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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

"VIDAS CRUZADAS"



Entretanto o PC avariou, a câmara fotográfica também, e portanto não posso por enquanto disponibilizar-vos algumas das melhores fotografias de Bali.
Mas ainda assim, e porque estes posts já foram escritos há tempo, vou colocá-los aqui no meu espaço.



A vida cruza-se e entrecruza-se; os laços fazem-se e desfazem-se; a vida faz-se de encontros fugazes e desencontros mais fugazes ainda....de chegadas e partidas...
E pedaços de nós vão ficando espalhados pelo Mundo.
Em Bali, muito de mim ficou perdido, ou melhor, em Bali, muito de mim ficou preso, seguramente...
Páginas foram escritas, novas páginas a juntar ao colorido de uma vida sofrida, mas vivida.

Estou de regresso...horas e horas de voo e uma espécie de sonho sonhado, porque parece que tudo foi uma frase inacabada deixada entre parêntesis...
Outro mundo, outras gentes, outros hábitos, outros afectos expressados das mais variadas formas.
Loucuras que se cometem,o gosto do impensado à flor dos lábios. O novo, o nunca feito, uma "full moon" por entre os coqueiros, no silêncio, na escuridão, só com a batida do mar no areal...e ainda assim, doce, porque em Bali não há ondas, há afagos para o corpo, no calor do sol e da água, na alegria expressada em cada rosto, nas flores renovadas nos cabelos, e por todo o lado, em cada manhã...

Um colega meu que visitou Bali há algum tempo, referia-me que trouxera um porão de coisas que comprara, tal a multiplicidade da oferta e o valor da moeda.
De material, eu trouxe alguns búzios, alguns pedaços de coral que deram à costa, mas trouxe, de facto, um porão de valores, alimentos da alma e do espírito....

Não vou esquecer nunca aquele amigo inglês, o típico inglês fleumático, o David, aposentado, vítima de AVC numa viagem à Índia, que calcorreia o mundo, porque não desistiu ainda de viver ; "Não esqueças, Margarida, e repete sempre para ti : a idade é só um número!"...
A sua silhueta isolada, nos degraus do hotel, onde fez questão de vir despedir-se de mim, mostrou-me um homem talvez mais desalentado....
Beijei-o e abracei-o, dizendo-lhe: " Never say good bye, David....be carefull....take care of you !"
Na minha cabeça, à saída para o aeroporto, ecoavam as palavras que gostaria de lhe ter dito : "Não esqueças David....a idade é só um número!!!!...."

Anamar

domingo, 28 de novembro de 2010

"DIA 2"





DIA 2

Após o jantar espera-me uma sala de convívio de um hotel super agradável e aconchegante, espera-me um bar, espera-me um cocktail e uma mesa, onde não cansam de me perguntar se são duas pessoas....

Nas outras mesas, as pessoas estão em grupos, riem, conversam alto, destilam boa disposição...
É uma sensação estranha mas não nova, estar aqui somente como espectadora, sentindo que o não ter com quem dividir tudo isto, é de alguma forma uma injustiça de vida...

Aproveitei como faço, para me recostar comodamente e olhar, simplesmente olhar os comportamentos humanos, outras vezes "desligar" e deixar esta cabeça que nunca pára, sem rumo...
Perguntava-me há pouco: "se pudesses mudar a tua vida lá para trás, o que farias?"
E sabem a que conclusão, de alguma forma gratificante, cheguei?...Mudaria muito pouco....Assumiria os mesmos erros, faria os mesmos disparates, cometeria as mesmas loucuras...viveria, absorvendo o mais que pudesse, este cheiro inebriante de fruta madura no pé...

E de repente, senti uma gratidão e um respeito por este trilho erróneo tantas e tantas vezes, porque se o pintasse em aguarela, ele teria todas as cores da paleta e mais as intermédias, das bifurcações para onde fui atirada às vezes.
A minha "estória" é efectivamente uma história rica, porque teimei, ousei, persisti, não tive medo de arriscar, mesmo sabendo que o esse caminho me poderia levar a ter que o reverter.
A minha "estória2 não é, nem nunca foi cinzenta e acho que enquanto eu viva, só saberei ser assim, eternamente jovem, com a imaturidade dos meus dezoito anos num corpo de sessenta...

Bali está a começar a fazer-me pensar...quiçá....

Anamar

"CRÓNICAS DE VIAGEM"



DIA 1

Uma viagem é um brinde com laço e tudo.
É um cocktail de rostos, de cores, de línguas, de raças, de sentires e estares....É uma partilha, é uma mistura de valores, de aprendizagens, de experiências...é um quadro pintado por um artista...um aeroporto é o copo onde esse cocktail se inicia.
Basta determo-nos por algum tempo a observar, simplesmente observar...mais que ver....

Eu, vou em direcção ao sol, que é como quem diz, vou em direcção a oriente.
O sol sempre foi portador de boas energias, sempre veiculou bons fluidos, e eu, vou tentar reter todos os que puder...

Dizia-vos ontem que não sei o que vou achar, porque não sei do que ando à procura...mas que procuro desesperadamente um rumo, um norte, uma luz, isso procuro...
Não sei se vem na forma dum raio de sol, na forma de um ancião sábio, na forma do riso duma criança, na forma dum pôr ou dum nascer de sol...mas que necessito rodar a esfera da minha vida de 180º...sinto-o como premente, como urgente.

Estou farta da civilização ocidental, tão triste, tão frívola, tão vazia, tão sem sentido.
Estou farta de uma selva de predadores, em que os mais fortes estão destinados a vencer, estou farta de ser a adolescente insegura e crente da Alice do País das Maravilhas...
Visto mal a pele do Capuchinho Vermelho, acreditando que o lobo mau a vai ajudar na sua tarefa, e que de mau não tem nada...
Estou cansada, particularmente cansada.

Dar-vos-ei notícias, na forma de pequeníssimas crónicas, destes lados, onde o sol nasce todos os dias mais cedo...

Anamar

sexta-feira, 7 de maio de 2010

"HOMENS EM FUGA"

Por que será que o ser humano tende a repetir os registos e padrões comportamentais de vida, ainda que erráticos, mesmo que o perceba e o consciencialize, se sinta desconfortável com eles....parecendo nunca aprender nada, como tatuagens grudadas à pele para sempre???...

A Psicologia explica de certeza, os psicólogos, psiquiatras, psicanalistas devem conhecer e saber explicar estes meandros da alma, tão complexos...

Eu não fugi à regra...
Os homens que eu amei...os homens que me amaram (?), comportamentalmente têm de facto, todos,um padrão comum, um misto de prazer e sofrimento que parece ser o que eu busco, um masoquismo patológico centrado em mim...São todos eles, "homens em fuga"...

