo face ao desencanto que muitos dias vou sentindo no caminho a percorrer !
À medida que o tempo passa questiono muitas e muitas vezes da oportunidade de ainda ter que caminhá-lo sem GPS, pontos cardeais, ou mesmo uma bússola para me orientar neste deserto sem roteiro, onde me sinto mais e mais perdida  !!!

Anamar

domingo, 27 de abril de 2025

" CATARSE "



Aqui estou num domingo ensolarado, cinco horas da tarde, silêncio total dentro de casa. Da rua chegam acordes de música pimba, em algum palco improvisado desta bendita terra, que distrai as pessoas fiéis ao estilo, de acordo com as datas que transcorrem.  
Hoje certamente trata-se do rescaldo do 25 de Abril ...
Os gatos dormem, cada um para seu lado. O Jonas junto à janela, no sol que não dispensa , a Rita, certamente na penumbra das colchas da cama do outro quarto.  
Não a entendo, veio da mata, sempre viveu na mata onde as madrugadas chegam mais cedo ainda, e onde os dias são claros, luminosos, com verde e passarada até tarde da noite, e só gosta do escuro, ou talvez só nele se sinta segura.  A Rita está comigo há um ano e três meses e ainda não se desarmou por completo face a um movimento mais estranho, um barulho, a qualquer coisa que na sua cabeça de ventoinha lhe inspire cuidados ...

Para amortecer o som da rua que não me apetece ouvir, coloquei agora um CD na aparelhagem ao meu lado.
Sinto-me totalmente vazia.  Vazia e desconfortável como se tivesse perdido por aí, uma parte de mim, como se o meu eu fosse um puzzle inarticulável, um puzzle que perdeu peças pelo caminho... algo amputado e irrecuperável. 
Sinto dentro de mim a confusão de um desnorte em manhã de neblina cerrada.  Sinto-me a viver, só porque respiro, o coração bate, repito gestos, mexo-me, às vezes falo, alto ou baixo, para os gatos ou para dentro de mim ... pouco mais.
Não tenho um foco, um objectivo, uma razão por que ... Nada de importante, nada de valer a pena ponteia a minha vida.  As pessoas têm histórias, vivências, memórias, capítulos a que reconhecem interesse ao lembrar.  Eu sou tomada apenas por três sentimentos ... irresolúveis todos eles : angústia, ansiedade e saudade.

A angústia e a ansiedade apertam-me o peito e a garganta.  Pesam-me quilos sobre as costas, sufocam-me, assomam-me água aos olhos, dor ao coração.
A saudade crava-me garras na carne, quase até sangrar.  A saudade puxa-me lá atrás, exactamente aos lugares e aos momentos que já lá não estão.  A saudade agarra-me pela mão e passeia-me pelas estradas que foram, traz-me as pessoas inalcançáveis porque viraram esquinas, dobraram a folha do livro, sumiram na nuvem que se desfez ...
A saudade acicata-me a alma, porque é a inevitabilidade frente aos meus olhos, porque os caminhos sempre são apenas para a frente.  Na vida não há retrocessos. Reescritas, também não. A vida não tem rascunhos.  Sempre e só o texto definitivo.

O tempo, inexorável, segue adiante.  Há um momento em que são mais os lugares devolutos que os preenchidos e diariamente a vida se redesenha, queiramos ou não, saibamos ou não viver com ela num novo figurino.
De repente, consciencializamos que a realidade que conhecíamos, que nos dava segurança e conforto, que tinha as regras e os parâmetros no meio dos quais nos movíamos, desapareceu, sumiu sem avisar.
Não vale a pena buscar, procurar, tentar reencontrar. 
Pessoas, coisas, lugares, rotinas, as certezas e as  verdades que orientavam os nossos azimutes, os sentires e até a vibração das nossas vivências ... de repente foram, já não estão, escaparam ao nosso olhar.  E de repente também , ficamos numa terra estranha, estrangeiros no nosso lugar, sem pertença ou raiz. 
E tudo deixa de fazer sentido, tudo deixa de ter nexo ou motivo.  Resta o vazio e o silêncio.
A história encerra o capítulo, a agulha percorre a última faixa do disco ...

Anamar

segunda-feira, 21 de abril de 2025

" EU SOU APENAS UM PASSO ... "



Jorge Mario Bergoglio ( Buenos Aires ) - 1936 - 2025

O homem que quis ser médico de um hospital de campanha, foi o primeiro Papa oriundo da América Latina e consequentemente do Hemisfério Sul, jesuíta, que adoptou o nome Francisco, aquando da sua escolha para figura máxima na hierarquia da Igreja Católica Apostólica Romana, e cujo pontificado ocorreu entre 2013 e 2025.


Não sou católica... serei cristã já que em menina fui baptizada nos preceitos, já não sou crente ... ( disso se encarregou a Vida ).

Liguei o telemóvel e as notícias eram claras.  Apesar de já há razoável tempo Francisco estar profundamente debilitado, depois de um longo internamento motivado por uma pneumonia dupla que colocou em sérios riscos a sua vida, havia tido alta e apesar da sua fragilidade física, regressou a casa. 
Fui acompanhando a evolução da sua saúde.  
Ontem, Domingo de Páscoa, vi-o pelas televisões, a dar a bênção Urbi et Orbi, saudando e abençoando os peregrinos da Praça de S. Pedro, a cidade e o Mundo, num abraço que agora me surpreende ... quase lembrando um qualquer e talvez inexplicável sinal ...

A sua voz sumida, claudicante, atraiçoava-o, tendo sido o Mestre de Cerimónias quem leu, depois da Santa Missa presidida pelo Cardeal Angelo Comastri, a mensagem escrita pelo próprio Pontífice, e que derradeiramente, uma vez mais apelava à paz, ao desarmamento, à canalização dos recursos disponíveis para ajudar os necessitados, ao combate da fome e ao incentivo do desenvolvimento, na construção do futuro, ao invés da loucura humana "espalhar a morte entre civis indefesos, que não são alvos, mas pessoas com alma e dignidade".
E que sejam libertados os prisioneiros de guerra e os presos políticos !"... suplicava. 

Francisco, o Papa que assim se intitulou em homenagem a S.Francisco de Assis, que sempre adoptou a pobreza em detrimento do fausto e do luxo, foi um homem absolutamente ímpar e carismático na Igreja de Roma.  Inesquecível, seguramente. 
A voz dos calados e dos silenciados, defensor de todos os homens perante a injustiça, a violência e a incompreensão, independentemente dos seus credos ( o que lhe angariou inimizades dentro da hierarquia a que pertencia ), o homem do diálogo e das pontes, talvez o mais político de todos os Chefes de Estado contemporâneos do Vaticano, morreu na madrugada desta segunda feira, 21 de Abril de 2025.

Não sou católica, como afirmei.  No entanto, tenho que reiterar aqui a admiração, o fascínio, a gratidão até, que aprendi a nutrir mais e mais, ao longo destes seus anos de pontificado, por toda a prestação, coragem, frontalidade, sabedoria, generosidade, abnegação, tolerância, exemplo, que sem arredar pé, sempre moveram as suas posições, dando a cara, envolvendo-se, nunca se furtando a meter a mão no "vespeiro", que não ignoramos, o rodeava.
Francisco, o homem que amava as crianças e norteava os jovens ...
Tudo o que possa dizer-se sobre ele, já foi exaustivamente dito, é do domínio público ... é recorrente .
Desde a guerra da Ucrânia, a guerra no Médio Oriente, as guerras em África, desde as questões da política europeia para os refugiados, do controle da imigração, o repúdio pela construção do muro entre os Estados Unidos e o México, as questões relacionadas com as alterações climáticas ... a condenação do abuso de menores no seio da Igreja, a aproximação a outros credos fora do quadro apostólico romano,  ( como a Igreja Ortodoxa ( "Deus não pertence a nenhum povo " ), bem como a sua bondade e humanidade na abordagem das relações homossexuais ( "Se alguém é gay, busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-lo ?" ).  A integração e não a marginalização, é o caminho para estas questões.
A "purga" feita no Opus Dei ( o que o colocou em risco objectivo, face ao ódio desencadeado na instituição ), bem como a defesa de uma Igreja mais austera que servisse os necessitados, uma Igreja pobre e frugal, que sirva os pobres, de acordo com os valores franciscanos, Francisco partiu pedindo apenas para "ser lembrado com ternura" ...

Certamente, mesmo que o não pedisse, este Papa único na História da Igreja Católica Apostólica Romana, ficará para todo o sempre na memória de crentes e não crentes.

Receio que ele, que diz de si próprio ser apenas "um passo ... e que a Igreja seguirá em frente ", não se tenha enganado, e que muito daquilo por que lutou e se empenhou,  não seja engolido pelos interesses,  conservadorismo e ortodoxia das correntes mais estagnadas e imobilistas da Igreja Católica !

Hoje é um dia triste.  Triste, porque todos ficámos mais pobres e desamparados, talvez menos esperançosos e sonhadores ...

Anamar




sábado, 12 de abril de 2025

" A AUSÊNCIA ..."

 



Já faz hoje sete anos que a minha mãe partiu.
Foi embora de mansinho, sem estardalhaço, com aquela discrição de pessoa humilde que sempre a caracterizou.
A vida permitiu-lhe fechar o ciclo perfeito, pois noventa e sete anos antes, exactamente noutro onze de Abril, numa vilazinha do interior no Alentejo, haveria de abrir os olhos ao mundo, para o bem e para o mal...

Sete anos que me deixaram numa orfandade que não sei descrever.  A sensação de solidão, de desproteção ... a sensação de ausência de referências, de me sentir perdida, têm às vezes uma dimensão atroz e abissalmente doída.
São emoções que contrariamente ao que imaginava, têm-se instalado em grau crescente na minha vida à medida que o tempo passa.  Costuma dizer-se, sobre perdas emocionais e afectivas, que elas nunca desaparecem, mas que o tempo é um conselheiro mestre no seu esbatimento.  Tal como a terra abate, no chão que as acolhe, assim a dor vai amainando, ficando mais difusa e leve para o ser humano que as suporta.
No meu caso, isso não tem acontecido.  De dia para dia, o buraco na alma deixado pela ausência da minha mãe, bem ao contrário, parece recrudescer e é como se a ferida sangrasse tanto ou mais que nos primeiros tempos.
Comunico-me mentalmente com ela quase em permanência, como se ela por aqui ainda estivesse.  Pareço pressenti-la quando a chamo, a questiono, a suplico.  Pareço perceber-lhe respostas, pareço sentir-lhe o amparo ...

Vivo só.  Na minha casa, sou eu e dois gatos.  O silêncio "ribomba", a ausência de "vida" parece respirar-se em cada canto.  São as noites, são os dias ... são de novo as noites ...
Entrei numa escalada de desinteresse, sem rumo, sem foco ... não vivo, sobrevivo apenas.
E ninguém vive se não tiver metas, objectivos, sonhos ... ninguém vive se por cada manhã não sentir dentro de si uma razão, um valer a pena, um incentivo para reiniciar a jornada.  E esses são exactamente os meus dias.  Nada parece justificar-me o reinício.  Nada é suficientemente importante para me reerguer.
E é quando percebo claramente a falta que ela me faz.
Sempre foi uma pessoa de bem com a vida, sem exigências ou vontades elaboradas. Era feliz com pouco, nunca tinha vontades ou sonhos acima do que considerava o necessário e o suficiente.  Sempre tinha uma palavra de compreensão e conciliação.  Vivia em função da felicidade dos outros ... dos seus ... da família.  E procurava sempre aplacar os desacertos de quem a elegia para amparo e ajuda.

Tanta coisa que hoje, só com ela poderia dividir !...  Tantas angústias que hoje, só ela poderia entender !  Tanto amparo e afecto que hoje, só ela me poderia dar !... Tanto colo que já não tenho !...

As pessoas estão nas suas vidas.  Com as minhas filhas tenho uma objectiva dificuldade em comunicar.  Há uma décalage geracional perfeitamente cavada entre nós.  Hoje, eu estou sempre errada.  Hoje, sou eu a omissa por definição, e aquela que parece nunca ter capacidade ou inteligência para perceber o que acontece, que não entendo, que não sabe fazer pontes, mas sim conflituar.
As outras pessoas, têm mais o que fazer. Cada um vivendo ou apenas sobrevivendo, creio ( às vezes vindo à tona à força de esbracejar ), como pode e dá.  Vão também passando pelos intervalos da chuva,  com a resiliência e a coragem que têm ... Não adianta muito, quando nos cruzamos ...
E por tudo isso, remeto-me ao meu canto, cada vez mais.  A paciência é pouca, a motivação decrescente, o interesse não justifica. E portanto, cada vez mais desaprendo a socialização, cada vez mais emperro na linguagem escrita ou falada ... Não vale a pena !
E um cansaço atroz invade-me.  Sei que estou psicologicamente afectada, sei que nada disto me é benéfico, sei que as forças e o empenho claudicam, tropeçam nos dias enormes... que não tão grandes porque parte deles os passo a dormir ...

É então que vejo a minha mãe sentada no sofá da salinha, é então que a oiço com aquela bonomia que a caracterizava, dizer-me : " Não pode ser, filha ... tens que reagir ..."
E a sua mão encarquilhada acariciava-me o rosto, enquanto que o seu colo se agigantava e me aninhava com a doçura que apagava a dor, que injectava a força e a coragem na minha alma ...

Hoje ela já não está ... hoje, estou irremissivelmente SÓ !...

Anamar

quinta-feira, 27 de março de 2025

"MAS O QUE É ISTO ?! ... "



Eu já não pertenço bem a este mundo ...

Voltei a reiterar esta ideia quando fui confrontada na comunicação social, com mais uma notícia escabrosa,  referente  a  um  crime  hediondo  levado  a cabo por  três adolescentes ( entre os 17 e os 19 anos ), sobre uma vítima também ela adolescente e menor ( 16 anos ), aqui num concelho perto de onde vivo.

A adolescente, uma rapariga, frequentadora das redes sociais, terá sido atraída a um encontro pressupostamente com um dos elementos do grupo de três rapazes, que seguia na internet... um "influencer digital" ou em português, um "influenciador" social , um espécime recente, fruto da nomenclatura digital que nos assola diariamente. 
Para resumir e encurtar a notícia, o que se passou foi a armação de uma ratoeira em que a jovem caíu, tendo sido vítima de violação pelo grupo, que não satisfeito, filmou toda a performance exibida e posteriormente a publicou, "heroicamente", na referida rede social ...

Bom, até aqui, infelizmente a repetição nojenta de outras situações de que damos conta vezes demais no nosso quotidiano.
Tenho netos por essas idades e que caminham para lá.  
Assusta-me tremendamente o caminho que é trilhado por uma juventude que atravessa tempos muito complicados a nível familiar, social, escolar e mesmo profissional.
São tempos confusos, tempos de pais ausentes, famílias desestruturadas e disfuncionais tantas vezes, tempos em que os valores, os princípios, as balizas e os limites não são com frequência muito claros, e sendo a adolescência só por si, um período interiormente conflituoso, muitos jovens buscam reconhecimento, aconchego e aceitação junto de amigos, colegas ou só conhecidos, extra-muros.
Os pais não dominam, muitas vezes nem sonham, que tipologia de companhias os seus filhos frequentam.  Não há tempo para tudo, numa sociedade em que a concorrência feroz e a "escravidão" profissional têm contornos esbatidos e a exigência é absolutamente determinante e consequentemente priorizada.

A fuga, quase sempre tornada avassaladoramente buscada, como um vício que se interioriza, são os meios digitais de comunicação ... verdadeiras portas abertas para um mundo que os jovens se enganam, pensando que dominam e controlam ...
Aí aparecem então figuras pardas, caçadores sem escrúpulos que sabem perfeitamente como atingir os seus objectivos e concretizar os seus desígnios ...

