segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"PARTIR É MORRER UM POUCO..."



Não gosto de fado.
Tirando uma ou outra excepção, nenhum fadista me conseguiu arregimentar para as suas hostes. De Amália a Mísia, Mafalda Arnault , Camané ou Mariza são intépretes que não valorizo, porque fundamentalmente o que não valorizo é a música...

De fado, já temos que chegue;  fado é tristemente uma das nossas imagens de marca, e aquele fatalismo a ele associado, lembra-me uma espécie de condenação que carregamos "sine die" tal como a esperança na chegada de D.Sebastião.
Bem aqui ao lado, dividindo uma fatia bem "piquinininha" de uma meseta que mal dá para um, quanto mais para dois, temos os "nuestros hermanos", que se recusam a ficar lânguida e perdidamente a olhar o mar, sabem lá o que é Fátima, fado... e futebol, agora bem se põem nos bicos dos pés à custa de um CR7, que afinal até foi parido por aqui...

Em adolescente, estudante, tempos de capa e batina, com todo o romantismo das tertúlias académicas coimbrãs, sempre narradas por quem as vivenciava, com o todo o mistério e aura adequados aos anos verdes, ingénuos e saudosos, aderi aos acordes das guitarras do Mondego, como se religiosamente, de sangue e alma,  estivesse lá, a partilhar o espírito, a tradição, a vida boémia do genuíno boémio estudante coimbrão.
E emocionava-me se assistia na noite escura, na escadaria da Sé Velha às serenatas, aos silêncios, à magia nostálgica, que era pertencer àquele todo único e irrepetível que passava pelos rostos apenas incendiados pela chama dos isqueiros que se acendiam.
A lua, num céu escuro, testemunhava a religiosidade daquele respeitoso silêncio, embuçado nas capas negras que uniam corações, esperanças e desígnios...

Cantava ao tempo em Lisboa, num recantinho de Alfama, um fadista  absolutamente particular e único, nos temas e interpretações. António dos Santos, nascido em 1913, tendo morrido em 94, gravou muito pouco, praticou aquilo que por direito se chama o "fado vadio", cantava e acompanhava-se, e fazia do seu espaço, mais um local de convívio, amizade e tertúlia, do que um local comercial.
A sua guitarra tinha uma sonoridade muito próxima da guitarra de Coimbra, e a dolência e nostalgia que imprimia a todas as interpretações, tornou-o único e ímpar através dos tempos...

Lembrei hoje António dos Santos, não sei bem porquê....
Lembrei um dos seus temas mais marcantes para mim...talvez porque o tenha sentido debaixo da pele e sobre ele tenha hoje reflectido ociosamente, com todo o vagar do Mundo, que alguns domingos nos concedem..."partir é morrer um pouco"...

Anamar

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá Ana

Fizeste-me lembrar o saudoso Mário Henrique Leiria nos "Velhos contos do Gin tonic".Ele dizia:"Fado, só ao fim de 3 garrafas de vinho tinto".Ao longo dos últimos 40 anos tenho detestado o Fado e às vezes dou-me por mim a ouvir, todo derretido e com uma única lágrima no cantinho do olho.Quando falam muito mt na aleijadinha que ainda por cima é cega, desconfio.Quando oiço o Rodrigo a cantar o Tejo,os pastéis de bacalhau ,pareçe-me uma pintura.E gosto.Quando oiço a grande Amália a cantar grandes poetas, acho uma grande dignidade no fado.Acho que grande parte dos fadistas actuais falta-lhe alma.Podem até ter boa voz.Mas o fado precisa de mais.Por isso não gosto da Marisa.
Parafraseando MHL em novíssimos contos do GT(vou ficar com muita fama e pouco proveito) preciso de 4 garrafas de vinho tinto.E de bom grau.

Beijinhos

Fernando

anamar disse...

Já agora, tomadas num magusto do S.Martinho, numa lareira entre os penedos gelados de Monsanto...
Aí, até se calhar eu capitulava...
Sóbria...realmente ou António dos Santos ou Coimbra...não aguento mais!
Beijinho
Anamar

merryl disse...

Olá Anamar,

Quando vim para Lisboa, saudosa dos fados e serenatas de Coimbra,eram os fados do António dos Santos que mais me agradavam.
De resto, estou de acordo contigo o fado pouco me diz.

anamar disse...

Olá Merryl
Eu de facto nunca vivi nem estudei em Coimbra, mas a "alma" coimbrã entrou-me no sangue por quem viveu Coimbra como estudante, o que, pelo menos há anos, era uma "experiência" para o resto da VIDA.
Assim, aderi de alma e coração a toda a tradição, logicamente à magia do fado das terras do Mondego.
Lisboa...obviamente só António dos Santos. O resto...fica por conta do nosso próprio "fado", que normalmente não é pequeno.
Um beijinho
Anamar