segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

"PROVA SUPERADA !... "


2012 estreou-se com um dia cinzento e pardacento, ao contrário dos últimos dias do velhinho 2011, que resolveu despedir-se com sol claro e brilhante.

O dia de hoje traz-me uma sensação de alívio ...
Engraçado que as pessoas dizem ( já o ouvi pelo menos a três pessoas, aqui no café onde, "para variar", tomo o pequeno / grande almoço à hora habitual ) ... "Este já passou" ! - como se se tivesse tratado de uma prova de alto grau de dificuldade, finalmente superada.

É que, queiramos ou não, aqueles momentos que antecedem a meia-noite e a "passagem" em si, são angustiantes, são "apertados", para mim, pelo menos.
É incoerente o que digo, o que racionalmente penso a respeito, o que defendo, e o que na realidade sinto.
Mas sempre é assim ... ano após ano, esteja só ou acompanhada ... o raio do nó sufocante, espeta-se-me aqui dentro, e pronto, as lágrimas vencem comportas e vêm por aí abaixo ...

Neste momento, na vertente familiar, felizmente não tenho razão para muitas angústias. A minha mãe atravessa por ora, um período invejável para os seus quase 91 anos, as minhas filhas, sem outras oscilações ou "sobressaltos", além dos inerentes à vida normal do dia a dia, os pequenitos a crescerem saudáveis e de uma forma feliz.
Mais família próxima, não tenho. É pequeno e curto o meu núcleo "de sangue"...

Eu, bom, eu por aqui vou estando ...

Se quisesse definir o meu estado de espírito neste momento, acho que o não saberia fazer de uma forma objectiva e clara.
Tenho o coração em águas paradas ... como que adormecidas. Estou "acinzentada" de alma, e detesto estar acinzentada de alma .
Por natureza sou uma pessoa de remoinho, de turbilhão, de convulsão . Vivo na intensidade do que me rodeia, e o que me rodeia tem que ser pintado com as cores todas, as primárias e as intermédias.
Não sou acomodada nunca, sempre necessito de renovação, de luta, de dialéctica, de disputa, de metas e objectivos diferentes e variáveis ... mas intensos !

Começo o ano a falar de mim ... "Tudo como dantes, no quartel de Abrantes" ... dirão vocês !

Ontem, meia-noite, uma meia-noite, para mim, absolutamente surreal !
Havia previsto passá-la a dormir, na ausência de gente, de afectos, na opção feita por mim, da presença de amigos ... Não me sentia companhia à altura, na noite.
No meu quarto e no escuro da minha casa, os fantasmas perambulavam, atazanavam-me ;  saltaram das "caves" da minha alma, os "safados", para me darem conta do juízo e da paz ... se é que a havia !

Esgotavam-se os minutos para a meia-noite, e a tal sufocação aumentava-me a olhos vistos, dando-me uma sensação de incomodidade, desconforto e infelicidade atroz.
Decidi que não me tomaria de jeito ...
E, para grandes males, grandes remédios !
Não iria sossobrar à "desgramada" da noite, à solidão e à tristeza que teimava ( Não era bem esta a palavra que quereria usar ... mas aí, teria que apor um "ozinho" no canto da página, e amanhã iria ter a "censura" impiedosa, em cima de mim !... rsrsrs ).

Lembrei então, ter meia garrafa de um "tinto" remanescente do Natal, absolutamente divinal ... tinha passas também do Natal ... tinha bolo-rei que ainda o será até 6 de Janeiro ... tinha o estupor das lágrimas que teimavam em me fazer sentir a "desgraçadinha" da "paróquia" ( e eu não queria ) ... tinha um buraco no meio do peito ... tinha um "negrume" na alma, bem mais intenso que o da noite lá fora ... tinha a Rita no sofá ( para quem inteligentemente nunca há passagem de ano, e a quem eu disse a meia voz : "Rita ... isto está mesmo mau ... estás a ver??!!"   Ela não via, claro, estava no melhor dos seus sonos !!! ) ...

Fui buscar um copo de pé alto, do meu serviço de cristal usado em ocasiões merecedoras, porque um bom vinho não dispensa um cálice ( alguém, entendedor, me ensinou a degustar assim ) ... coloquei Énya em fundo e aguardei no relógio, que os minutos se exaurissem.

E exauriram ... como sempre ... inevitável ... obviamente !!!

