quarta-feira, 26 de outubro de 2022

" ANTES QUE ME ESQUEÇA ... OU, ENQUANTO ME LEMBRAR ..." ( 5º EPISÓDIO )

 


Quando a escola primária terminou, completados os quatro anos normais de escolaridade, fiz o exame de Admissão ao Liceu Nacional de Évora, hoje a sua Universidade, instituição absolutamente icónica na cidade e no país.  

A universidade de Évora foi fundada a 1 de Novembro em 1559 pelo Cardeal D.Henrique  ( Arcebispo de Évora, mais tarde rei de Portugal ), a partir do Colégio do Espírito Santo, como a Universidade do Espírito Santo e entregue à Companhia de Jesus, que a dirigiu por dois séculos. 
Por isso, esse dia, é considerado até hoje, o Dia da Universidade.
No século XVIII foi a mesma encerrada por ordem do Marquês de Pombal, aquando da expulsão dos Jesuítas.
Voltou então a ser reaberta em 1973 como o Instituto Universitário de Évora, e só em 1979 este Instituto deu lugar à nova Universidade de Évora.
Foi a segunda universidade a ser fundada em Portugal, depois da de Coimbra, a mais antiga do país.

Assim, quando nela entrei a mesma detinha o pelouro do Ensino Secundário, desde o primeiro ao sétimo ano, com que este grau académico encerrava.  Paralelamente, na cidade existia também em opção, a Escola Comercial e Industrial, vocacionada p'ra saídas profissionais e não para o  prosseguimento de estudos.
Logo aí estava criada uma clivagem social entre quem frequentava o Liceu, a classe economicamente mais favorecida, e quem frequentava a Escola Comercial e Industrial.

Bom, mas lá fui fazer o exame de admissão ao Liceu, com a prestação de algumas provas de que me saí muito bem.  Lembro que numa das provas orais me foi feita uma pergunta na área do português, creio, à qual, precipitadamente respondi errado.
A professora olhou p'ra mim e do alto da sua cátedra disse : " Pensa ! A cabeça não é só feita para usar caracóis !"...
Não me atrapalhei e retorqui : " Eu sei, e daqui a pouco já respondo !" E assim foi.  Passados minutos dei a resposta correcta, o que fez rir o júri.  Bem pequenita que era,  tive o rápido discernimento de contornar a situação de forma airosa ...😁😁

O Liceu era misto, embora houvesse separação de géneros no espaço físico que o constitui.  As raparigas podiam ocupar determinadas zonas e os rapazes outras, embora na saída todos convivessem sem problemas.
Quem já visitou a actual Universidade sabe que ela é um monumento com uma arquitectura fantástica.   É composta por um conjunto arquitectónico austero, dos finais de século XVI, englobando vários edifícios - igreja e colégios - de construção maneirista de Estilo Chão, empregando o granito regional. A entrada desenrola-se a partir de um pátio interior totalmente contornado por claustros, quer no rés-do-chão quer no primeiro andar, o Pátio dos Gerais, exibindo rica azulejaria de época, e o interior das salas de aula dispostas ao longo desses claustros, possui púlpitos decorados com madeiras exóticas, bem como azulejos quinhentistas e seiscentistas.
No centro desse espaço existe um chafariz.  A fachada da antiga capela do Colégio do Espírito Santo é marcada por um enorme pórtico de mármore do séc. XVIII, encimado por uma pomba, símbolo do Espírito Santo e também da Universidade.
A Sala dos Actos do Colégio ( estilo barroco setecentista ) é um dos espaços mais imponentes de todo o edifício.  Tem azulejos e estuques do séc. XVII em tons verdes, azuis e rosa, alusivos às matérias leccionadas ( Matemática, Astronomia, Física e Belas Artes ).  No topo da sala podem ver-se os retratos a óleo de D.Sebastião e do Cardeal-Rei D.Henrique.
A Sala dos Actos era o lugar mais nobre do liceu, onde se realizavam os eventos mais importantes, como as sessões solenes de abertura de cada ano lectivo.
Os alunos merecedores de alguma distinção em cada ano, eram premiados no início do ano que se iniciava.  Por isso lá, recebi, das mãos do Reitor, um prémio, como contarei posteriormente, e bem assim menções honrosas por não ter dado faltas nos anos escolares cessantes.

O liceu cultivava certas tradições semelhantes às existentes na Academia coimbrã.  A entrada para as aulas anunciava-se pelo badalar do sino que existia nos claustros.  Penso que era o Sr. Almas, o contínuo a quem estava atribuída essa tarefa. O chefe dos contínuos era o inesquecível sr. Francisco,  uma figura ímpar ... Com alguma idade, mínimo de estatura, tinha o cargo máximo de responsabilidade na hierarquia do pessoal auxiliar.  Era muito querido e respeitado, e em cada ano, era figura presente e "obrigatória", na fotografia solene tirada nas escadas do pátio, por cada turma com a presença de todos os alunos e dos respectivos professores, bem como do Reitor, como figura máxima de prestígio.
Usava-se o traje académico no liceu, se e quando o desejássemos. Também o tive.  Saia-casaco preto, camisa branca, gravata e sapatos igualmente pretos, e claro, a capa de estudante. 
Dava ela um jeitão, nos frios invernos de Évora !

Iniciei o meu percurso escolar no Secundário com alguma atribulação.  
Na madrugada de 1 de Outubro  ( dia oficial do início de cada ano escolar ), exactamente no meu primeiro ano do liceu, a "bendita" serração de madeiras, sita paredes meias com a minha residência, que havia ardido alguns anos atrás, como relatei, voltou a sofrer outro incêndio. Um novo curto-circuito criou o pânico em minha casa, onde só eu e a minha mãe dormíamos.  Nunca podendo esquecer tudo o que havíamos sofrido anteriormente, a minha mãe entrou em choque, sem conseguir agir com a rapidez exigível a chamar o socorro.  Tentou telefonar para os bombeiros, mas chorava tanto num descontrole total, que fui eu, que deitando as mãos ao telefone pedi a ajuda necessária.
Lembro-me claramente que saltando da cama, ao fugirmos para a rua, agarrei num pequeno guarda-jóias que existia no toucador, em metal, vazio de jóias ou do que quer que fosse e o transportei comigo como se ali transportasse o tesouro mais valioso da casa ... nunca mais o largando !...😆😆
O mesmo faz parte do acervo da casa dos meus pais, que ainda hoje está comigo ...

Coisas de criança ... 


Anamar

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