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quarta-feira, 14 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA " - ILHA DO CORVO

 

                                                                          Caldeirão
                                                                    Foto do Caldeirão ( CIACC )
                                                                    Avistamento da ilha
                                                                      Vila do Corvo
                                                                   Na subida para a cratera
                                                                     O que se conseguiu ver
                                                                         No pastoreio
                                                                          Vila do Corvo
                                                                     Piscinas naturais
                                                                              Moinho
                                                                     Moinho recuperado

Vila do Corvo
                                                                  Atravessando o canal


E era dia de ir ao Corvo !  Claro, se as condições climatéricas assim o permitissem.  E permitiram !

A menor das ilhas do arquipélago açoreano, esquecida no Atlântico a norte das Flores, com pouco mais de  quatrocentos  habitantes, inóspita  e  isolada ... perdida  no  tempo,  parece  dormir  um sono  de eternidade !
A ilha do Corvo, do Grupo Ocidental, é a mais distante do Continente e a mais próxima da América, ocupando uma área de apenas 17 quilómetros quadrados.

Saímos das Flores por via marítima, num semi-rígido com lotação de cerca de trinta pessoas, com um céu descoberto, vento a favor e mar manso, para o que costuma viver-se  naquelas paragens.  
A ondulação não perturbava, apesar do galope que nos conduzia, e apesar do "banho" de mar com que gostosamente éramos brindados e nos deliciava.
Tudo se transformou numa brincadeira, entre risos, gritos, fotos, vídeos e sobretudo uma ânsia de demandarmos aquele pedaço de terra, meio misteriosa, fantasmagórica, selvagem e resistente ...
Um baluarte da tenacidade, da resiliência, da perseverança e da esperança !...

E à medida que o canal ia sendo atravessado, a curiosidade e a impaciência assaltava-nos.  Afinal quando é que essa ilha mais adivinhada que sabida, se dignava romper o cinzento uniforme de um céu entretanto fechado, e se desnudaria aos nossos olhos ??
De Inverno, o barco da travessia fá-la duas vezes por semana e no Verão a sua periodicidade é quase diária, existindo, para quem enjoa, também a opção aérea.

E a certa altura, do nada foi-se definindo um contorno, desenhando uma imagem, corporizando uma realidade ... o Corvo surgia iluminado por um sol aberto !  

A povoação de Vila do Corvo, situada na principal zona plana da ilha e composta por um entrelaçado de ruas estreitinhas e sinuosas ( assim construídas para a proteger dos ventos fortes que normalmente assolam a ilha ), calcetadas com seixos rolados e lajes polidas ( "canadas" ), constitui um município, o único em Portugal sem possuir qualquer freguesia.
É o centro de tudo o que acontece na ilha e é um povoado pequeno, situado numa fajã, no extremo sul, junto ao mar.  Com tendência para o despovoamento, não será fácil habitá-lo.
Os corvinos, população muito envelhecida, fazem-no por opção !!!
Não há transportes públicos, nem falta fariam ... o alojamento é escasso, os géneros dependem do abastecimento vindo do exterior ...

A ilha do Corvo está classificada pela Unesco como Reserva Mundial da Biosfera, sobretudo pela diversidade dos ecossistemas que possui, e pela riqueza da flora endémica que a reveste.
Mas primordialmente pela existência do Caldeirão, no seu topo,  ( a cerca de 6 km do sopé ), gigantesca cratera, que ocupando quase metade da ilha, é a resultante de um vulcão extinto.
Tem um perímetro de mais de dois quilómetros e no seu interior existem duas lagoas pouco profundas, 
Para quem aprecia este tipo de caminhada, está concebido um trilho pedestre que desce ao fundo da cratera, contorna as lagoas e volta ao ponto de origem.  Contudo, essa aventura só é possível em condições de total segurança, com tempo completamente aberto e com guia, pois quase sempre a cerração se abate repentinamente, cobrindo totalmente o que a vista pode alcançar.  Acresce que o solo é pouco confiável, com zonas pantanosas camufladas pela verdura rasteira.
Na Vila existe um interessante Centro de Interpretação Ambiental e Cultural do Corvo, sito numa casa antiga recuperada para o efeito, que pretende dar a conhecer as especificidades ambientais e culturais da ilha.