A  matriz original começa na figura parental do meu pai, cuja vida (como algumas vezes já aqui referi), era ser viajante de uma firma de ferragens. Foi o primeiro homem que me dava por felicidade, os escassos momentos que estava presente.
Era uma figura "incerta" na minha vida. Desde sempre, o vi sair para viagem às segundas feiras, e acho que desde muito tenra idade, devo ter interiorizado que sempre era incerto que ele voltasse.
Na minha cabecinha de menina, sempre, a figura do meu  pai, era uma figura de ausência, duvidosa, incerta, insegura, fugidia...
Já não referindo sequer, que toda a minha vida vivi a eminência da sua morte, dada a diferença abismal das nossas idades. Quando eu nasci, já o meu pai tinha quase cinquenta anos anos...e como tal, sempre me foi incutida a ideia de que não estaria cá para me ver crescer, tornar-me mulher, partir para a vida...como os pais "normais" das minhas amiguinhas...

Pela vida fora, até hoje, e agora já com  maturidade afectiva e emocional, pelo menos assim o deveria ser, os homens que mais amei e que mais me fizeram sofrer, são  homens agri-doces, com comportamentos emocionais exactamente em repetição deste registo.

Homens que podem ou não estar, que não é sequer seguro que estejam, homens em eminência de desaparecimento, que nunca me transmitiram segurança, paz, normalidade...
Homens que me dividem com outros afectos, que me dão, na generalidade migalhas, homens com um charme próprio (não intencional), mas que me provocam destruições irreversíveis sem recobro possível...

De uma forma subtilmente ilógica, ou para a qual não tenho qualquer formação científica esclarecedora...é como se a minha vida se desenvolvesse sobre a cratera de um vulcão....

Os outros, aqueles que me valorizam e entendem esta convulsão de sentires, com as minhas inseguranças, omissões, incompletudes...aqueles que estão sempre lá, prontos a "bombeirar" chamas avassaladoras, angústias e sofrimentos...esses, que me tornariam a vida tão mais simples e normal, não "mexem" com a minha adrenalina afectiva, não me motivam emocionalmente, tenho-os como "amigos", âncoras de vida, esteios de afecto, ombros de apoio...e nunca terão possibilidade de ser o "homem-carnal", o "homem-sanguíneo"...o "homem-amante", como se o sofrimento da dúvida, da incerteza, fosse um doentio auto-masoquismo ou flagelação, que me estimulasse e impelisse sempre para os mesmos abismos...

Realmente o ser humano, muitas vezes nem se merece, nem merece as "benesses" que tantas vezes a vida lhe faz desfilar ao alcance de um coração ávido, sedento e sofrido....e deixa voltar esquinas, a quem deveria ficar, e quer "morrer" por quem paira com indiferentismo, e nem reconhece os afectos que lhes são prodigalizados...

Anamar

segunda-feira, 15 de março de 2010

"E A GENTE A ENVELHECER...."

E a gente a envelhecer...
Quando a droga do comprimido de 15 mg, que devia render até de manhã, à uma hora, já não faz efeito...e a "outra", armada em mãe diz, com ar sabedor: "tomas primeiro   uma cápsula de 15mg e depois, se for preciso, tomas outra para repor os trinta que o médico prescrevera antes"....

E a gente a envelhecer... quando jurava que tinha posto à cabeceira, a cápsula sobressalente, para, se fosse o caso, não espantar o sono...e quando gastas todas as hipóteses a cápsula levou "chá de sumiço"....vai-se à cozinha buscar outra, e o sono que devia discretamente manter-se, já tinha ido p'ro espaço....a maldita aparece no tapete!
No tapete ela, porque o sono emigrou!!!!

E a gente a envelhecer...quando a a Cláudia telefona e diz: "Mãe, o António tem umas dúvidas para te por; e eu....pronto, estou f..... (não se pode dizer) e sai o pirralho e diz : "Vó, o petróleo é uma rocha líquida....certo?? Constituída por o quê??....
Vá lá dizer àquela meia leca de gente de 8 anos... o que são hidrocarbonetos???!!!! E gesso??? Gesso então....é tabu!!
Que vontade de assobiar para o alto, e fazer de conta que não se ouviu nada!!
nesta mania das interactividades, com pais e avós!!! A gente engolia e calava!!!!!

E a gente a envelhecer, quando magistralmente, a outra acha que "o alemão" já tomou conta da família inteira, e a única que se safa é ela...claro!!
E diz... a avó com 89 já ultrapassou pais, irmãos....todos!
Tens que te ir mentalizando...... (mas aquilo sai tão pouco convincente, que se vê logo é que ela é que não quer pensar no assunto!!)

E morre o cão. E agora, mãe, é certo que a avó vai atrás! Nada disso...há que ocupá-la com naperons de cozinha linha 6...até p'ra empregada!!!

E a gente a envelhecer, quando a "desdentada" da família, acha a avó senil porque não articula um daqueles nomes horrorosos dos bonecos animados!!! Ainda se fosse a Branca de Neve, o Kalimero, o Tom e o Jerry....

E a gente a envelhecer quando vê aquele pinguço com cara de Robim dos Bosques...a repetir o que ouve e ninguém percebe nada....sempre a rir (do mal, o menos....)

E a gente a envelhecer quando injustamente dei em ter fome, são duas e meia da manhã....a Rita borrifa-se p'ra estas frescuras, quer lá saber que eu tenha outra insónia.......

Afinal, como se pode não envelhecer neste "esquema" maluco?????

Muito sã estou eu!!!

Anamar

segunda-feira, 8 de março de 2010

"ESTE COLOMBO É UM TRATADO..."


  Entrei no Colombo e pensei: aqui temos nós o itinerário privilegiado para pelo menos os próximos trinta anos, atendendo a que o meu pai faleceu aos noventa e a minha mãe, beira os oitenta e nove...

E então qual o maravilhoso, quanto emocionante programa de domingo ?

Após um pequeno almoço super tardio, nunca antes das 3h, graças ao sono e por sua vez graças à medicação, arranjei-me e passarei ainda a produzir-me melhor, assim  como quem vai de passeio importante, como quem vai a um encontro com amigos, assim como quem espera o príncipe encantado  ao virar da esquina, (porque nestas coisas nunca se sabe) e não como quem vai informalmente às compras...

Cheguei a Colombo, dia de jogo na Luz (portanto imaginem a frequência(?), dirigi-me às bilheteiras dos cinemas, e embora já tivesse jurado não voltar a ver filmes entre pipocas. coca-colas, gomas ou catinga, lá comprei um bilhete para um filme que me interessava, e como faltavam duas horas e meia para o dito, fui tomar assento na sala de visitas do Colombo.

De facto, este centro é um "tratado"...

Tive que esperar que ficasse livre uma "fauteil", o que não é nada fácil, muito menos hoje, e acomodei-me.
Troquei os óculos escuros que conseguiam tornar mais escura a claridade razoável ainda do dia, lá fora, e comecei a analisar quem dividia aquele espaço comigo...

Ao meu lado, uma senhora aí de setenta anos, sem revista, sem jornal nem nada, (porque há muito esse uso), de casaco comprido tipo rainha de Inglaterra, "camel", chapéu de abinhas reviradas, com o cabelo enrolado atrás, acompanhando-o, gola de pele, mala de mão em ouro velho, maquilhada cuidadosamente, via-se que era passante, mas figurante também..
Esteve todo o tempo que eu também estive, com um rosto fechado, que não demonstrava emoções... sem um sorriso, sem um esgar de nada. Não alterou a "pose", nem quando um "aluado" decidiu fotografar-se deitado no chão, ao comprido, situação, pelo menos inusitada!!