A um minuto da meia-noite comecei a comer as doze passas, ao ritmo dos segundos, esboçando mentalmente, o "pacote" dos desejos ... deixando que o nariz e os olhos, pingassem tudo o que tinham direito ( p'ra quê impedi-los ??!! ), comecei a saborear o "entorpecedor de serviço" ( acho que nunca um vinho me soube tão bem ... porque era bom e terapêutico ao mesmo tempo, curativo, se calhar ) ... e assim prossegui ...

Interessante, que o nó da garganta, do peito e da alma, foi aligeirando, a sufocação foi diminuindo.
Sentia-me saída de uma passagem estreita que tivesse desembocado numa estrada larga e franca ... sentia-me como tendo atingido a outra margem de um desfiladeiro, depois de o ter atravessado, periclitantemente, por sobre um tronco ... ou depois de ter ultrapassado um arame sem rede por baixo, em equilíbrio instável !!!  Sentia-me um pouco "renascida", das cinzas que haviam restado de mim !!!...

A mente humana é efectivamente complexa, intrincada, incompreensível muitas vezes ... O "bicho papão" havia-se desvanecido ... o "medo" da alma, que me dominava, abateu-se ... E Énya continuou docemente a embalar-me!...

Acho que depois deste 31 de Dezembro ... nenhum outro poderá "ultrapassá-lo" ou "superá-lo"!...
O "espectro" assustador da minha solidão, foi vencido ( convivi com ela "olhos nos olhos", aceitando-a talvez, como inevitável companheira do resto dos meus dias ), a dor da minha tristeza, dominada ...

Mordi os lábios, enxuguei o rosto, e dei uma "ordem" peremptória para que os "fantasminhas" regressassem, em carácter de urgência, às "caves" de onde haviam saltado horas antes, para dançarem no meu quarto ... E intimei-os a que de lá não saíssem ... NUNCA MAIS !!!

Anamar

9 comentários:

Anónimo disse...

Anamar, A Senhora é uma pessoa maravilhosa a escrever, tem mesmo o dom da escrita, permita-me que a felicite.Faz uma descrição tão profunda dos medos e fantasmas da solidão que me deixou impressionado, logo eu que tenho um medo fantasmagorico da mesma,por isso tambem tenho animais, penso ser tudo como refere, ou seja essas nuvens quando corre uma aragem a mesma leva-as para longe. Adorei o que li. Lourenço (Sertã)

Anónimo disse...

Gostei muito.
Jonas

Anibal disse...

Fabuloso

anamar disse...

Olá Lourenço

Bem vindo ao meu espaço, e obrigada por comentar.

A solidão....pois, quem não a receia???

Mas sabe? A pior solidão é a que por vezes se tem,"acompanhado"...
entende?

E é verdade ... A questão é que chegue mesmo a "tal" aragem que refere !!!

Um abraço aí p'ra Sertã

Anamar

anamar disse...

Jonas, boa noite

Ainda bem que gostou.....quase sempre não é??!!

Sou uma privilegiada por ter amigos tão generosos que quase me levam a acreditar que a minha escrita possa ter alguma importância.

Um beijinho e sinceros desejos de EXCELENTE 2012

Anamar

anamar disse...

Olá Aníbal

Para si também o meu muito obrigada!

Aproveito para lhe endereçar ainda, sinceros desejos de Boas Festas, mesmo estando praticamente terminadas.

Anamar

Anónimo disse...

Olá Amiga,
Vejo que entra 2012, cheia de energia e com as velas soltas a acolherem as boas brisas, para uma boa navegação num ano em que os "Velhos do Restelo" só profetizam desgraças, esquecendo-se de que a seguir ao Inverno vem sempre a Primavera,como o magnifico Sol que temos neste Inverno aqui em Tavira.
Beijinho
João Silva

anamar disse...

Olá João

Tavira...Lisboa ... Sertã ... esse Mundo afora....
"Sortuda" eu...com gente tão "atenta" por aí!

Energia? Sim, procuro que ela me inunde, tentando manter "pensamento positivo...sempre!"...

Abraço grande

Anamar

F Nando disse...

Por momentos revi já esse filme... Consegues exprimir tão bem esses momentos que nos faz pensar em tudo e a vida é questionada até os amigos (porque não me disseram nada?...) mas o resultado seria provavelmente o mesmo: há momentos que desejamos mesmo estar sós...