Desta feita o S.Pedro não conseguiu ser simpático.  Lá que subimos ao Caldeirão, subimos ... Mas, a menos que nos sentássemos, quiçá a tarde toda, para esperar o dissipar do nevoeiro ... com êxito ou não ... apenas pudemos imaginar as imagens da fascinante panorâmica de que em circunstâncias auspiciosas poderíamos desfrutar, e não mais ...
Mas de qualquer forma foi bem gratificante a subida, e todas as vistas que ao longo do acesso nos são disponibilizadas !  
No silêncio apenas povoado pelo vento agreste que passava, pelos chocalhos ou balidos das vacas em pastoreio pelas encostas nas plataformas abrigadas entre muros de pedra ... nem os cagarros soavam ... 

Entre o aeródromo, na ponta sul da ilha, e a costa recortada e rochosa, no topo de uma arriba donde se vislumbra todo o canal, existem 3 moinhos de vento, típicos e devidamente recuperados.  Datam do século XIX e são os únicos que resistiram aos tempos, como memória de uma actividade já extinta na ilha.
Por detrás dos moinhos, junto ao mar, a orla agreste desenhou pequenas piscinas naturais, na irregularidade basáltica dos rochedos.  

Por tudo isto que vos conto, e tudo o mais que apenas se vivencia e é impossível contar ... porque só se sente e regista no coração e na alma ... o Corvo será intemporalmente, um destino de paz, de segurança, de paisagens avassaladoras e trilhos a explorar .  
Um tesouro longínquo, sonolento e silencioso , escondido na solidão do oceano !!!

                                                                Vila do Corvo

Anamar

terça-feira, 13 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA " - ILHA DE S. JORGE

 



                                                       Igreja de Santa Bárbara das Manadas


Alguém  lhe  chamou " um gigantesco navio de pedra eternamente ancorado no meio do Atlântico".


A " Ilha Lagarto " desce a pique para as profundezas do oceano desde o alto das suas falésias escarpadas, às fajãs adormentadas em espreguiçamento de intimidade com a Natureza pura.

S.Jorge integra o Grupo Central açoriano, tem 53 km de comprimento por um máximo de 8 de largura, e emergiu das profundezas do mar, pela actividade sísmica e vulcânica .  É um dos vértices das chamadas "ilhas do triângulo", em conjunto com o Faial e o Pico, do qual a separa um estreito canal de cerca de 15 km - o canal de S.Jorge.
O seu ponto mais alto é o Pico da Esperança, com mais de mil metros de altitude.
Foi achada e descoberta logo depois da Ilha Terceira, e sabe-se que o seu povoamento se terá iniciado por volta de 1460, com o primeiro núcleo populacional nas Velas e posteriormente um segundo núcleo situado na Calheta.

A Ilha, muito embora o seu relevo seja agreste e inacessível, foi vítima, no decorrer da sua história, de ataques de piratas e corsários.  
Só no século XX o seu isolamento foi sanado com a construção dos seus principais portos, de Velas e Calheta, bem como a construção do aeródromo de S. Jorge.
Desde o início do povoamento o desenvolvimento económico passou pelo cultivo do trigo e do milho, da urzela e do pastel, os quais eram, ao tempo,  exportados para o reino e para os territórios portugueses de África.
Hoje em dia, vive-se do aproveitamento dos recursos naturais, da expansão da pecuária e pesca, do fabrico e comercialização do famoso Queijo da Ilha ... e ainda do turismo.
A videira foi um dos grandes produtos agrícolas de S.Jorge desde o século XVI, perdurando por três séculos.  As vinhas ocupavam os chamados "currais", existentes até hoje e feitos com muros de pedra basáltica, que serviam de locais de abrigo climatérico, para as plantas.
O "ciclo da laranja" também foi muito importante, com exportação para a Inglaterra e América.  O inhame, plantado em qualquer palmo de terra, foi fonte de subsistência para as populações mais desfavorecidas.  Também a caça à baleia, durante a última década do século XIX até meados do século XX, foi importante fonte de rendimento.
Das vigias instaladas em pontos estratégicos da ilha, com vista privilegiada para o mar, era dado o alarme do avistamento, por forma a que a população acorresse ao cais mais próximo, para se fazer à caçada.