Há depois os "habitués" que dormem a sono solto, sem receio sequer de serem roubados. Babam-se, roncam, deixam descair as cabeças....enfim, eu sou muito mázinha!!...
Há aqueles de cuja turma eu passarei a fazer parte, que são os "voyeuristas"....gostam de olhar, mas também de ver...e hás os que se se despedem, como tendo certa a companhia semanal, quiçá diária ...

No Colombo tiram-se muitas fotografias. Os bandos de chinocas adoram por fundo, aquelas palmeiras imensas, e também há os papás babados com as criancinhas, para  quem serve qualquer fundo, desde que elas estejam lá...
Só falta ser servido um chazinho com bolos, como corolário daqueles auspiciosos fins de tarde....

Chegou a hora do filme, fui vê-lo, claro, depois jantei num dos muitos restaurantes que por lá grassam, paguei e vim para casa...

As lágrimas caíam-me em tal profusão cara abaixo, que nem vi uma cancela que existe agora na entrada da garagem onde guardo o carro.
O vigilante, que já me conhece há muitos anos, dizia-me:"tenha calma, não aconteceu felizmente nada aqui....mas já vinha a chorar, por isso não viu....foi alguma coisa grave, que lhe aconteceu?...."

Eu, agradeci e entrecortadamente disse-lhe; "sim....de facto muito grave!"....Não adiantava dizer-lhe mais nada, óbvio! E enquanto os soluços engolidos, daquela solidão que eu lá adivinhei,e carreguei comigo, faziam-me dizer :"eu não quero isto p'ra minha vida!...Isto, para mim, não dá!....

Tenhamos esperança,,,pode ser que eu não tenha a longevidade dos meus progenitores....

Anamar

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

"UM DIA DE CADA VEZ..."





Tudo me acontece nestes benditos dias que não são carne nem peixe....Passo a explicar : aí pelo meio dia, o céu carregava de cinza e chovia...
Pensei : mais um dia com a mesma "cara" dos que temos tido ultimamente, em que após o almoço, a borrasca só nos permite ficar em casa. Como diria a minha mãe "ao meio dia ou carrega ou alivia..." não havia grande margem de erro.

Pois bem, o dia hoje aliviou...e o sol deitou a cabecinha de fora, no meio de um engrinaldado de nuvens, mais para o branco.
Foi aí que eu pensei que já agora, por necessidade, mas porque também a médica está sempre a "enxotar-me" para a rua, mesmo quando eu sei que me sentiria muito melhor em casa...resolvi que iria ao Colombo tratar de um assunto.

Ora no Colombo há um "mimo," que procuro ter tempo para não desprezar, que é simplesmente sentar-me numa daquelas praças, cujo nome jamais aprenderei...e ficar apenas a ver, a olhar, a analisar, a ouvir, a deleitar-me com os passantes...enfim, como se estivesse incógnita, numa balaustrada e ninguém desse por mim.

Essa sensação de ser invisível ou ignorada, é-me muito reconfortante; depois, estou bem instalada nos sofás, não pergunto nada, ninguém me pergunta nada, e dou-me ao luxo de apenas "ver" passar o tempo...

Não foi exactamente assim, hoje...Longe estava eu de supor que o meu remanso ia ser prejudicado...

Os sofás são individuais, e como tal, não ficam exactamente agarradinhos uns aos outros, ou seja, há um espaço suficiente que obriga a quem quer dialogar, ter de subir os decibéis da voz.
No entanto isto não constituiu problema para duas mulheres, julgo que amigas, aí da casa dos trinta e muitos, penso (porque limitei -me a ser caracol dentro da concha, e não tive muita lata para os pormenores)

A conversa, pelo que percebi, rondava à volta das redes sociais da NET, em que os cibernautas, de repente ficaram todos esgazeados para frequentar.

Então uma delas dizia à amiga que, sic: "tinha conhecido um gajo da Nazaré ou coisa que o valha, que vinha a Lisboa já na próxima semana, para curtirem uma"....e acrescentou : "já nos vimos, posso dizer, integralmente...as webcams são um espectáculo"...
E respondeu-lhe a amiga : "Então mas depois dessa noite o tipo volta para a Nazaré...e tu como é que ficas? Até porque nem conheces a vida real do homem...apenas o que ele entendeu contar-te...."

E eu, cada vez mais caracoleta...nem tugia nem mugia, tinha óculos escuros que sempre tapam tudo, e por isso, também tapavam os "olhões" que nessa altura do campeonato, já deviam estar em tamanho de berlinde...

E desinibida, diz a primeira :"Estás parva? Mas eu quero lá saber se o gajo tem lá mais meia dúzia!...Se ele for bom de cama, como parece....isto é assim, minha filha...um dia de cada vez! Eu sei lá se chego a amanhã!!!!"

E continuou: "Há alguns que até parece prometerem; é questão de uns diazinhos de conversa...e estão no papo! É uma curtição que dura uns dias, podes dizer, mas para que vou eu fazer planos a longo prazo?? É usufruir-se o que se pode....No dia a seguir, com um bocadinho de jeito, a malta já nem lembra a cara um do outro!!" - e gargalhava...

De caracoleta, acho que passei a pulga, tanto me enfiava pelo sofá adentro....e dei como terminado o meu repouso, tão atarantado, hoje...
Levantei-me, peguei no saco e desandei...sem que sequer nenhuma delas estivesse preocupada com quem estava, com quem esteve, se teriam falado demasiado alto etc , etc....

Vim a cinco à hora, meio absorta pelos corredores...e a bendita frase "um dia de cada vez", martelava-me os neurónios.
 De facto, se repararem a postura muito comum do ser humano hoje em dia, desde crianças já, até adultos nas mais variadas faixas etárias, é uma justificativa para tudo o que se faz ou não, com a ameaça da precaridade do tempo certo. Assim não só há justificação e contemporização para tudo, como uma desresponsabilização também de tudo. Tudo vale, "porque eu só tenho uma vida"....tudo é legítimo, "porque eu sei lá se ali ao atravessar, não morro debaixo de um carro"...tudo é aceitável, porque a extensão temporal da vida não se compadece de serem tolhidas as vontades, os desejos, as loucuras, certos ou não, racionais ou selváticos....
Há é que aproveitar o momento, há é que tirar partido da coisa, moral ou imoralmente certo, porque nunca ninguém veio cá contar como é...lá do outro lado!!!

E eu fiquei a pensar onde é que isto nos leva, sem bitolas, sem pesos, sem medidas, o que se faz ao que nos ensinaram serem "valores respeitáveis" do ser humano, com balizas e sinais de stop de quando em quando, se a loucura parece benquista, grassa livremente e é "inocentemente" contemporizada pelos demais?....

Juro que se me embrulhou o estômago e os restantes neurónios saudáveis...somos animais ou seres humanos? Estou passada, ultrapassada, demodée, gravemente desajustada ou que gaita se passa comigo???
É que a minha mãezinha ensinou-me, que este tipo de vivências e posturas, pelo menos na sociedade machista em que ainda estamos, chamava-se outra coisa....mas eu juro, do que olhei para elas, que não vi escrita nas testas a tal palavra de quatro letras....

Anamar

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

"O APAGÃO"



Mais uma vez estamos às portas de mais uma viragem no calendário, que é como quem diz, todo aquele ritual da meia-noite do 31de Dezembro, as passas, o champagne, a barulheira nas ruas e nas janelas, a esperança, as saudações, os desejos, as promessas, alegria a sério e muitos nós nas gargantas...Vai repetir-se, o que significa, para lá de tudo o resto, que (com ou sem livro de reclamações) fomos obsequiados com mais (?), ou menos (?) um ano de calendário...

Um ano de calendário significa exactamente 365 dias, muitas vezes mal usufruídos, 8760 horas (muitas, passadas a dormir - eu), 525600 minutos em que podemos respirar 7884000 vezes; num ritmo cardíaco normal o nosso coração pulsará aproximadamente 99864000 vezes...
E a dizer "eu amo-te" haverá estatística feita?

Creio que não, mas por vezes é preciso uma VIDA, tenho a certeza...
Outras, é tão superficialmente dito, que poucos segundos bastam...mas a vida inteira é curta, para ser confirmada essa afirmação!
Outras vezes fica enrolada na língua, não sobe da garganta, faz explodir o coração...e não sai, de nenhuma forma...

Todas as noites ao deitar poderíamos endereçar um e-mail nas asas do sonho, a quem amamos de verdade, sem batota...Três palavras pequeninas, que carregariam o nosso amor milhares de vezes por minuto...até lá...lá, onde se calhar já não pertencemos fisicamente, mas onde pertenceremos sempre no coração.

Vocês sabem qual a hora que mais me conforta ao longo do dia?
Exactamente essa, a chamada "hora do apagão"...
Consiste em quê, esta hora?
Vou explicar: eu tenho estado doente com baixa por depressão (termo que eu detesto....psiquiátrica também detesto....), chamar-lhe-ei, até porque efectivamente o é...doença "sem rosto"...
Ora bem, a hora do "apagão", é aquela em que me estou  a enfiar no édredon, a hora em que a minha Rita se deita (fora do edredon, mas a fazer de aquecimento central às minhas costas), a hora em que eu envio nas asas da noite o tal e-mail...tomo os últimos comprimidos do dia (aqueles abençoados, que passados minutos já não sabemos de que terra somos), e antes que a angústia tome conta de mim, faço o clique do interruptor do candeeiro, ou seja, determino efectivamente o "apagão" para esse dia, sinto uma tristeza incontida por alguns minutos, e antes que o coração e a mente me tragam as lágrimas reprimidas ao rosto, espero que ao menos a noite tenha compaixão de mim...

Anamar

domingo, 20 de dezembro de 2009

"O VERDADEIRO NATAL"





Odeio o Natal, odeio os sábados...odeio mais que tudo o sábado anterior ao Natal!!!

Este ano em especial, por razões particulares de saúde e outras, ainda não consciencializei que o que nunca espera por nós, é o tempo, e que sou verdadeiramente obrigada a mexer-me se não quero apanhar os Reis Magos já de regresso, quando ainda estou de ida...
ou seja, trocado por miúdos, não comprei rigorosamente nada para oferecer a ninguém, e quando penso que de alguma forma, queira eu ou não, a noite de quinta, vem já aí, rapidinho, rapidinho, ainda me sinto mais inerte, triste, morta....

Por que não prescindem de mim a fazer de conta que estou óptima, a sentir que estou péssima, a ficar louca com a "salganhada" que as crianças sempre aprontam, numa noite ainda por cima vocacionada para elas?!
Por que não se esquecem que eu existo, em vez de me obrigarem a "afivelar" uma cara desanuviada, presumindo-se que as crianças requerem felicidade à sua volta, ainda que seja postiça?!

Ninguém supõe como eu dava uma fortuna para aí pelas dez, enfiar um "Mutabom M", que é tiro e queda, e dez minutos depois ter apagado!....

Nas ruas, só vejo as pessoas com ar esfalfado, infeliz, vitimizado, a comparar os "tostões" das carteiras com os preços expostos nas vitrines, e ficando sempre com aquele ar terrífico, que "galinha gorda por pouco dinheiro"....
Pessoas esbaforidas com sacos e mais sacos....encomendas e mais encomendas, as rabanadas, a lampreia de ovos, o bolo-rei, as filhós, as azevias...os malfadados sonhos que nunca na vida foram tão "pesadelos", como nessa noite...

A luta contra o tempo que falta, é titânica. As  mães de família, até a hora do almoço no emprego, utilizam, para entre duas dentadas de qualquer coisa, comprarem mais meia dúzia de tretas.
Resultado, nada é personalizado, nada tem a "cara" de ninguém, nada já é original. Simplesmente não houve tempo de pensar no mais adequado a tornar o outro feliz. Ou então faz-se como alguém que eu conheço que numa meia hora despacha o Natal : vai a uma perfumaria e pede à vendedora dez perfumes ou colónias ao gosto dela....e....já está! Tudo irmãmente contemplado!...

E aí temos nós, como o que deveria ser feliz, desejado, esperado, fica estraçalhado pelo calendário...pela obrigatoriedade...por decreto!...
"Natal é sempre que um homem quiser".....não poderá ser "Não será Natal se um homem não quiser"??...

Já agora, como eu estou com os miolos a preço de loja dos chineses, vão-me perdoar,  mas lembrei-me de repente, e sinceramente estou quase a ir registar a patente... A  ideia só funciona para os adultos, mas mesmo assim, era meia trabalheira ou mais que se aligeirava, e era o verdadeiro sentido de Natal que se reabilitava.
Senão reparem: uma pequena caixa, tipo ourivesaria ou um montinho de algodão do tamanho de um rebuçado (eu até acho que há umas caixinhas tipo prendinha com que se enfeita a árvore de Natal. Aí então era ouro sobre azul...)
Do algodão, com papel bonito e umas fitinhas douradas ou prateadas, construiam-se rebuçados gorduchos.
Na hora da distribuição, quando o pai, a mãe, o avô, etc, etc, receberem  a caixinha ou o rebuçado e freneticamente os abrirem sem nada lá encontrarem, dir-se-ia : "Aí dentro está a melhor prenda que arranjei para si....um enorme beijo carregadinho de amor! Esse é o meu presente!..."
É  ou não é, uma ideia supimpa??!!...

Eu sei apenas que Janeiro devia chegar rápido, devia poder saltar-se o calendário, ou haver dispensa para quem precisasse...Caso contrário, esta loucura colectiva ainda nos encaminha a todos para o manicómio!...



