terça-feira, 13 de outubro de 2009

"ANDANDO"


O dia anoiteceu com um céu pegando fogo.

Desta minha incaracterística janela, sobre o não menos incaracterístico casario duma descaracterizada terra que só me faz sentir em Alcatraz (versão portuguesa), em que até a imaginação - que é do pouco que temos que não paga imposto e de que não temos que dar "pevas" de satisfação a ninguém - foi ficando pálida como quem já padece da gripe A.
E olhando o "fogo" que se abatia para lá do horizonte, entrei na crise existencial de conceptualizar o que serão fins de tarde como este, sem história,assunto ou preocupação.

Fui ontem ver um filme de um realizador japonês, que me fez reflectir sobre algumas realidades, para as quais, por aí andamos adormecidos.
A primeira questão que me fez arrebitar a orelha e me pôs o neurónio de serviço ao serviço mesmo, foi o nome aposto à película.
Chama-se o filme, "Andando"...

Já me tenho questionado muitas e muitas vezes e até comentado com terceiros, que o português, por hábito, determinismo ou incapacidade interiorizada, quando confrontado sobre como está ou se sente, sempre responde: "vai-se andando..."
Aquele "vai-se andando" é uma inevitabilidade assumida, um indiferentismo acomodado...uma desistência de vida, uma espécie de pena ou karma imutável, predestinado, tanto quanto o fado, Fátima ou saudade..."cargas" que só nós conhecemos bem e nos torna esta gente misógina, misantropa, triste e desgraçada...

Pois aquele filme narra exactamente o "ir andando" de uma família, disfuncional segundo a crítica, que em vinte e quatro horas conseguiu expor amores, sentimentos, segredos, que unem e desunem aquelas personagens.
Foi também por aí (que através do tocante, inteligente e nostálgico que Kore-Eda Hirokazu nos vai desvendando, na aparente normalidade e trivialidade do convívio de um único fim de semana), que me questionei como provavelmente todas as famílias são de facto disfuncionais, sem que sequer o percebam, o analisem e o confrontem...

E o que será então uma família "funcional"...se existir??
É aquela que vive e cumpre à regra o "socialmente" previsto que uma família cumpra?
É aquela que parametriza comportamentos, afectos, trilhos, valores?
E se sim, à luz de que valores esses parâmetros são aferidos e por quem são aferidos??

Serão valores éticos, morais, sociais, religiosos?!
As células familiares, ramos da célula-mãe (a "matrix" dessa família), devem sujeitar-se a ela, independentemente de faixas etárias, culturais, personalísticas, com convicções alicerçadas...ou terão direito às suas próprias escolhas, determinações, livre-arbítrio, opções, direito ao erro e ao acerto e não simplesmente serem absorvidas e diluídas no próprio clã??!!...

Bom filme, sem dúvida, pelo qual ainda perpassa a característica mágica e um pouco etérea, de bandas sonoras que são isso mesmo...etéreas, sempre tendo a capacidade para nos transportar a um mundo menos materializado e com valores díspares dos da velha e enferma civilização ocidental...

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá Ana:
Falaram-me deste filme a semana passada mas ainda não tive azo de o vêr.Aqui em Santa Cruz o cumprimento das pessoas no dia a dia é"Vai ou não vai?=Demorei mt tempo a perceber que este era o cumprimento habitual.Porque me parecia assaz estúpido.Quando vi uma velhota com 80 anos a cumprimentar outra com o vai ou não vai concluí que isto era vai ou não vai a mais.
Tenho um amigo que anda à 10 anos traumatizado em absoluto pela morte dos pais.Convidei-o a vêr este filme.Vamos em absoluto vê-lo até porque será uma forma de estarmos juntos.Não sei se o assunto é a morte ou o estarmos vivos.Mas sei que nos irá juntar a todos, mortos e vivos.Espero eu.Tenho a mania do bom cinema.Ou o que eu penso que é o bom cinema.Quando eu morrer poderei dizer que vou andando desta para melhor.Mas em absoluto vi muito bom cinema.Acho eu.Porque senão quero ressuscitar para o vêr.

Beijinhos

Fernnado

anamar disse...

Olá Fernando
Penso que é sempre de ir ver um bom filme, e um bom filme é aquele que levanta questões (muitas vezes não respondíveis...), provoca confrontos, coloca uma necessidade imperiosa para a explicação da intenção do realizador ao colocar esta ou aquela dúvida, abanar esta ou aquela consciência...
Remete-nos para realidades tão simples e banais, mas supostamente tão distantes de nós, como a vida e a morte...
Vai, vai sim e verás que talvez não dês o tempo por perdido.
Um beijinho
Anamar