"Influencers"... "criadores de conteúdos"... ?? O que é isso? - perguntava eu há dias a alguém, jovem também, que tentou explicar-me esta "habilitação" recentemente chegada ao meu vocabulário.

Quando eu era jovem, de acordo com os valores e parâmetros de normalidade social, um "influenciador" seria alguém que, pela conduta, pelo exemplo, por provas dadas, por correcção de caminho trilhado, era merecedor e tinha a responsabilidade séria de interagir socialmente pelo exemplo, pela afirmação, pela conduta impoluta. 
Era alguém merecedor de ser um exemplo positivamente apontado.  
Seguramente, nunca seria alguém que arrebata multidões de seguidores, pensando tornar-se "ilustre" pela mediocridade, pela marginalidade de posturas, por pertencer à franja negra do "bas fond" social.
Esses, a sociedade expurgava, varria, aniquilava ...
Agora, a admiração por esses energúmenos arrebatadores de incautos, por esses desviadores à solta, parece crescer exponencialmente com a gravidade dos actos que praticam.  Quanto pior, melhor ! 
A perigosíssima vacuidade instalada numa sociedade de aparências, ostentação e desinformação, que não sabe pensar com a sua cabeça e como tal precisa de modelos, arquétipos, guias e bengalas de "lobos vestidos de cordeiros" para alcançar os seus objectivos, haveria de remeter-nos Historicamente a ensinamentos dos quais deveríamos retirar alguma coisa ...

Seguramente já não pertenço bem a este mundo !... 
Tanta coisa que não decifro, não entendo e não consigo assimilar nesta Terra de incoerências, de loucura transversal, de tempos assustadores e altamente preocupantes !...

Anamar

terça-feira, 4 de março de 2025

" MAIS ÓRFÃ AINDA ... "



A minha família no Alentejo ... para mim, a única depositária das memórias do que fomos, de como era e como foi, de quem eram e que histórias foram vividas ... lá, e apenas lá, onde podiam ainda  sentir-se os pedaços e os retalhos das vivências arquivadas, dos fantasmas que por ali se passeiam, e aqueles que fugidiamente nos escapam ... essa minha família, dizia, extinguiu-se ontem, com a partida da última pessoa que me pertencia de sangue e de coração.
A partir de agora, já nada me prende ou me leva ao Redondo !

Àquele cemitério da vila recolheram as últimas lembranças, histórias, alegrias ou tristezas, anos e gerações...
Já pouco estará preservado, penso, e os que lá iam cuidar, limpar, alindar, ocupam agora as campas identificadas apenas pelos nomes e pelos retratos esmaltados incrustados na pedra.  Já não existe ninguém da família, e provavelmente a Câmara terá tomado conta das propriedades ... sim, porque se trata de campas privadas, que se compravam, estando na mesma, muitas vezes, pais e filhos que se acercaram tempos mais tarde. 

Às vezes, anos atrás, quando lá ia, gostava de me passear por aquele "jardim" de silêncios, ouvindo apenas os trinados dos pássaros nos ciprestes e o estalar da gravilha debaixo dos meus pés.
Tinha uma ideia que se foi esbatendo com os tempos, de onde e quem estava aqui ou ali, e quando encontrava, pelos nomes ou fotografia, uma súbita emoção e até mesmo um misto de alegria mergulhada em tristeza, se apossava de mim.
Era como se se operasse um regresso a casa, um retorno à origem, um reencontro, antecipando o derradeiro, que talvez um dia, quiçá, se venha a verificar noutra dimensão.

Eram avós, tios, primos ... apelidos familiares, com sorte rostos conhecidos, ainda lembrados, de quando aquela terra, foi uma espécie de chão emprestado, eu que vivi sem pertencer na verdade a nenhum ...
E depois, ainda que o não quisesse, todas as lembranças, todos os momentos, tudo o que foi experienciado, dito, vivido ... desfilava-me frente aos olhos, como se uma película de filme estivesse a passar em "reprise" ... e os mortos, todos os mortos dançavam uma dança de roda à minha volta, exibindo o sorriso fotográfico, quase sarcástico,  escolhido para a cabeceira da sepultura ... como se dissessem... "acredita, cá te esperamos ... tudo é uma questão apenas de tempo ... "
E já então eu ficava ali, embalada no silêncio, envolvida pela brisa que passava com pés de lã, sem ruído ou perturbação.
Afinal, estávamos num campo santo !...
Costumava fazer estas visitas bem cedo, quase madrugada, para evitar a canícula que o Alentejo garantidamente me proporcionaria, à medida que o sol subisse no firmamento.

E era então que me via com todas as idades possíveis, desde o jogo do pião, aos bailes na Sociedade ... desde os Natais, às Páscoas, as covinhas dos berlindes na terra do largo da minha avó, aos lanchinhos em casa da tia velha, onde eram obrigatórios os bagos da romã e os bolinhos caseiros, guardados expressamente, porque as férias escolares haviam começado e um belo dia a camioneta da carreira, haveria de "desaguar-me", ali mesmo, pertinho de casa.
Era então a vez de eu ser "disputada" pelos diferentes núcleos familiares ... aqui almoçava, ali, lanchava, além petiscava iguarias feitas de propósito, sabendo serem da minha predileção. 
Eu passava diariamente por todos eles, numa espécie de via sacra , e tinha uma tia, inclusive, que exigia que eu me pesasse à chegada, para garantir que no fim das férias eu tinha mais umas graminhas de peso !!!...
Todos me amavam, todos se orgulhavam da miúda afectiva que eu era, da estudante promissora em que acreditavam  eu viria a tornar-me ...
Todos cá, todos vivos ... todos fazendo parte da minha vida ... todos mimando-me e envolvendo-me num colo inigualável ...

