quarta-feira, 14 de outubro de 2009

"A MONTANHA SEMPRE IRÁ PARIR UM RATO"





Fazer um filho, plantar uma árvore, escrever um livro...uma máxima para lá de gasta, que traduz as três realizações consentâneas com a nossa passagem pela Terra.

Acho que não fujo muito a este princípio.
Já fiz não um, mas três filhos, plantar uma árvore...digamos que talvez me tenha ficado por algum arbusto e muitas, muitas plantinhas ornamentais de que gosto...resta-me escrever um livro, portanto...

Interessante como o ser humano tem em si uma ânsia de perenidade, de perpetuação da sua pessoa, de "trabalho feito", de rasto deixado...
Não sei se é narcisismo, não sei se é uma forma encapotada de agarrar o tempo e prendê-lo na lâmpada do Aladino, não sei se é vaidade mesmo, simplesmente, como se dissesse às gerações vindouras: "estive cá, existi, fui gente"...já que o vento que passa não transportará nunca as suas palavras adiante.

Eu gosto de escrever, eu alimento-me da escrita. Vivo dela em comunhão muito, muito estreita. Não a faço por obrigação, não a faço porque ache ou pense que talvez a faça razoavelmente.
Não, faço-a quando as "sinetas" interiores , me tocam, quando as ideias me jorram e me inundam, do nada, quando já me sinto desconfortável se a não consigo fazer.
Por isso acho que a respiro, acho que ela me completa como pessoa, e que a sua falta me amputa na alma...

Escrever, para mim, é reflectir, é comunicar com os outros, também é comunicar só comigo mesma, é sonhar, é transpor o meu próprio ser, sair de mim, transfigurar-me, encarnar personagens...outros "eus" de que se calhar me travisto ainda  que inconscientemente.
Escrever é encher-me até transbordar, de uma plenitude e de uma felicidade que não descrevo, é soltar sem espartilhos quem na verdade sou, no avesso, na ourela...é por-me nua, completamente nua numa praia deserta, onde só o mar e o sol me escutassem...

Às vezes estou seca, nas ideias, nas emoções, na verborreia...
Aí, não coloco uma só letra no papel; noutras, o meu cérebro pulula, torna-se inquieto, fervilha...faz-me saltar da cama a desoras, só porque a boca não sustém mais palavras lá dentro. É como se uma espécie de transfiguração ocorresse e não fosse mais eu, mas alguém dentro de mim que me comanda, me sussurra, me apazigua...e aí, escrevo, escrevo...loucamente escrevo...

Comecei um ensaio autobiográfico, que acredito, dada a "riqueza" incomensurável da minha vida, poderia vir a ser qualquer coisa interessante, ou pelo menos, curiosa...
Escrevo aleatoriamente pequenos apontamentos ou crónicas, aqui por estas "veredas"...com interesse, sem interesse...subjectivo...

Estou bem perto de passar por alterações significativas na minha vida profissional. Penso frequentemente como será o "depois"...
Não tenho maneira de ser para "crochetar", ler livros infantis, ver muita televisão, ou propor-me actividades impostas, só porque não posso ficar parada...
Gosto de me sentir livre, sem demais satisfações a terceiros, gosto de fazer o que me dá na bolha, sem hora nem dia, mesmo que possam conotar-me como um pouco irreverente demais, radical, vivendo num limbo provavelmente menos recomendável para o estatuto, faixa etária, conveniências sociais...gosto de ser um pouco louca mesmo, desafiando desassombrada e sem demais sobressaltos, tudo o que ainda tiver à frente, se calhar excentricamente, desajustadamente...
Atingi um estatuto que me dá algum "conforto" de vida, um estatuto que me permite ser isto tudo e não ter que explicar por que o sou...(que o diga a minha filha mais velha, que arvorada em minha mãe, reclama da "trabalheira" que lhe vou dando...)

E é nessa base, que por vezes penso que talvez chegue aí a oportunidade de, na encruzilhada de vida, escolher o meu caminho alternativo, e esse passaria seguramente pela escrita.
Mas também é nessa base que penso igualmente, que apesar de constatar a parafrenália de autores, editores e obras a sairem todos os dias das "fornadas" sucessivas e parece às vezes, que sem qualquer critério, aquilo que eu escrevo tem o valor que eu lhe dou e não mais.
Não é relevante, é banal, não acrescenta nada, não é notório, não vale a pena...não terá visibilidade...não se justificaria no nosso, ou em qualquer outro cenário literário...

É quando entristeço e desacredito, me acho imatura e tonta, utópica, fora do real...sonhadora...

Sempre ouvi  à minha mãe dizer ao longo da vida, que para se cantar, era preciso saber-se cantar, "ter voz", nascer-se com ela, à séria.
Pois bem, hoje em dia todos cantam, todos são modelos, todos são estrelas, todos são comentadores, jornalistas, opinadores, muitos "parem"  textos com pompa e circunstância, crivados de erros ortográficos e calinadas que levantariam das tumbas, tantos e tantos...e nada é requisito para nada...

Só que a "gaita" de tudo isto, é que o eco das palavras da minha mãe sempre se me impõe, como a sensatez que de onde em onde me falta...e tudo isto bem espremido, bem espremido...faz-me achar sem requisitos, necessários ou suficientes para coisa nenhuma, faz-me achar um "bluff", faz-me achar que comigo, "a montanha  sempre irá parir um rato"...

Anamar

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