domingo, 6 de junho de 2010

"AQUELAS ROSEIRAS..."





Há sonhos que se sonham acordados, e sonhos que se sonham , que são aqueles que nos acompanham pela noite fora, verificamos que o foram quando acordamos e é frequente esquecê-los na hora...

Tal como os pesadelos; há-os a fazer acordar de supetão, tão reais se representam, e pesadelos que se vivem em vida, se arrastam, nos arrastam com eles e devido aos quais, sofremos que nem uns desgraçados....
Dos primeiros, guardamos um enorme alívio porque verificamos que se tratava disso mesmo, um pesadelo onírico e não uma realidade...


Ocorre o mesmo com as "penas".Toda a vida ouvi a minha mãe dizer que as "penas" vivas são muito piores que as "penas" mortas. Ela dizia: "as penas mortas já nos mataram e as vivas matam-nos um pouquinho todos os dias...", que é como quem diz que o sofrimento que nos é infligido pela morte de alguém é devastador, mas a tendência natural é que o passar do tempo o aplaque, por inevitável, ficando uma doçura doída na alma, da recordação desse alguém, que se foi deste Mundo.

Já as "penas" vivas vivas são mais dolorosas, porque não terminam nunca.
São desgostos infindáveis, são sofrimentos sempre punjentes, e presentes, porque também sempre está presente o objecto alvo dessa "pena"...

Está ali, perto de nós, mas inalcançável por qualquer razão....ou sabemos que continua vivo num mundo do qual fomos excluídos ou nos excluímos, ou que não conseguimos atingir....
Por acaso, também concordo com estas considerações, que, aliás, como sempre acontece sabiamente, com a voz do povo, normalmente não erra...

Conheço e como conheço, os dois tipos de sonhos e pesadelos, conheço e como conheço os dois tipos de "penas"...infelizmente...
Acho que todos, acabamos ao longo das nossas vidas, em algum momento, a conhecer igualmente!

Antes de ontem fui ao Alentejo, fui a um monte , no Alentejo, com amigos.
Não era o "meu" Alentejo da planura e acalmia. O monte ficava numa Serra alentejana, que, como sabemos, têm pouca expressão em altitude, como serras.
É uma uma paisagem de altos e baixos,  que impedem que a vista se perca, como no mar, é uma paisagem de montado, de sobreiro e azinheira, de urze, esteva, tojos, giestas, rosmaninho, mais selvagem e agreste.

Por essa razão, não "senti" ali, aquele clique que o vento na seara me dá, que o dourado da macela ou da urze, o branco dos pequenos malmequeres, o roxo, o vermelho das papoilas ou o resmalhar dos "pandeirinhos" (cujo nome lhe advém da forma que têm)...
Mas vi o gado a pastar, porque este ano, ano de invernia a rigor, há muita erva e água em pequenas represas, e vi (e isso encheu-me a alma), as cegonhas, verdadeiras colónias de ninhos nos postes de alta tensão, como é habitual....
Como sabem, e por razões que conhecem ( quem acompanha o meu blogue sabe ), tenho uma relação  muito particular com esta ave, e uma ternura muito especial por ela....
e ouvi os chocalhos dos rebanhos, as rôlas, e vi garças brancas e garças boieiras, e ouvi o cuco e vi as pôpas....


Enfim, foi um outro rosto do Alentejo, que se me estendeu à frente dos olhos...

Íamos, para lá do passeio, arejar a casa, que sendo de veraneio está permanentemente fechada, ainda por cima num local inóspito, e íamos especialmente numa missão muito particular que, sempre que penso nela me enternece.
A dona do monte enviuvou há cerca de um ano, de um homem lindo, bastante novo ainda, com quem tinha uma relação mais linda ainda. A cumplicidade, o fogo do amor que coexistia, os projectos que fizeram juntos, aquelas doces e pequenas recordações, aqueles momentos que não se descrevem porque não há como, ficaram para sempre, na mente e no coração daquela mulher.

E porque entre eles, fora estabelecido esse pacto em vida, ele (que infelizmente teve tempo para se aperceber que lhe restava pouca), pediu-lhe que as suas cinzas fossem depositadas debaixo de uma determinada árvore, no cabeço, donde, em noites de lua cheia, contemplavam o montado, e onde as estrelas parecem brilhar mais no breu do céu lá em cima....

Pois bem, ele partiu, como disse, há cerca de um ano, partiu deste Mundo, não do mundo deles, e ela cumpriu o prometido. E fez mais, nesse local plantou duas roseiras vermelhas da cor da paixão que os uniu, vermelhas da cor das lágrimas de sangue que o coração dela certamente chorou.....e por isso foi ao monte regá-las...

Em silêncio, discretamente, vimo-la ir, monte acima até desaparecer no cabeço, com um balde de água na mão. Discretamente, em silêncio, como quem vai a um santuário, como quem entra numa igreja, em recolhimento, partida, certamente esfrangalhada por dentro, com o peso do Mundo nas costas...eu imagino....aliás, só imagino o que aquela mulher terá sentido, ao regar aquelas roseiras...

Será uma imagem que não mais esquecerei, foi um exemplo de uma envergadura e uma força interior enormes, quando, passado algum tempo (o que lhe fez falta), regressou, primeiro lá longe, pelo meio das árvores, a pouco e pouco crescendo a sua imagem, até chegar junto de nós, de mansinho, em silêncio, ainda limpando uma lágrima teimosa, e com os pedaços do coração nas mãos...

Aquelas roseiras vão florir, terão de florir.... eles merecem que elas floresçam, para perpetuarem um amor que passou muito para lá do efémero desta vida...

Anamar

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