Hoje, só existe o que está dentro de mim, e mesmo que quisesse seria incapaz de passar às gerações seguintes, esta história familiar, que não conheceram e nem imaginam sequer como foi. 
O tempo, sempre implacável, acabará por apagá-la, mesmo  das memórias mais velhinhas ... e uma orfandade sentida e palpável percorre-me e deixa-me mais pobre ainda ...

E aquela terra, foi o único ninho, mais ninho que eu conheci !...

Anamar

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

" O MUNDO DE PERNAS PARA O AR "

 

Já tinha dado o meio dia quando pus os pés no chão.

O dia prestava-se, com um céu totalmente fechado e cinzento de borrasca e chuva ininterrupta e forte a desabar.  Sem ninguém à minha espera, sem nenhum tipo de obrigações a desempenhar em relação a nada em particular, com o silêncio total na casa e no prédio, fui ficando, ficando, naquele registo nem acordada nem a dormir, em que a cama quentinha é um ninho que parece proteger-nos, esconder-nos de tudo o que está para lá destas quatro paredes.

Continuo sem me sentir psicologicamente equilibrada, tendo feito o desmame da medicação que tomava, por achar que tudo dependeria de mim, que eu teria força emocional para andar para a frente, independente de químicos.
Não tomava nada de especial, diga-se.  Um anti-depressivo ao levantar e um ansiolítico ao deitar, não fazem milagres.  Aliás, nada dessa natureza os faz, se por nós o não conseguirmos fazer.
Sou infelizmente veterana de depressões, mais fortes, mais leves ... 
Desde químicos até sessões de psico-terapia, por anos e anos ( enquanto pude economicamente suportar ), de tudo vou tentando, toda uma mentalização, reflexão continuada, meditação em que me encaro e tento encontrar-me comigo mesma faço, numa tentativa de auto-centrar-me e buscar a paz interior que me escapa ...

Desta feita, o abanão foi aos limites, limites a sério, com a doença inesperada, impensada, inimaginada, da minha filha, que, apesar de aparentemente tudo se ter encadeado no bom sentido, me retirou sem remédio, a tranquilidade, o equilíbrio, a confiança e a fé em que a página se tenha virado.
Vivo pisando ovos, sinto um mau estar e um desconforto permanentes, que me envolvem de manhã à noite, motivados pela incerteza, a insegurança com a exigência da espera ... espera que os anos que vão passando não tragam demais sobressaltos e que o caminho aponte no sentido do total controle da ameaça instalada, de recidivas poderem aparecer, derrubam-me e tiram-me as forças.
Por isso refugio-me mais e mais no sono, no silêncio, no isolamento.  Fujo das pessoas, para as quais não reúno o mínimo de paciência, nem para ouvir, nem para falar.
Os temas, na minha faixa etária são quase sempre os mesmos ... temas tristes, doenças, mortes, pois parece que a vida já não nos guarda um quinhão, por pequeno que fosse, de emoção no bom sentido da alegria, da realização, do sonho, dos projectos, de focos ... de metas a alcançar.  
Metas coloridas, estradas atapetadas das flores de Primavera que sempre despontam cheias de força e beleza ... nada !

E por isso, a angústia dos meus dias é tormentosa, retira-me toda a vontade de os viver ...

Também, este mundo está irreconhecível, ou talvez mais irreconhecível do que alguma vez o senti.  Pareço um ET que desceu de outro planeta e por aqui aterrou !
Não percebo a linguagem, não sei ler as condutas, não me entendo com o que me rodeia ...

Desde as atrocidades loucas das guerras, onde tudo é possível e nada importa, em sociedades sem rei nem roque, onde um alucinado presidente de uma das maiores potências mundiais, quer tornar a faixa de Gaza num resort de luxo, onde ele é obviamente a figura central, num desrespeito total e aviltante.  Em que essa "brincadeirinha" sem ter pelo menos pudor, desconsidera os mortos, os sem tecto nem chão, os que têm a vida destruída para todo o sempre ... 
Ou que, do outro lado do planeta  malévola e hipocritamente pilha aleatoriamente a massacrada Ucrânia, um país soberano, destruindo ainda mais o que já já está destruído, matando indiscriminadamente militares e civis, velhos, mulheres, crianças, enquanto ele e o louco do seu amigo a quem nem a inteligência artificial seria capaz de alinhar, se divertem com insofismável e intocável cinismo ... em nome dos milhões de dólares que aferrolham em seu benefício ... onde até a democracia, no país da Liberdade, parece perigar ...

E tudo isto passa a ser normalizado.  Tão normalizado que até o elegem de novo para gerir os destinos de uma nação, de um continente ... do Mundo ...

Estarei a ver bem ou também já tenho o cérebro toldado ?!

