sexta-feira, 20 de junho de 2008

"Talvez uma real utopia (?)"

Fui filha única, serôdia, num casamento de pais já nada novos. Quando nasci, tinha a minha mãe trinta anos e o meu pai quarenta e oito. Para o meu pai, tratava-se de uma segunda relação.
Nasci no Alentejo interior, numa aldeiazinha de que não guardo memórias, dado que a deixei pelos dois anos de idade e não mais lá voltei. A minha infância passou-se numa cidade, talvez a mais carismática desta província, Évora, que por si só dispensa maiores apresentações.
Cidade gostosa, doce, "uterina", onde alarguei raízes até à adolescência.
Sempre que posso, regresso, revejo, revivo, reidentifico-me...
Ela está lá, fiel sempre no que me transmite...agora...como então...
Tenho no sangue e nos genes as marcas do Alentejo, penso (já que o sou dos "quatro costados" como soi dizer-se...ou seja, de mãe e pai...)
Tenho na alma o ensimesmamento dos silêncios daquelas terras, tenho a interiorização daquela paz, tenho a introspecção natural de quem assimilou, tactuou indelevelmente aquele sol e aquele ar por debaixo da pele...
Tenho Florbela na alma... (a minha poetisa de referência); a mulher que tem sentires iguais aos meus, ânsias iguais às minhas, sonhos e devaneios...Florbela, mulher sofrida e crédula, nunca perdeu a alma da planície...eu, tão pouco...
Sou portanto, uma pessoa não excessivamente extrovertida, mulher contida, talvez (que sempre só se encontrou e dialogou muito de si para si). Considero que sou afável, não extremamente sociável, mas sempre recebendo uma generosa aceitação por parte de quem me conhece, uma dádiva de afecto de quem comigo se relaciona...
Aliás, a aceitação e o afecto de quem me rodeia, são-me de facto, fundamentais à vida, são-me mesmo determinantes. Convivo muito mal com a rejeição, a indiferença ou a hipocrisia.
Só me sei dar por inteiro, sem limitações, nas relações profissionais, nas amizades, nos amores...Sempre espero o recíproco...
E dou por mim, a emocionar-me com pequenos gestos, pequenas atenções, uma boa conversa, um sorriso, uma gargalhada solta e cúmplice, um agrado...
Alguém que apanhou um dia, um malmequer do chão (daqueles pequeninos, que mal se vêem) e mo estendeu...deu-me o Mundo e não soube...
Às vezes pergunto-me se estas formas de estar e sentir são normais no mundo actual, em que os "pontos cardeais" do ser humano estão alter-direccionados, são muito mais objectivos e reais (se calhar mais lógicos), em que a vida trucidante do dia a dia, não se compadece destes estados de alma??...
E concluo-me um pouco "ET"...como se tivesse descido de uma nave espacial e sido largada por aqui ; concluo-me um pouco "outsider" neste espaço, onde por vezes não me sei mexer muito bem, onde por vezes, os códigos e as linguagens não me são perceptíveis, onde há muitas coisas que não me fazem sentido...
Lembro frequentemente o "Principezinho" de Saint-Éxupery... só que o "meu planeta" tem mais habitantes para além da flor, do carneiro...da raposa...
Emociono-me perante um pôr de sol ; alguns acordes musicais trazem-me lágrimas aos olhos, o som batido do mar transporta-me a infinitos, o "resmalhar" do vento nas searas e a "desgarrada" das cigarras no pino do Verão fazem-me recuar no tempo e revisitar outras épocas que estão na "viagem" lá para trás...
Por vezes questiono-me se não terei crescido, se não amadureci...
Algumas pessoas tratam-me por "miúda"...Embora não o diga, sinto ser a forma mais carinhosa com que me podem tratar...É assim uma espécie de festa na cabeça, de colo disponibilizado...é uma espécie de adivinhação de que sou mesmo um pouco miúda, neste corpo de mulher madura, nesta alma misto de criança e anciã.
Tenho algumas (não muitas) Amigas...Amigas de vida, que vêm na minha "carruagem" há já muita estrada...
Outras, de uma forma surpreendente (porque a vida continua a surpreender-me todos os dias) ganhei-as há pouco, naqueles "coup de foudre" que não se explicam, sentem-se, vá-se lá saber porquê...e de repente estávamos amigas e das boas...
Aquelas amigas que não "julgam"...ouvem; enxugam lágrimas...mas também as provocam (não se sentindo obrigadas a passar-nos a mão p'la cabeça, quando o não devem) ; mulheres que são bons bordões para o caminho...a quem não se tem vergonha de contar as maiores fraquezas, os maiores "despautérios", as maiores loucuras...porque entendem ; seres que estão sempre lá, que nem bombeiros a tempo inteiro, em "serviço de banco" para o que der e vier (mesmo quando passam dias e dias sem que nos falemos...).
Amigos homens também tenho alguns. Aliás, tenho p'ra mim, que potencialmente, os homens, "dão" melhores amigos que algumas mulheres, dadas as suas características psicológicas, que eu penso serem uma consequência eminente da genética masculina.
São menos dados àquelas "minudências" (chamemos-lhes assim), que, reconheço, a grande generalidade das mulheres infelizmente cultiva...e que por vezes causam tanto "estrago"...
Há no entanto um "handicap" substancial na amizade homem-mulher, que provavelmente é lógico e normal, mas que utopicamente sempre nutro a esperança que possa ser contornável e banido : a questão da sexualidade, ou seja, a questão do género.
Adoraria ter "aquele" amigo-homem "assexuado", que não colocasse entre mim e ele o "espectro" do sexo, do desejo, do "olho-guloso", da intencionalidade...
Adoraria, (até para tentar perceber melhor e analisar o universo masculino, os seus códigos de conduta e de sentires), poder encontrar aquele amigo incondicional...aquele, ao lado de quem pudesse dormir, aninhar-me nos braços, afagar, dar e receber um colo bem quentinho, por ser... simplesmente meu AMIGO!
Será talvez uma "real utopia"...ou acham que posso continuar a ter esperança?!...


Anamar

Sem comentários: