terça-feira, 19 de janeiro de 2010

"UM DIA DE CADA VEZ..."





Tudo me acontece nestes benditos dias que não são carne nem peixe....Passo a explicar : aí pelo meio dia, o céu carregava de cinza e chovia...
Pensei : mais um dia com a mesma "cara" dos que temos tido ultimamente, em que após o almoço, a borrasca só nos permite ficar em casa. Como diria a minha mãe "ao meio dia ou carrega ou alivia..." não havia grande margem de erro.

Pois bem, o dia hoje aliviou...e o sol deitou a cabecinha de fora, no meio de um engrinaldado de nuvens, mais para o branco.
Foi aí que eu pensei que já agora, por necessidade, mas porque também a médica está sempre a "enxotar-me" para a rua, mesmo quando eu sei que me sentiria muito melhor em casa...resolvi que iria ao Colombo tratar de um assunto.

Ora no Colombo há um "mimo," que procuro ter tempo para não desprezar, que é simplesmente sentar-me numa daquelas praças, cujo nome jamais aprenderei...e ficar apenas a ver, a olhar, a analisar, a ouvir, a deleitar-me com os passantes...enfim, como se estivesse incógnita, numa balaustrada e ninguém desse por mim.

Essa sensação de ser invisível ou ignorada, é-me muito reconfortante; depois, estou bem instalada nos sofás, não pergunto nada, ninguém me pergunta nada, e dou-me ao luxo de apenas "ver" passar o tempo...

Não foi exactamente assim, hoje...Longe estava eu de supor que o meu remanso ia ser prejudicado...

Os sofás são individuais, e como tal, não ficam exactamente agarradinhos uns aos outros, ou seja, há um espaço suficiente que obriga a quem quer dialogar, ter de subir os decibéis da voz.
No entanto isto não constituiu problema para duas mulheres, julgo que amigas, aí da casa dos trinta e muitos, penso (porque limitei -me a ser caracol dentro da concha, e não tive muita lata para os pormenores)

A conversa, pelo que percebi, rondava à volta das redes sociais da NET, em que os cibernautas, de repente ficaram todos esgazeados para frequentar.

Então uma delas dizia à amiga que, sic: "tinha conhecido um gajo da Nazaré ou coisa que o valha, que vinha a Lisboa já na próxima semana, para curtirem uma"....e acrescentou : "já nos vimos, posso dizer, integralmente...as webcams são um espectáculo"...
E respondeu-lhe a amiga : "Então mas depois dessa noite o tipo volta para a Nazaré...e tu como é que ficas? Até porque nem conheces a vida real do homem...apenas o que ele entendeu contar-te...."

E eu, cada vez mais caracoleta...nem tugia nem mugia, tinha óculos escuros que sempre tapam tudo, e por isso, também tapavam os "olhões" que nessa altura do campeonato, já deviam estar em tamanho de berlinde...

E desinibida, diz a primeira :"Estás parva? Mas eu quero lá saber se o gajo tem lá mais meia dúzia!...Se ele for bom de cama, como parece....isto é assim, minha filha...um dia de cada vez! Eu sei lá se chego a amanhã!!!!"

E continuou: "Há alguns que até parece prometerem; é questão de uns diazinhos de conversa...e estão no papo! É uma curtição que dura uns dias, podes dizer, mas para que vou eu fazer planos a longo prazo?? É usufruir-se o que se pode....No dia a seguir, com um bocadinho de jeito, a malta já nem lembra a cara um do outro!!" - e gargalhava...

De caracoleta, acho que passei a pulga, tanto me enfiava pelo sofá adentro....e dei como terminado o meu repouso, tão atarantado, hoje...
Levantei-me, peguei no saco e desandei...sem que sequer nenhuma delas estivesse preocupada com quem estava, com quem esteve, se teriam falado demasiado alto etc , etc....

Vim a cinco à hora, meio absorta pelos corredores...e a bendita frase "um dia de cada vez", martelava-me os neurónios.
 De facto, se repararem a postura muito comum do ser humano hoje em dia, desde crianças já, até adultos nas mais variadas faixas etárias, é uma justificativa para tudo o que se faz ou não, com a ameaça da precaridade do tempo certo. Assim não só há justificação e contemporização para tudo, como uma desresponsabilização também de tudo. Tudo vale, "porque eu só tenho uma vida"....tudo é legítimo, "porque eu sei lá se ali ao atravessar, não morro debaixo de um carro"...tudo é aceitável, porque a extensão temporal da vida não se compadece de serem tolhidas as vontades, os desejos, as loucuras, certos ou não, racionais ou selváticos....
Há é que aproveitar o momento, há é que tirar partido da coisa, moral ou imoralmente certo, porque nunca ninguém veio cá contar como é...lá do outro lado!!!

E eu fiquei a pensar onde é que isto nos leva, sem bitolas, sem pesos, sem medidas, o que se faz ao que nos ensinaram serem "valores respeitáveis" do ser humano, com balizas e sinais de stop de quando em quando, se a loucura parece benquista, grassa livremente e é "inocentemente" contemporizada pelos demais?....

Juro que se me embrulhou o estômago e os restantes neurónios saudáveis...somos animais ou seres humanos? Estou passada, ultrapassada, demodée, gravemente desajustada ou que gaita se passa comigo???
É que a minha mãezinha ensinou-me, que este tipo de vivências e posturas, pelo menos na sociedade machista em que ainda estamos, chamava-se outra coisa....mas eu juro, do que olhei para elas, que não vi escrita nas testas a tal palavra de quatro letras....

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Ai, ai...estas mudanças. O ritmo é outro...samba, rumba...até um Strauss...tudo é permitido.

No nosso tempo (?!), não era assim...será que estamos erradas?

Creio que deveria haver um meio termo...alguma sensatez precisa-se. Parece que os sentimentos, os afectos, passaram para segundo plano ou não existem mesmo. O falar em voz alto é mais um acto de "partilha" que os tempo de hoje…impõem(?).

Tudo é descartável, até a amizade. Existe, hoje em dia, um jogo de interesses que ultrapassa tudo.

Eu ainda sou leal a quem demonstra ser meu amigo e ainda me surpreendo quando verifico que o contrário já não existe.
Mas enfim...já estou na curva descendente de uma qualquer distribuição Gaussiana que ao que parece está revestida de uma película de gelo que anula mesmo todo e qualquer possível atrito, daí a velocidade louca da minha descida ...nesta fase da minha vida.

Beij e já te ligo para um cafezinho
Maria Romã

anamar disse...

Olá Maria Romã
Podes crer que tudo é descartável mesmo.
E sentimentos e afectos....infelizmente, tristemente tenho que concluir ser coisa das cabeças que ainda acreditam no Pai Natal!
Olha...se calhar eles é que estão certos...nós e os nossos interesses, nós e o darmo-nos bem na vida nem que precise passar-se com um tractor por cima dos demais, nós, nós, nós.....cada vez mais isolados, cada vez mais sós, cada vez mais autistas!!!
E fazer ou acreditar em quê??
Beijinho grande
Anamar
Olha...ainda não é certo, mas provavelmente a Rita tem um linfoma...
Diz lá, falta-me alguma coisa????