                                                                  

                                                                           ANAMAR

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

"ESTA ESTRANHA FORMA DE VIDA"


Sabem quando a gente desce à rua e tem a sensação de que o seu "sítio", o seu bairro, a sua terra se mudaram para parte incerta, parecendo que tudo o que era já não é, e as pessoas também não??!!

Pois é, hoje tive essa experiência incómoda.

O Escudeiro, previsivelmente fechado por uma semana, foram-no afinal duas (e que falta me faz o Escudeiro!...constatei agora)...

O senhor Afonso, charcuteria de há décadas e décadas, com a D. Zaida na comidinha caseira "prêt-à-porter"...sumiu...agora é um mediador de seguros...

Muitos dos espaços de circulação e cruzamento diário das gentes cá do burgo, encerrados para férias...

Pessoas que já não via há tempos, de repente diferentes...ou gordas, ou magras, ou trôpegas...ou velhas...estranhas!

Um "deserto" meio esquisito, instalado pela deserção temporária de gente que "emigrou" para férias, rumou a outras paragens.

Parece que estive noutra galáxia durante séculos e fui largada aqui por alguma nave extra-terrestre.
Dificuldade em reassumir a mesma realidade descolorida de sempre, resistência a uma retoma que se impõe, pelo menos temporalmente.
Acho que me falta aquele "élan" que põe muita gente "a pilhas", no reinício do ano de trabalho.

Vejo quem faça desesperados projectos de mudança em casa (nem que seja o bibelot ou a moldura, da cómoda para a mesa de cabeceira)...
Quem ache que pintando a casa de outra cor, "se pinta" por dentro;
Quem tenha afã de uma boa limpeza sazonal, como se com ela, se fossem todas as teias de aranha da vida;
Quem fique com comichões na ponta dos dedos para revolucionar roupeiros, gavetas, armários...

Vejo e admiro, vejo e entendo...compreendo na perfeição! Tudo isto, afinal, é muito "à ser humano"...
Sempre nos ludibriamos intencionalmente, por exemplo quando achamos que "um banho de loja" resolve e apaga as nossas "desgraças afectivas", ou quando nos achamos merecedores do maior gelado do mundo, só porque "já temos por hoje a nossa dose de chatice"...e depois, não é exactamente assim, não é mesmo nada assim...muito pelo contrário!!...

De facto, eu não critico...invejo mesmo, no bom sentido...

Que pena eu não saber ser assim, que pena eu não ter pelo menos, vontade de pôr cada parede da sala de sua cor, pintar um sol aos pés da cama, ou estrelinhas fluorescentes no tecto do quarto!!

Que pena eu não conseguir realizar-me, ou entreter-me, ou enganar-me...ou não achar ao menos uma "estucha" ciclópica e violenta, ter de dar minimamente e sem nenhum gosto, uma "lavadela de cara" a algumas das coisas que convivem comigo o ano inteiro as quais negligencio fazendo "vista grossa"!!...

É que, se assim fosse, eu certamente estaria muito mais feliz, com uma meta ou objectivo a alcançar, entraria numa enorme festa por dentro, ao contrário desta visão cansativa, cinzentona e desinteressante sobre esta estranha forma de vida!!!...

Anamar

sábado, 16 de maio de 2009

"O RAMALHETE RUBRO DAS PAPOILAS"




"Eu canto o mês de Maio , ó meu amigo..." - assim dizia Adriano.

Raiava o sol e a minha avó irrompia pelo quarto dentro. No bolso do avental, tantas amêndoas da Páscoa recente, quantos os netos que nessa madrugada do romper de Maio haviam dormido naquela casa-mãe.

Gente gaiata, de brincadeiras tardias, sono a carregar sobre a madrugada, dormia a sono solto.
"Que mania aquela!" - pensava eu. "Por mais que viva não vou entender nunca!"

E a sua voz, de quem já tem à vontade meio dia de trabalho em cima do pêlo, não dava chances, por mais súplicas ou pedidos de apelo que houvesse.
"Vá meninos...vamos lá comer a amêndoa, senão ficam com o Maio o ano inteiro. Não se pode deixar entrar o Maio!!"

Entrar o Maio, era sinal de preguiça. Quem o deixasse entrar, seria tomado de uma preguiça incontrolável por todo o ano, e por isso havia que "rolhar" as "entradas" ou "saídas" (como queiram), do corpo, para que tal "maldição" não se apossasse da gente nova, já de si tão dada a preguiças naturais...
Esse era o papel da amêndoa...
Ainda hoje, morta a minha avó há quarenta anos, a minha mãe não deixa passar um só primeiro de Maio que não me pergunte, no primeiro telefonema da manhã: "Então, deixaste entrar o Maio?"...
Oh mulherzinha aquela! Vá lá ter uma memória destas aos oitenta e oito anos!!!
E sempre lhe cheira a heresia, se por acaso, pressente que aí p'las onze ainda estou em vale de lençóis!...

Os meus avós já foram há muito, a casa-mãe daquele Alentejo que albergava os muitos que então éramos, também já não é nossa...mas o Maio sempre se me associa a memórias doces.

Na próxima quinta-feira, 21 este ano, Dia da Ascenção no calendário litúrgico, é um desses dias em que recupero um pouco a minha infância.
"Quinta-feira da Espiga"...e logo me revejo a sépia descolorida, de tranças, soquetes, vestidinho de roda e toda a charneca florida à minha frente...

Maio, tradicionalmente, e para mais no sul, significava já, temperaturas veranis, cheiros adocicados nos campos, vestidos de branco, amarelo, roxos e vermelhos.
Maio, era o mês, em que, junto com a espiga, se traziam para enfeitar as casas, braçadas de giestas, douradas e cheirosas, despretensiosas e singelas, mas rainhas num aroma intenso - as maias.
Quinta feira da espiga era dia de agitação entre a criançada, que só visto! Era dia de pic-nic nos campos, debaixo das oliveiras ou sobreiros, com todo aquele "jardim" em que se torna a charneca em flor do meu Alentejo.

E lá íamos, apetrechados de coisas para brincar, a corda para saltar, o arco do hula-hoop, com os avós, os pais, os tios, mas sobretudo a "canalha" que éramos nós, primos de idades próximas, danados p'ra brincadeira e para nos deliciarmos com o farnel meticulosamente carregado de mimos, que os adultos transportavam.
E lá íamos apanhar a "espiga", que duraria na cozinha ou na dispensa de um ano a outro, como bom presságio de abundância, felicidade e alegria.



E era ver quem fazia o ramalhete mais bonito e criativo.
Tinha ele três espigas de trigo, tiradas da seara ali aos nossos pés, sinal de que não faltaria o pão na mesa, um ramo de oliveira que simbolizava o azeite, três malmequeres amarelos (ouro), três malmequeres brancos (prata), e para lá de todas as florzinhas singelas que encontrássemos pelos campos, que levariam a alegria que iria abençoar aquela casa, como o alecrim que transporta em si saúde e força...um ramalhete rubro de papoilas, que são o amor e a vida...

E sempre foi assim, enquanto o Maio foi Maio, enquanto eu fui criança, quando havia ainda a preocupação de fazer passar adiante as pequenas coisas que faziam a vida simples das pessoas...