Há um ano, aqui na cidade que habito um cidadão que dispenso classificar, "influencer" de profissão, ( seja lá isso o que for ), profissão certamente muito "digna e honrada" das redes sociais ... sinal dos tempos ... um cidadão, dizia eu, de trinta e poucos anos, ao volante do seu BM, com telemóvel no ouvido, em dia de chuva e penso que sobre a noite, atropelou, numa passagem de peões, uma jovem, e fugiu, sem se preocupar com o que deixara feito, e sem prestar o devido socorro e auxílio.
A jovem ficou bastante maltratada, e decorrido um ano ainda não pode trabalhar ...
A polícia não conseguira identificar até hoje o autor da façanha, não fora o autor da mesma, com a mais profunda "inteligência", desfaçatez, ironia e loucura ( diria eu ), ter contado a um amigo, com todos os pormenores, na busca de um protagonismo miserável, num vídeocast nas redes sociais, rindo e gozando com a situação.
"Vi que atropelara uma pessoa, estava no telemóvel e não dei por ela atempadamente, e "oh abre !...  fui-me embora"... E ri, ri muito !!! Atontadamente ri-se ... coitado ...

E nós assistimos a isto, e fica assim ??  Agora, "por segurança" como diz, foi uns tempos para fora, antes que fosse "dentro" ... e antes que lhe limpem o sebo face às ameaças de que está a ser alvo, segundo ele.  Apanhou o aviãozinho e pirou-se ... para onde, para onde?? Para Angola, "passar uns dias de férias" !
Como a inteligência é o seu forte, fez um novo vídeo, já do avião, classe executiva, aponta para a área económica e com o mesmo ar debochado com que narrara o seu feito rodoviário, diz : " Ali é a zona dos reles ..." 
E posta de novo nas redes sociais, Tiktoks, Instagrams, Youtube ... !

Uma pérola, isto tudo !!!
Tudo isto dispensa comentários, claro !!! 

A postura deste fulano obriga-me a compará-lo por exemplo aos tão atacados imigrados no nosso país, que, por exemplo, ao volante dum TVDE, para ganharem uns parcos tostões, começam de madrugada, com chuva, sol, frio ou calor, a "vergarem a coluna", para que economicamente lhes valha minimamente a pena, o dia de trabalho.
Sem condições, quase sempre vivendo nas fímbrias da sociedade, alguns mal falando a nossa língua, chegaram de países distantes, Índia, Paquistão, Sri Lanka, Brasil, etc, tendo posteriormente muitos deles, trazido a família, numa precariedade de vida,  transportando  pessoas,  géneros  alimentares  e outros,  na  perseguição  dum  sonho  e  de  um  direito ... VIVER !
São acusados, perseguidos, ostracizados, maltratados, alguns roubados e agredidos.
Viajo com alguma frequência nestes transportes, e por sorte, ou talvez não, sempre encontrei pessoas com educação, gentis e prestáveis.
O Tiago Grila, nome do energúmeno psicopata, precisava era saber o que custa, na verdade, a vida.  Mas a vida de verdade, não a que ele vive na brincadeirinha !
Nojo é o que sinto por estas personalidades, e um castigo justo é o que espero da nossa justiça !

Entretanto, o Papa Francisco tem estado entre a vida e a morte, e continua reservado o seu prognóstico ainda que apresente algumas melhoras.
Tem 88 anos e uma saúde débil.  Eu não sou católica, mas isso ainda me faz respeitar e admirar mais este Papa, que em tempos socialmente tão difíceis, sempre marcou a sua posição e nunca se demarcou dos conflitos e injustiças mundiais, defendendo e estando sempre ao lado dos mais injuriados desta Terra, das minorias, trabalhando para criar pontes até entre as diferentes religiões.
E nesta altura, historicamente tão complicada para a Humanidade, se a sua voz se calar, isso poderá considerar-se uma injustiça divina !
Defensor dos direitos humanos, os direitos dos imigrantes, os mais desfavorecidos e estropiados pela vida, a defesa do ambiente, sempre se posicionou como alguém presente e foi interventivo, assumindo posições críticas contra a postura dos governos prepotentes e ditadores, como a Rússia, a Venezuela, entre outros, apelando ao bom senso dos dirigentes israelitas no conflito do Médio Oriente, ao governo italiano com Giorgia Meloni a encabeçar uma postura de rejeição face aos migrantes que morrem aos milhares na travessia do Mediterrâneo numa tentativa de chegarem à Europa buscando um lampejo de esperança ... 
O Papa Francisco, agora é que não pode ir embora !!!...

E pronto ... extensíssimo este post!  Nele transparece a minha insatisfação e inaceitação do mundo em que vivemos, no qual já não me sei mexer, no qual quase já não me identifico, e que neste momento é verdadeiramente um mundo de pernas para o ar !...

Anamar

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

" COISAS DOS TEMPOS QUE CORREM ..."

 


A mata já está assim ... É uma profusão de azedas, num manto interminável por todo o lado.
O amarelo luminoso das corolas abertas ao sol ainda fraco, lembra que a Primavera anuncia a sua futura chegada, qualquer dia, um dia destes ...
A passarada entretanto também anda num rodopio lindo de se ver e ouvir.  Os melros de bico amarelo que escassearam nos rigores do Inverno, esvoaçam de ramo em ramo, pousam nos caminhos, trepam aos troncos mais altos das árvores, vivem paredes meias com os periquitos de colar ...
É a vida a manifestar-se através de uma natureza generosa que vai cumprindo o destino ano após ano !