Hoje a actividade mais produtiva prende-se com a exploração agro-pecuária, com a criação de bovinos para produção de carne e leite entregue nas Cooperativas, onde é transformado no famosíssimo queijo, mais ou menos curado, e detentor de "Denominação de Origem Protegida ".
Existe mesmo a Confraria do Queijo de S.Jorge.
Na Fajã dos Vimes, sul da ilha, na Freguesia da Ribeira Seca, pudemos ainda apreciar os trabalhos feitos em lã, representativos do artesanato local.

A cobertura vegetal da ilha sofreu alterações ao longo dos séculos.  Extinguiram-se espécies, e foram introduzidas espécies novas, como a batata, o inhame, o pastel, a batata-doce, a laranja, a conteira que aqui recebe o nome de "roca da velha" como referi no meu post anterior e que se tornou totalmente invasiva em território açoriano ... a criptoméria, o trigo, o milho, a vinha e as hortênsias entre outras.
Em altitude predominam as pastagens, enquanto que as fajãs são verdadeiros eco-sistemas onde as diferentes espécies vegetais convivem amplamente em harmonia, podendo encontrar-se centenas de diferentes plantas em escassos hectares.
Lógica e consequentemente, a fauna também aí é abundante.  As aves, desde a gaivota, a cagarra, o milhafre, o canário e o melro entre outros, têm como mais recente parceiro o pardal, que curiosamente povoa estas paragens apenas desde 1970 !...
No mar o peixe abunda, é variado e excelente.  Os crustáceos e moluscos imperam, as lapas, as famosas cracas e as amêijoas são petiscos incontornáveis !!!

A arte sacra está permanentemente presente em todos os lugares açorianos.  Trata-se de um povo devoto, intrinsecamente crente, temente a Deus e cultuando a imagem do Santo Cristo, acima de tudo.
Essa fé evidencia-se exacerbada, direi, porque sendo uma gente mártir e sacrificada, permanentemente assolada por cataclismos e fenómenos naturais incontroláveis, no seu isolamento e parcos recursos, sempre buscam protecção e amparo, nas entidades divinas.
Aqui, em S.Jorge, a Igreja de Santa Bárbara das Manadas ficou particularmente na minha memória.

Em suma, e porque a história vai longa, poderei dizer que a Ilha Lagarto é um mix de emoções, uma mescla de diversidade natural entre arribas altas e escarpadas na costa norte e declives menos acentuados e suaves, descendo para um oceano profundamente azul, na costa sul, onde as fajãs ( fenómeno morfológico único da orografia dos Açores ), habitadas quase todas, mas com um acesso difícil, lembram uma donzela espreguiçada placidamente à beira-mar, contemplativa, silenciosa e orgulhosa de tanta beleza esbanjada a rodos !...

S.Jorge e as suas fajãs, os seus miradouros, as vistas esmagadoras sempre prontas a surpreenderem-nos em cada volta de estrada, as suas paisagens que dos cumes das arribas nos retiram o fôlego e convidam à introspecção e à contemplação ... remetem-nos à pequenez e à insignificância do ser humano, face a uma Natureza selvagem, genuína, onde o Homem aceita, agradece e não perturba ...

                                                                      Fajã dos Cubres

Anamar

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA "- ILHA DE SANTA MARIA


                                                              " Meninas vão p'ra escola "

" Conteiras "

" Criptoméria Japónica "

Está ali, a sul de S.Miguel no meio do Oceano Atlântico, fazendo parte do grupo oriental dos Açores, a primeira ilha deste arquipélago a ser achada - Santa Maria.

É a ilha mais próxima do Continente, exibe uma forma rectangular e existe há 6 milhões de anos, depois de afundamentos e elevações motivados por fenómenos geológicos que se foram sucedendo ao longo das eras.