Anamar

terça-feira, 14 de abril de 2009

"QUEM CANTAVA, SEU MAL ESPANTAVA !!..."

Não se canta mais, hoje em dia!!!...

Numa manhã de um destes domingos, acordei com a sensação de alguém num apartamento por cima, por baixo, ou ao lado, cantar, enquanto aspirava a casa...

Arrebitei a orelha, e constatei que devia estar a sonhar.

Sabem como são estes apartamentos nestas colmeias, que são os prédios onde vivemos...
Tudo se ouve através daquelas paredes, que mais parecem de cartolina do que de tijolos...
Ele é o choro das criancinhas, às horas mais inapropriadas da noite, ele é o chichi da vizinha, ele é a cama que range sincopadamente e sem pudor, o autoclismo a despejar, os palavrões e as réplicas dos palavrões, daquele casal moderninho que até parecia serem "unha e carne"...Enfim, um sem número de sons, nos quais podia muito bem estar incluído o canto, a aligeirar as lidas domésticas.

Mas não.
De facto eu enganara-me, e já nem no duche se ouve aquela ária de ópera, que o "marmanjo" do andar de cima, considerava ser terapia adequada ao começo de cada dia!

Veio-me então à ideia, naquele dorme-acorda desatinado, que há décadas e décadas que não oiço a minha mãe cantar.
Lembro os tempos da minha criancice, da minha adolescência, em que, com a voz límpida que tinha, sempre acompanhava as tarefas de casa, com um espírito leve, solto... despreocupado.
A minha mãe e toda a sua família, eram conhecidas por cantarem muito bem. Por essa razão, há anos e anos atrás, alguém ligado à música, fez com eles, uma recolha de "Cantares ao menino Jesus", naquele Alentejo profundo.
Ainda não existia o "karaoke" e não se "fabricavam" vozes. Ou se era realmente dotado ou não. Ou se era genuíno, ou não...

Cantava a minha mãe temas da Revista à Portuguesa, em voga na altura...ou canções dos artistas do seu tempo...Tony de Matos, Tristão da Silva, Max, Beatriz Costa, Amália, Trio Odemira...sei lá, já não consigo recordar...

Depois, lembrei a D. Henriqueta, agora uma "empregada auxiliar", designação "modernaça", para a "contínua" que sempre foi, na minha escola.
Mudaram os "palavrões", mas a D. Henriqueta (recentemente aposentada), sempre foi a mesma;
Ela, e a voz cristalina que se ouvia naquele liceu, quer quando trabalhava na cozinha (nos tempos em que lá se confeccionava a comida servida), quer quando passou a atender no bar, por a escola ter contratado, em má hora, uma empresa de "catering".

Sempre cantava e bem, as "modas" de que gostava...e a sua voz, ficou de facto, nos ouvidos de todos nós que com ela convivemos.

A minha mãe realmente deixou de cantar, sequer trautear as modinhas do seu tempo, ou porque já as esqueceu, ou porque os anos com o desencanto da vida, a foram "aposentando" deste Mundo, também nesse ramo...

Hoje em dia não se canta mais...mas também não se ouve mais música.
Escutam-se "berros"...ou melhor, ensurdece-se precocemente com gritos, que não permitem seguramente o extraordinário privilégio, que é sorver até à alma qualquer tema musical que nos preenche, que é absorver até ao âmago, a harmonia de sons que nos invadem, e que por isso, quantas e quantas vezes nos trazem espontaneamente as lágrimas aos olhos...

A vida está a encarregar-se, injustamente, de nos emudecer!!...

Anamar

sábado, 28 de fevereiro de 2009

"QUANDO A VIDA AINDA É UM ETERNO CARNAVAL"


Um Carnaval mais que se foi...felizmente!

Desde menina, nunca foi época que se me "quadrasse"; eu, que tento resistir a tudo aquilo que socialmente o calendário determina, imaginem agora, ter de me divertir, ter de rir, ter de "macaquear", ter de fazer de conta que estou incontidamente feliz...só porque o famigerado Fevereiro, normalmente indica que é Entrudo!!

Em pequena, era aquela coisa chata de ter que me mascarar como mandava o "figurino" da época, de espanhola, de camponesa, e penso que de nada mais, por serem estes os disfarces que a minha madrinha detinha, e ela era a única fonte providenciadora dos ditos.
Pertencendo a uma família abastada, a mãe fizera-lhe estas indumentárias a preceito, no tempo em que, nestas famílias , vinha semanalmente a casa uma costureira.

Alugarem-se fatos, como depois se vulgarizou, ainda não era costume, e de qualquer modo, o dinheiro que havia, também não era para estes desperdícios.
Assim, apanhei um enjoo de sevilhana e de camponesa, o que me tornava drasticamente mais fastidiosa, a quadra.
Depois, havia também aquela timidez terrível, que sempre me levou a desejar que ninguém desse por mim; e nesses dias, ser eu a forçar a atenção dos demais...era "dose"!!...
Por isso, as "cinzas" da 4ª feira, eram um alívio para o "coração", da menina das tranças que então eu era.

Anos mais tarde, com filhas a "invencionar" fatiotas e cabeleiras, penteados e maquilhagens, quer incentivadas pela escola, quer saídas daquelas "mentes brilhantes"...o "terror" lá voltava de novo...
Maquilhar, desmaquilhar, pentear com palha de aço e tudo (na esperança de que a "peineta" de sevilhana se aguentasse naquele "pelo de rato" dos seis, sete anos...) uma tremenda chatice!...

As mesmas reclamações, por os fatos da madrinha velha, com cheiro a naftalina, darem à luz...sempre os mesmos, claro, se bem lembro, com a nova hipótese de "fada"...
Os corsos também sempre os mesmos, os "gigantones" e "cabeçudos" cada vez mais apalermados (nas rábulas cansadas de repetidas), as pseudo-brincadeiras cada vez mais estúpidas, as portuguesinhas de trazer por casa a acreditarem-se cariocas em Sapucaí (no "descascanço" e no saracotear da "bunda boa", que acreditavam ter, pelo menos nos três milagrosos dias, em lugar do rabiosque de sempre...)
Enfim, a lixarada dos papelinhos e das serpentinas, as "línguas das sogras" nos nossos tímpanos, a água inconveniente das bisnagas, toda aquela "poluição" visual e sonora, numa ausência de graça ou piada confrangedora, simplesmente porque graça e piada, são coisas que nem por "alma da santa" se conseguem, se não saírem espontâneamente de dentro para fora, mesmo dos mais foliões!!...



Depois disto, para mim, o Carnaval implodiu no calendário...

Hoje, pasmo ao ver os pequeninos (vivendo paredes meias com as lojas dos chinocas, sortudos que são), a mascararem-se das figuras mais impensáveis do imaginário infantil, diferentes todos os Carnavais, sem a naftalina do baú da madrinha velha a empestear os narizes, desinibidos e brincalhões ainda, nos seus dois, quatro e sete anos...felizes que só eles...acreditando se calhar, que a Vida lhes será sempre um eterno Carnaval!!...