Aqui perto de mim, num terraço ao lado, ao nível de um oitavo andar, um casal de gaivotas prepara-se para nidificar.  Por certo descobriram algum recanto protegido e foram ficando. O mês da postura é Abril, e eu estou imensamente curiosa com o que dali sairá ...
 Eu costumo chamar às gaivotas dos meios urbanos, de mercenárias, pois aparentemente recuam do seu habitat natural, as ravinas e as falésias costeiras, cada vez mais para as cidades, onde parecem encontrar comida fácil.
Li que sendo aves oportunistas, aproveitam-se dos desperdícios que os humanos deixam ao Deus dará, com lixos a céu aberto e não protegidos, para se alimentarem sem grande trabalho de procura.
Estão a começar a tornar-se uma espécie de praga com os consequentes prejuízos inerentes à sua presença excessiva por aqui, e já há municípios que estudam a forma como deverão proceder para fazerem um controle equilibrado desta sua absurda escolha de vida.

Para mim a gaivota sempre se associou emocionalmente à definição de liberdade.  Para mim a gaivota sempre teve e tem uma conotação poética de sonho, independência, fantasia e da tal liberdade que liga distâncias, pessoas, destinos ...
Olho-as e sigo com elas pelos céus fora, invejando-as, viajando nas suas asas esticadas, em bailados preguiçosos na aragem que corre.  E com elas pareço ver o mundo de cima, com elas atravesso borrascas, cumes de serras, até à amplidão do mar, lá longe ... onde o fim não se divisa, e onde as escarpas altaneiras ou a babugem das marés rendilhadas nas areias desertas, guardam os gritos que lançam, e onde ecoam os grasnidos da linguagem que só elas decifram ...

Por isso, tenho pena das gaivotas das cidades.  Parecem peças retiradas de puzzles equilibrados, parecem figuras grotescas desinseridas, cumprindo pena num lugar que não o seu, ocupando de uma forma  bizarra a moldura de um casario incaracterístico, empoleiradas nos lugares mais  inapropriados, onde definitivamente não pertencem ...
E entristeço ao vê-las ... 

Em tempos "tive" uma gaivota, como costumo dizer.  Era atrevida, a sacaninha ... Rasava-me a janela, espreitava-me curiosa piscando os olhos afoita, dançava-me no vento, na brisa preguiçosa de céus cinzentos, bem aqui à minha frente.  E desafiava-me o sonho, espicaçava-me a ilusão, era estafeta dos meus pensamentos ... de cá para longe, onde eu acreditava haver quem os decifrasse ...
Deixou de vir. Tudo acaba nesta vida !...
Hoje tenho o bando disperso , como já contei um destes dias.  Mas um bando, não é uma gaivota ... aquela ... a "minha"... 😒

Tenho uma ternura especial para com as aves.  Acho que é inveja.  Inveja pura e dura, por não ter nascido com asas ...
Em tempos tive viveiros, bem sofisticados de canários e periquitos, construídos à medida, nos tempos maravilhosos da pequenada se deslumbrar com os caminhos da criação ao crescimento das famílias ... Era por uma boa intenção, mas, que grande malvada eu fui !... 
E eu lá percebi que pássaro, não é p'ra viver preso em cativeiro, mesmo que a prisão seja dourada ?!...

Em menina, nos saudosos tempos do Alentejo, na cidade que mais amo, Évora, vivia bem em frente ao Fomento, uma empresa que tinha uma  chaminé de tijolo, altaneira, desafiadora dos céus.  Acho que ainda lá está.
Todos anos, no dealbar dos tempos primaveris o topo da chaminé era habitado por uma família de cegonhas, ano após ano, onde acasalavam, nidificavam e procriavam ... sempre no retorno ao ninho antigo ...
No Inverno rigoroso do Alentejo, os hóspedes partiam em demanda do calor do norte de África, e o ninho esvaziava-se até ao ano seguinte ... E era triste vê-lo vazio, despedir-me das ingratas !...
Não sabíamos era exactamente quando voltariam.   Até que um belo dia, manhã cedo, a  minha  mãe entrava-me  quarto  adentro e  dizia-me :  " Anda, levanta-te, vem ver quem chegou !" 
E era uma epifania !...

Sempre assim ... Depois, cresci ... 😌😌




Anamar

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

" O HOMEM E A OBRA "


Estou a ler um livro muito interessante, uma biografia do Professor Doutor Sobrinho Simões, da autoria de Luís Osório, um jornalista, um comunicador radiofónico, mas sobretudo um cronista de referência, um escritor cuja escrita aprecio particularmente. 

O livro divide-se em capítulos com abordagens distintas sobre a vida desta figura pública, médico conceituado da cidade do Porto, e foi escrito ao longo de largas e demoradas conversas com o Professor.
Sobrinho Simões, filho, neto e bisneto de médicos, com uma irmã e dois filhos igualmente médicos, figura incontornável na área da oncologia, em particular da tiróide, e que aceitou falar de si, do seu percurso, das suas aspirações, dos seus medos, das suas dúvidas e certezas.
Com setenta e oito anos, está obviamente jubilado, foi anatomopatologista, especializado em diagnóstico e investigação em doenças oncológicas, foi catedrático de Anatomia Patológica na Faculdade de Medicina do Porto, fez um pós-doutoramento no Instituto de Cancro da Noruega, em Oslo, entre outros caminhos que perseguiu ao longo da vida, com brilhantismo, genialidade e maestria.
Este livro intitula-se "A última lição de Manuel Sobrinho Simões".