Com um dia a começar nublado, com alguma chuva leve intermitente, mas temperaturas  na ordem dos 22º C, iniciámos o percurso pela ilha, começando pela freguesia da Vila do Porto na costa sul, e progredindo para o norte, até à Baía dos Anjos, lugar balnear por excelência devido às suas piscinas naturais tão apreciadas pelos autóctones.

Santa Maria está dividida em cinco freguesias.  Vila do Porto que é uma vila da freguesia com o mesmo nome, é simultaneamente a sede do Concelho, e a mais antiga vila açoriana.
Não tendo sofrido actividade sísmica desde o povoamento, causadora de outras catástrofes nas demais ilhas dos Açores, Sta.Maria sempre sofreu do isolamento e inacessibilidade que lhe limitavam o poder defensivo, face aos ataques de piratas e corsários.
O Forte de S.Brás que ainda detém peças de artilharia pesada direccionadas para o mar, é um baluarte vivo da sua defesa.

As cinco freguesias apresentam uma singularidade ímpar :  cada uma emoldura as suas janelas e portas com bordaduras de cor distinta, à semelhança das casas do nosso Alentejo.  
S.Pedro, Sta. Bárbara, Sto. Espírito e Almagreira usam quase religiosamente,  as cores amarelo, azul, verde e almagre respectivamente. 
As casas exibem telhados de quatro águas e as chaminés apresentam duas tipologias particulares.  Ou são "chaminés de vapor", ou são " chaminés de mãos postas", buscando origem exactamente nos povos algarvios e alentejanos que povoaram predominantemente a ilha.

Orograficamente Sta.Maria é "dividida" de norte a sul, por uma zona montanhosa, o "Pico Alto", com cerca de 572 m de altitude, separando a sua zona ocidental, mais plana, da oriental, recortada, com escarpas e muitas reentrâncias, proporcionando cenários magníficos !   
Respeitam a épocas geológicas diferentes.
A Baía de S.Lourenço, na freguesia de Sta.Bárbara, zona de praia procurada pelos habitantes da ilha, é duma beleza inesquecível !  Olhámo-la do alto de um miradouro que permite uma perspectiva fantástica dessa beleza natural ...
No sul, a Praia Formosa, magnífica praia de areia branca, ao contrário das areias basálticas da ilha, também mereceu especial atenção.
Na Vila do Porto, o Centro Interpretativo Ambiental Dalberto Pombo, onde a neta do próprio e continuadora da obra do avô, nos levou ao conhecimento do património natural da ilha, e nos falou das espécies e fósseis marinhos de importância internacional e únicos no contexto açoriano, justificou largamente a visita. 
Do Pico Alto, em condições atmosféricas favoráveis ( o que não foi o caso ), poderia observar-se toda a ilha, numa panorâmica de 360º.
Não esqueçamos que "soi dizer-se"  poderem sentir-se nos Açores, as quatro estações climatéricas num só dia.  Por isso, é sempre uma "caixinha de surpresas" a imprevisibilidade do que nos espera em cada volta de estrada ou em cada subida de montanha ...

Gastronomicamente, deverei referir um produto exclusivamente mariense e artesanal, de origem certificada ... os "Biscoitos de Orelha", de presença certa em todas as festividades da ilha, com formato genuíno e moldagem manual.
Obrigatório provar ... Obrigatório comprar !...  😜😜😜

São verdes, muito verdes as elevações e os campos dos Açores.  Sta.Maria é chamada a ilha do sol e é muita e variada, toda a flora que a reveste.  Pelas encostas, a criptoméria japónica, uma conífera  oriunda do Japão e da China e introduzida na ilha no século XIX para aproveitamento da sua madeira para a construção e indústria naval, trepa, cerra e sombreia.  Tem um porte que pode atingir até 70 m de altura e mais de 4 m de diâmetro do tronco, em condições favoráveis, e cobre cerca de um terço da floresta insular. 