Anamar

sábado, 27 de dezembro de 2008

"FIM DE FESTA"


Digamos que a noite ainda agora começou, isto se me pautar pelos meus habituais horários.

Apenas, estamos no rescaldo de mais um 25 de Dezembro, no rescaldo de mais um Natal, e o "clima" é um pouco estranho...
De repente, é como se tivéssemos sido esvaziados de qualquer coisa, meio indefinida, meio sem se perceber, e que à nossa revelia nos tomou conta nestes últimos dias...mesmo aos mais "resistentes"...

A afobação, a correria alucinada em que embarcámos, a loucura de concretizar o delineado, atempadamente, duma forma perfeita...a aura sempre mágica que se foi criando até ao fim dos fins, deixou agora a tal sensação estranha de que vos falava, uma espécie de cansaço da ressaca.
Sim, porque estamos agora no período de descompressão, por assim dizer.
Hoje é, na verdadeira acepção da palavra, o "day after"...

E quase estou certa (por tudo o que me passou pelos olhos), que há muitos Natais a papel químico nesta nossa terra...

Tudo começa a 24, aí do meio para o fim da tarde, quando as lojas já se aquietam, quando os "caixas" dos supermercados olham impacientes para os relógios e para as compras intermináveis de clientes fora de hora... quando os sacos com os presentes começam a ganhar lugar junto da porta da rua (para que nada fique esquecido), e as vitualhas a transportar, se contabilizam uma vez mais (não vá a lampreia de ovos ou o tronco do Natal ficar no frigorífico)...

Vem então a hora do "aperaltanço", que é como quem diz, de dar os retoques finais na toillete.
Os "kispos" ou as "parcas" protegem os pequenos...as écharpes de lã ou os xailinhos protegem as avós...até porque a noite sempre nos presenteia com aquele friozinho que faz o favor de nos devassar até aos ossos, ainda que um céu estrelado nos fascine, como ontem...

E vem a hora de se "arrancar" para o "ponto de encontro"...casa de filhos, casa de pais, de sogros...de amigos.

Lá, já a mesa está posta, a sala quente e iluminada, as cores dos adornos natalícios misturadas com o pisca-pisca das luzinhas da árvore celebrante...
Lá, a cozinha efervescente já nos chama, nos cheiros do perú, do bacalhau, do leitão...(tudo isto, para quem tem obviamente a sorte de ter um rico Natal num Natal rico...)

E são as "larachas" à mesa, as risadas soltas, as histórias contadas e recontadas pelo enésimo Natal, o doce que estaria melhor se mais doce...o enjoo de tanto desafio de pecadilhos e tão pouca barriga para lhes corresponder...
E a criançada "eriçada" sem parança possível, ou sono que lhe reduza a "mudança"...

E são as fotos e os filmes para perenizar o acontecido...e lembrar (quem sabe), mais tarde...rostos "desertores"...

Tudo isso no "calor" do afecto, tudo isso na cumplicidade de família, tudo isso no incondicionalismo do "sangue"...

A gente sabe, que à volta daquela mesa estão "aquelas" pessoas que têm a ligá-las "fios" que não se descrevem (porque não se vêem, só se sentem)...
Naquela sala estão aqueles que não se precisam procurar, porque sabem sempre quando "têm que responder à chamada"...

E quando a mesa se faz de pratos já sujos, copos vazios, doces inviolados...quando a sala se faz de despojos de "batalha campal"...quando os sofás se tornam campos de capitulação dos sonhos infantis...quando os laços e as fitas de embrulhos que o foram, recolhem "a penates"...temos a certeza que mais um Natal está baldido!

E é o regresso...caminho inverso, bem mais cansado...

E é ver, pelas ruas da cidade deserta, os carros a despejar os pequenos (anestesiados de sono, jogados em ombros de pais esfalfados)...as avós com os xailinhos agora sobre os casacos compridos, semi-envolvendo as cabeças de neve, (porque a madrugada já espreita e uma gripe também poderá espreitar...), os contentores do lixo, enfeitados como nunca esperaram, pelas cores dos papéis, pelos brilhos das fitas, das caixas vazias dos sonhos vividos, a desfrutarem agora do seu Natal...

Hoje...bem, hoje já não é bem o mesmo! O carisma não é igual, a magia também não!

Hoje é o dia em que se preguiçou para "compor" o atraso da noite...
É mais um dia "de restos" e não exactamente de prato principal...
É mais um dia de continuar a desbastar o iniciado...É a tal sensação estranha de que mais um Natal já foi, mais um ano do calendário está a encerrar "p'ra balanço", mais um ano das nossas vidas a "baixar o pano"...
Hoje, é a ressaca, é o "esvaziar do balão", o "day after"...é o fim de festa...



Anamar

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

"A LONG, LONG ROAD..."



O ano escolar está à porta.

A lembrar-mo, está uma "bendita" reunião geral de professores, amanhã pelas nove da matina...

Ano que se inicia, trouxe-me inerentemente à ideia, um tema que, penso, tem hoje e terá sempre, toda a acuidade e toda a oportunidade para ser abordado e reflectido: a educação das crianças, jovens e adolescentes, pertinente e desejavelmente a começar em casa, onde os pais deverão ter um insubstituível papel a desempenhar.
Esse papel é seu e só seu. Ninguém nunca os poderá ou deverá representar.
Para lá do amor e dos cuidados primários que um progenitor tem que assumir para com o seu filho, a educação que lhe ministra, será paralelamente um bem inalienável, herança que o acompanhará pela vida fora, mais-valias, como peças de uma sociedade onde deve saber "mexer-se" e posicionar-se, como "gente de bem"...

Formalmente, a educação e os moldes em que hoje se processa e veicula, pouco terão a ver com padrões institucionalizados lá para trás;
contudo, o "direito a ela", nunca foi tão reivindicado, dissecado, analisado, por mil razões que todos conhecemos e que não pretendo abordar neste post, sob pena de me alongar exageradamente.

Vou portanto tecer algumas simples considerações a propósito, mãe e filha que sou...


A minha mãe caminha para a invejável idade de oitenta e oito anos.

Invejável é um lugar-comum aplicável na circunstância; isto, porque eu talvez inveje à distância, poder lá chegar...(até lá não vos garanto que não mude de ideias...) e não porque eu ache uma maravilha ter essa idade.
Aliás, eu "bulho" com a minha, como poderia achar "supimpa" apagar essas velinhas??!!

Bom, mas o importante da questão é que ela está viva, cheia de energia, com uma cabeça, essa sim invejável atendendo ao "desgaste do material" e muita muita vontade de viver. Por ela, estou certa, apagaria por cá as 176 velas, ainda...

A minha mãe é, como vêem, duma geração muito, muito lá para trás, com vida, valores, educação, sonhos que nada têm a ver com os actuais.

Fui educada por ela, como filha única que sou, dentro desse figurino. E digo "educada por ela", porque o foi na verdadeira acepção da palavra, dada a precária presença física do meu pai.
Como tal, sempre se assumiu como timoneira da "minha embarcação", numa exagerada centralização de responsabilidade absolutamente desproporcionada.