Do que já li, sinto-o um homem muito "gente", com as angústias, as inseguranças, os medos mas também a determinação e a busca incessante de respostas assertivas, de soluções fundamentadas, de rotas sustentadas numa busca interminável de soluções.
A vida, mas também a morte, povoam-lhe o quotidiano. A certeza de que "nunca houve um animal tão eficiente e simultaneamente tão desgraçado quanto o Homem", convive com a sua realidade. "Tem medo de animais e adora plantas porque "não chateiam", não se relaciona com Deus mas é quase crente, tem mais medo do cancro do que de outras doenças ... receia o sofrimento e a solidão ... tem medo de tudo , admite".
Define como sentido para a vida , " genes, ambiente e sorte, mais nada " !...

Fala no elitismo absurdo incentivado, clivando distanciamentos entre médicos e enfermeiros, e da falta de proximidade de médicos formados com notas teoricamente imbatíveis, mas em que a humanização imprescindível e indispensável do toque para com o paciente, é praticamente inexistente, é um "non sense" intolerável e inaceitável, numa sociedade cada vez mais desumanizada e indiferente. 

Fala de tantas coisas que nos passam também pela cabeça...  
É uma personagem intrinsecamente humilde, como sempre o são os grandes Homens.  É um homem de partilha do saber, da criação de pontes, de trabalho de equipa, sempre incentivando os benefícios do trabalho grupal na esfera do conhecimento. Um afrontador do individualismo, da competição no que ela possa ter de mais negativo e um feroz defensor da dialéctica, da partilha de conhecimento, da profundidade analítica na corrida pela solução de um dos maiores monstros em termos de saúde que o ser humano encara, nos tempos actuais : o cancro !!!

Neste momento, embora não tenha a menor formação científica nessa área, embora seja mera espectadora da realidade social vivida na esfera da saúde, tento, como simples aprendiz, perceber como, nos dias de hoje, além de todo o conhecimento e especialização, além de todo o desenvolvimento tecnológico que é uma ferramenta privilegiada ao serviço dos especialistas, além de todas as armas impensáveis de que dispõem, é ... foram e serão indubitavelmente todo o trabalho e dedicação como foco de vida em prol do ser humano, os únicos capazes de forjar os grandes "arquitectos" e os grandes ícones que ficarão para sempre na história da Humanidade !

Anamar 

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

" MEMÓRIAS "

 


Da torre sineira da igreja soam as doze badaladas.
O dia não está famoso.  Não chove, o céu enfeita-se de nuvens errantes, que se deixam atravessar por um sol pouco fiável, mas o vento que sopra lá fora é desabrido.  É Inverno, afinal !...

Há dois dias que não desço sequer, a esta praceta desinteressante, limito-me a subir e descer as persianas a bem das plantas, como o que há no frigorífico, de preferência, se confeccionado. 
Nada justifica ter de me vestir para compras, num dos dois super-mercados que me ficam no rés-do-chão ...  
Não me apetece ! Até um simples pacote de leite e uma torrada ou duas bolachas me chegam para não enfrentar o mundo lá fora.  Não me apetece encontrar rostos familiares, perguntas repetidas, respostas feitas ... Não me apetece !
Afinal eu vivo num mundo de silêncios, em brumas nebulosas, num mundo que não interessa e daria demasiado trabalho a contar aos estranhos ...
Tocam à porta ... não me chateiem aqui na paz da minha toca !
Não estou para ninguém ...

Mas estou para elas ...
A torre sineira solta as doze badaladas, como disse, depois de uns acordes religiosos quaisquer, e eis que o bando se avista ... Todos os dias, à mesma hora não me defraudam ...
Aqui bem por cima e frente à minha janela, dezenas de gaivotas, enfrentando a aragem, exibem um bailado de liberdade ao sabor do vento.
Em tempos, "tive" uma gaivota.  Rasava-me a janela, exibia-me a plumagem e eu acreditava que ela me trazia notícias lá de longe, desde as ravinas abruptas, ao cheiro e ao sabor da babugem das ondas rendilhando os areais.  Eu acreditava que ela era a minha mensageira da paz, da saudade, da memória ...a estafeta das minhas emoções ...
Hoje, em dias e horas incertas, pousa elegante e desafiadoramente uma gaivota garbosa e altiva, na esquina do terraço ao lado.  Meneia a cabeça, alisa vaidosamente as penas, apoia-se criteriosamente ora numa pata ora noutra, bate o bico em chamamento e olha, com aqueles olhinhos espevitados, quem a observa de longe ... eu !
O meu gato, apesar de eu o incentivar a aproximar-se da vidraça ( coisa que suponho, o deixaria muito feliz ), não está para se maçar... Assim como assim, ela está demasiado longe ...

E o bando, impreterivelmente a essa hora, brilhe o sol ou caia água desbragada da abóboda cinzenta aqui por cima, chega, dança, exibe uma performance invejável, asas estendidas, pernas recolhidas como verdadeiras "prima-donas" num ballet invejável e inimitável ...

Eu fico como que hipnotizada, fascinada, solta e liberta, como se fosse eu que deambulasse à boleia de uma delas, nas ondas da correnteza, a tentar ver um mundo melhor cá por baixo ...
Não mexo, não falo ... só olho, só as acompanho com o coração e a mente ...
Até onde irão ? Porque respeitam o relógio dos Homens, se elas são bichos livres e, como eu, sem horizontes, caminhos ou metas?!
Porque não me levam, se aqui por baixo já não há nada de interessante ??!! ?

A melancolia toma-me.  A saudade também... sensação estranha !!!



Anamar