Por debaixo,  a "conteira", espécie endémica dos Himalaias, é uma planta invasiva que compromete as espécies endémicas da ilha. Têm-se mostrado ineficazes todos os esforços químicos ou biológicos para domar a sua proliferação.  As suas folhas utilizam-se contudo, quer para enrolar o queijo fresco quer como base na cozedura do pão.  As crianças chupam as flores amarelas com estiletes vermelhos em inflorescências chamativas, por serem doces.
Um grupo de investigadores da Universidade dos Açores, está contudo neste momento a desenvolver um projecto que utiliza os componentes desta espécie, para criação de materiais substituintes do plástico descartável. Desta forma, combate-se a praga e direcciona-se a sua potencialidade para um aproveitamento valioso.
Estas "conteiras" assim conhecidas no Grupo oriental do arquipélago, extremamente ornamentais, são conhecidas por "roca da velha" no Grupo Central e "cana roca" nas ilhas mais ocidentais.
Haveria de vê-las por lá ...

Por toda a ilha, ladeando os caminhos, no meio dos pastos, crescendo a esmo, surgem os maravilhosos tufos de "meninas vão p'ra escola", coloridas e diáfanas. 
São as flores que saúdam a chegada do Outono e florescem em plena época de início escolar.  Daí o nome atribuído a esta planta bolbosa ou "amaryllis belladonna", que atapeta em tons de rosa os lugares mais recônditos, campos fora. É uma planta nativa da África do Sul. 
Existe em todo o arquipélago excepto na Ilha do Corvo.

E para finalizar esta súmula explicativa da minha digressão por Sta. Maria, resta-me apenas e sempre, referir como é gratificante e regenerador da alma, deixar simplesmente a vista espraiar-se pelos patamares verdes a perder de vista, onde as vacas em pastoreio, empoleiradas nos socalcos mais insuspeitos, nos lembram e confirmam que na Terra, por vezes também há Paraísos !!!...


                                                                     Baía de S.Lourenço


Anamar

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

" ATRÁS DE UM SONHO " - AÇORES EM ANO DE PANDEMIA - Dia 1

 


Não haveria seguramente melhor introdução à minha demanda do paraíso habitado por estes "estranhos e simpáticos loucos", do que ler este pequeno texto encontrado num "postal free" no Peter's Bar na cidade da Horta - Ilha do Faial, uma das que compõem o arquipélago dos Açores !

Dele, cheguei há dois dias, após uma digressão pelas ilhas menos conhecidas, de um conjunto fantástico, diverso e incomparavelmente belo, constituído por nove, todas particulares, todas com especificidades distintas ... mas todas igualmente românticas e sonhadoras !

Achava eu que desta feita, faria finalmente uma "reportagem adequada" ao evento.  E p'ra isso, levei comigo um caderninho apropriado e enchi-me de boas intenções.
E comecei. Comecei direitinho com os registos, os apontamentos, enfim, a informação que ia colhendo e que os guias locais sábia e profusamente iam debitando aos quilos !  😁😁
Só que "o Homem põe e Deus dispõe" e a exigência da viagem, a falta de tempo livre entre todos os inúmeros acontecimentos, as infinitas paragens e as milhentas fotos inesgotavelmente colhidas, acrescidos aos horários proibitivos de despertares madrugadores, obrigando a recolhimentos em conformidade, goraram todas as minhas prévias convicções, por cansaço e impossibilidade a rigor, como eu gostaria.

Por isso, vou escrevinhar por aqui qualquer coisa, do tanto "bebido", "sorvido" e infelizmente quase impossivelmente arquivado ... enquanto me lembro ...

Tudo começou no dia 27 do extinto mês de Setembro do famigerado e pouco recomendável ano de 2020 ...

" As gaivotas adejavam aqui por cima.
Era um bando bem razoável.  Pareciam perdidas no vento ... ou talvez apenas brincassem na aragem já meio desabrida, deste domingo 27 de Setembro do traiçoeiro ano de 2020 !
O Outono, se dúvidas houvesse, mostra bem que se instalou, apesar do sol, que já não convence ninguém !

Hoje vou para os Açores na busca de uma semana que me tire deste sufoco diário.
Acredito que lá, no silêncio daquela natureza pródiga e autêntica, eu até me esqueça, pelo menos por uns dias, do que ficou por aqui !
O céu tem nuvens brancas, de "carneirinhos" ... floquinhos de algodão semeados no firmamento, até onde a vista alcança.  A temperatura é generosa, o sol aconchega quando a brisa se não sente.

