quinta-feira, 6 de outubro de 2022

" OS MEUS SILÊNCIOS ..."



Quase sempre ao longo da vida guardei momentos, coisas, pessoas, sonhos e memórias que nunca pus em causa.
Não me lembro de verdadeiramente os enjeitar por nenhuma razão.  Tenho muita dificuldade em cortar todo o tipo de laços, mesmo quando parece que os mesmos esfiaparam e se desagregam.
Ao contrário, uma vez incorporados em mim, não despegam, como não despega um braço, um ombro, os olhos ... o coração !  
Não alienamos pedaços nossos, não prescindimos do que é extensão nossa, não descartamos o que nos passou para debaixo da pele ao longo da existência.  Aliás, se o conseguíssemos fazer, tal corresponderia a uma amputação da nossa própria história com toda a dor que isso acarretaria ... e eu, pelo menos, furto-me desesperadamente a isso.  Seria como se em vida eu me desapropriasse de parte da minha essência.
E isso bem basta que a morte se encarregue de o fazer, inevitavelmente ...

Por isso, ainda que faça um esforço de memória, não consigo lembrar nenhuma situação em que deliberadamente tenha colocado no "arquivo morto" nada que vivi, me pertenceu ou representou com protagonismo, pedaços de mim mesma.
Mesmo quando dolorosamente parece ter-se criado um fosso estranho sem ligação entre mim e isto ou aquilo, entre mim e este ou aquele ... ou quando parece que onde havia pontes francas e inquestionáveis se levantaram muros, ou se fecharam caminhos de comunicação ... tenho uma infinita dificuldade em aceitar o que na verdade preside a essa inesperada e ininteligível situação... 
Porque os momentos, as coisas, as pessoas, os sonhos e as memórias que me configuraram, foram tatuagens, foram registos indeléveis e intrínsecos no meu ser enquanto gente, foram marcas para todo o sempre que cresceram comigo e em mim ganharam raízes, não conseguindo percebê-lo de outra forma.
Seria quase monstruoso se o conseguisse.  Seria talvez negar-me a mim própria e a tudo o que fui sendo ao longo da vida !

O nosso trilho nunca é simples.  Viver não é tarefa fácil.  São muitos os vectores condicionantes, são muitas as marés adversas ... e o Homem é complicado por natureza.
Que  bom  seria  se tivéssemos a simplicidade  dos  animais  e  aligeirássemos  o "complicador" ...
Que bom seria se nos desarmássemos e usufruíssemos, simplesmente ... 
Que bom seria se não desvalorizássemos o essencial em função do que tomamos como certo e seguro, tantas vezes sem que o seja ...
Que bom seria se não nos tornássemos surdos e cegos com as inseguranças que tantas vezes  carregamos e nos dominam ...

Aprendamos a escutar os nossos silêncios ... lá onde a verdade emerge, o lugar onde despidos nos confrontamos, sem lugar a mentira, simulação ou disfarce.  Nós perante nós mesmos, sem camuflagens ou máscaras ... porque aí a verdade e a autenticidade desvendam-nos quase sempre a clareza da realidade que de facto não enxergamos ...

... porque, sempre, em qualquer circunstância, a palavra é de prata, mas "o silêncio é de ouro" !!!

Anamar

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