quarta-feira, 18 de junho de 2008

"Afinal...era só um pombo..."







Não gosto particularmente de pombos...

Desde que vi então "Os pássaros" de Hitchcock, ainda menos.

Eu bem sei que aquilo lá não são pombos, creio (estão mais p'ra gaivotas). Mas aquela nuvem compacta sempre por cima das nossas cabeças é um pouco ameaçadora.

A minha praceta, como aliás muitas zonas da cidade, está infestada dos ditos e para lá de todos os "estragos" a vários níveis que nos causam, eu sei que são facilmente transmissores de doenças.

Não é gratuitamente que são chamados os "ratos do céu".

Empestam o espaço com aquele cheiro peculiar a "capoeira", sujam insolentemente os vidros das janelas, na maior "lata", quando resolvem postar-se nos telhados "de costas" para a rua...E depois, acho-os estúpidos...estúpidos ou crédulos...Acreditam que o ser humano partilha com eles de tal forma os espaços e os lugares, que mesmo que sapateiem com ar desafiador, à frente dos nossos carros, jamais serão atropelados.

Ora, é deprimente o espectáculo na calçada, das "tostas mistas" de pombo, feitas pelos carros, autocarros e por pouco, também pelos sapatos dos transeuntes que com eles dividem o empedrado!

Eu, tenho essa fantasia horrorosa...a de poder atropelar um pombo, e dou por mim a buzinar-lhes insistentemente, a travar até ter a certeza que não estão mais no trilho dos rodados do meu carro, a sentir aquele arrepio na espinha, só de imaginar o "crocante" que seria, enquanto vou dizendo em desespero : "Ai pombo! Sai daí!..." (como quem diz : "Que sufoco!"...)

Lá se desviam então, incomodados, regressando estupidamente segundos depois. Isto, quando não nos fazem, em bando, aqueles voos rasantes!...

Receando que o "radar" não funcione na perfeição, sempre imaginamos quando é que um deles calcula mal o "raid aéreo" e esbarra connosco...

Cruzes, credo!!...Isso é coisa de poder dar-nos pesadelos nocturnos!...

Bom, mas hoje a história foi outra...e foi tão só a imagem real e viva da solidão da Morte, retratada na morte de um pombo...

Numa janela de cave, rés-vés às pedras da calçada, num pedacinho de sombra ainda não inundada pelo que prometia ser o calor de uma tarde tórrida de Verão, estava só, ainda sobre as patas suportando o peso do corpo, com a cabeça no parapeito... Aninhado, os olhos cerrados, o corpo exangue, numa imobilidade petrificada...sem uma queixa, sem um frémito ou estremecimento, sem uma súplica...

Eram... "aquele pombo" e a solidão, a desistência, o cansaço, o torpor, a capitulação...a Morte a rondar por perto, implacável nos minutos que corriam, com o sol a crescer, a crescer, prometendo sufocá-lo ainda mais!

Para mim, deixara de ser "aquele pombo"...Era tão só o retrato fiel da morte...

A morte indistinta, a morte anónima, a morte sem revolta, quieta, a morte com todos os seus "condimentos" de sofrimento, de ausência, de abandono, de indiferença...

Era já só a "espera"...a espera que se cumprisse o "ciclo"; a espera que o ponteiro rodasse até onde o destino determinara que rodasse...a espera que o sol, caridoso e complacente, acabasse depressa com aquela tortura!...

E as gentes passavam...

Era só um pombo...um, entre muitos, que, como disse, nos perturbam...

Anamar


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