É verdade que era um tempo em que o acto de educar talvez estivesse mais facilitado que hoje.

"Educar"não é provavelmente o termo correcto...Na verdade "guiavam-se" ou "conduziam-se" pessoas; de alguma forma, fabricavam-se ou induziam-se pequenos "robôts", que salvo honrosas excepções, não reivindicavam, não questionavam, pouco perguntavam, aceitavam com submissão (quase sempre quase tudo), não recalcitravam, raramente chantageavam e quase nunca se impunham.

Hoje, de acordo com os métodos e princípios pedagógico-didácticos com que se educam os filhos, isto não parece fazer qualquer sentido, mas quem for da minha geração, sabe bem do que falo.
Era a época em que os pais diziam: "É assim, porque é!...", "Não fazes, porque eu não quero!..."

Sofri na pele estas "regras de formação"; imprimi estes "preceitos" de conduta; interiorizei esta forma de estar e ser perante os outros e a sociedade em geral.
Teve méritos o que recebi, certamente. Aprendi a ser respeitadora, a saber acatar, a ser submissa, a reconhecer e valorizar qualidades, a ouvir e considerar o "outro", em paridade, sem me sentir superior ou inatingível, pessoal ou intelectualmente. Foi-me exigido ser responsável, foi-me pedido "ser capaz"...quiseram que tivesse forças para segurar o "mundo" que me punham nas costas...

Teve consequências gravosas também...sem dúvida.
Até hoje, muitos aspectos e episódios do meu percurso, foram pautados e marcados por uma personalidade ( a minha), que me acarretou infelizmente alguns desgostos, alguma infelicidade e insatisfação, alguma impreparação para a vida real, aquela que me esperava "cá fora" e a que não tive acesso, para a qual não me traquejei e escorei, nessa "redoma" ou "casulo" pré-definidos, em que me formei.

Tive eu depois que educar uma geração, onde começaram a dar-se os primeiros passos de "democratização" da educação. Uma geração de crianças e adolescentes, com seres a juzante absoluto do que vivi, seres questionantes, seres recalcitrantes, imperativos, exigentes, avaliadores, juízes...
E pais a "aprender", enquanto educavam...Pais a "tactear", na angústia do desacerto, pais a serem questionados e a questionarem-se, pais a interrogarem-se no medo do erro.
Mas, ainda assim, nunca ausentes, nunca capitulantes, fomentando o diálogo como podiam e sabiam, tentando nunca recusar uma explicação ou resposta...
Pais que pediam desculpa se consideravam ter falhado, quase impondo-se uma justificação para tudo, frente àqueles "diabinhos".
Decididamente, pais que erravam, tentando acertar...

Tive que educar uma geração que, penso, esticou a "corda" quanto pôde, testou até à exaustão, desafiou ostensivamente, fez "braço de ferro" perante quase tudo, foi pouco submissa, excessiva e prematuramente personalizada, pôs tudo em causa, inclusive os próprios caminhos em que era educada.
Falava-se demasiado em "repressão", "invasão de espaço", "desrespeito pela privacidade", "prepotência" de pais mais afoitos, ausência de disponibilidade para ouvir e compreender, "cercear de sonhos e liberdades" (quando se nos afiguravam mais "veleidades", "utopias" ou "desafios", do que sonhos)...

Eis hoje aí, essas gerações a educarem outras...
De novo...o ciclo a cumprir-se.

Talvez se comecem agora a equilibrar os dois extremos;
oiço os pais de hoje falar em disciplina e respeito, oiço exigirem educação, métodos de trabalho e responsabilidade; oiço os pais de hoje, preocupados em não falharem no interesse, no acompanhamento permanente; vejo os pais de hoje presentes, ainda que cansados, no lazer e no trabalho dos filhos, procurando conhecer (sem devassar), da escola, dos tempos livres, dos colegas e amigos, dos namorados; procurando auscultar dificuldades, incentivando nos desaires, exultando com as vitórias; presentes pela positiva, valorizando as capacidades, não penalizando excessivamente as derrotas, estando ao lado; utilizando uma pedagogia de construção e de responsabilização, propiciadora da elevação da segurança e auto-estima, cúmplice na exigência mas também no afecto.
E com isso, mais soltos, menos "assustados", mais desinibidos, mais convictos (como se sempre tivessem sabido a lição), menos auto-flagelados, culpabilizados, angustiados...e por isso, mais felizes, num "estado de graça" de uma missão que se cumpre e desenha com alguma leveza, muita entrega e sem grandes sobressaltos.

Em suma, vejo os pais de hoje mais assumidos...como se ser pai não fosse o "hobby" mais complicado e difícil do Mundo!!...


Anamar



Este post é particularmente dedicado à minha mãe (que o não lerá...) e à minha filha, que já é mãe (e talvez o leia...). Para elas, vão as minhas rosas...







segunda-feira, 8 de setembro de 2008

"QUANTO MAIS CONHEÇO OS HOMENS"...



"QUANTO MAIS CONHEÇO OS HOMENS...MAIS GOSTO DOS ANIMAIS"

Todos já ouvimos alguma vez, em algum lugar, esta citação.

Hoje chegou-me este vídeo que vos passo neste post.
Parece-me que dispensará qualquer comentário, pela ternura que as suas imagens traduzem, pela comovedora mensagem que nos transmite.

E perante ele, a frase supra-citada vem-nos de imediato à cabeça, como um "flash" despoletador inevitável de reflexão e de comparações que automaticamente estabelecemos.

O Homem distingue-se no reino animal pela inteligência, pela racionalidade, por ser, ou dever ser, um repositório de sentimentos e emoções que deverá ultrapassar largamente apenas a necessidade de sobrevivência, vivência em comunidade, instinto de reprodução e perpetuação da espécie.

O Homem deveria distinguir-se, isso sim!...

Mas quando pensamos e nos confrontamos diariamente com as suas posturas, comportamentos e actuações não só para com os outros seres vivos, mas ainda para com a sua própria espécie, todo o cepticismo doído nos atinge.

Desde ser, como já tenho sobejamente afirmado, a única espécie predadora de si própria...
Desde ser o animal que põe a sua inteligência e capacidades intelectuais, ao serviço da destruição dos seus semelhantes e do espaço que habita e de que necessita...
Desde ser, o ser corrompido que se deixa vender por interesses, "lobbies" económicos e outros...
Desde sossobrar e render-se a megalomanias gratuitas e vaidades inqualificáveis de pseudo-sucesso, a qualquer preço...
Desde usar as capacidades emocionais e afectivas de que dispõe, da pior forma possível, espalhando a dor, a morte, a revolta, reveladora de insensibilidades e indiferenças até para com os seus mais próximos (que utiliza como "joguetes", a seu belo prazer)...

o HOMEM, atrever-me-ia a dizer, deveria, por justiça, na hierarquia das espécies, ocupar não mais do que a cauda, na seriação dessas mesmas espécies que com ele compartilham o planeta Terra!!...


Anamar