São quase seis da tarde.  O avião da SATA ultrapassou as nuvens, fez-se às alturas, deixando que o atapetado branco nos ficasse por debaixo, como claras em castelo iluminadas pela luz do fim de dia.
O azul lá fora é já ténue, esbatido, diáfano !
E aí vou eu, rumando à Ilha de Sta.Maria, início de um périplo por muitas outras ilhas que não conheço, onde nunca vim ... S.Jorge, Faial, Terceira, Graciosa, Flores e Corvo, excluindo S.Miguel onde já estive em 2018, faz exactamente nesta altura dois anos portanto, e que conheço bem.

Neste momento, com a vivência sinistra da Covid 19, devastadora e impiedosa, que nos limitou as vidas, as rotinas e os horizontes, nos amputou a esperança e nos cortou os sonhos, os Açores é uma das poucas viagens possíveis, um dos poucos destinos passíveis de o serem de férias, para os portugueses deste extremo da Europa continental.
É considerado pelas autoridades sanitárias um destino "Covid Free", como aprendemos a dizer agora, e a agência de viagens com que viajo, é paradigma e exemplo de uma gestão super- segura, cuidadosa e tranquila para os seus clientes.
Tudo está a ser calculado ao pormenor, tudo está a ser monitorizado ao milímetro ...
Até agora, neste contexto sinto-me totalmente protegida.
Foi feito um teste de despiste da doença, exigido e custeado pelo Governo Regional dos Açores 72 horas antes do embarque, o qual teria obviamente que ser negativo para que pudéssemos voar.  No arquipélago será realizado outro com a mesma antecedência, antes do dia do regresso ao continente.

O programa a cumprir é exigente em termos de deslocações.  Prevêem-se oito voos inter-ilhas, e essa é francamente a parte negativa da viagem para quem, como eu tem pavor de avião ... 😁😁
Mas não há solução ... afinal não há tempo a perder, e se adoro conhecer destinos, pessoas, costumes e lugares, há que "domesticar" esta minha fobia e fazer-me à estrada, que é como quem diz, racionalizar esta paranóia absurda, descontrair o espírito, e de coração ao largo, perseguir os meus sonhos e desejos ... enquanto dá, enquanto posso, enquanto tenho vontade !...

E pronto.  Este é o meu primeiro escrito sobre o que aguardo ansiosa, e que acredito piamente poderá vir a cumprir a realização de mais um projecto, que ironicamente na minha mente, havia reservado para bem mais tarde, para quando "andasse de bengala" ( era assim que costumava dizer  😀😀 ) ... e que a Covid me impôs por ausência de alternativas possíveis e / ou seguras.
Talvez seja também essa a razão por que o grupo de viajantes seja maioritariamente constituído por pessoas de determinada faixa etária.
Continuarei a registar, com o pormenor possível neste momento, mais esta minha aventura, em condições e num ano tão particular como este, também para que um dia mais tarde, quem leia estes meus textos, possa talvez perceber como se viveu, como se ultrapassou, contornou e suportou das melhores formas possíveis, a tragédia que se abate sobre o ser humano, por todo este mundo !...

Até amanhã ...

Anamar

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

" BOM DIA VIETNAME "




O melhor de uma viagem, dizem, é o regresso a casa !
Concordo, concordei totalmente desta feita, em que duas semanas me afastaram aqui do nosso torrão à beira mar plantado.  Foi uma viagem sem dúvida espectacular, até porque fora eu que a havia elegido, mas muito exigente e consequentemente cansativa.
O oriente uma vez mais me acolheu, pois a filosofia e as histórias de vida daquelas gentes, sempre me são fascinantes e apelativas.
Já por lá andei em muitos destinos, e em todos eles, a alegria, o desapego, a inexigência, a bonomia com vidas quase sempre precárias e sofridas, maravilham-me.
Efectivamente, o oriente nada tem a ver com os princípios e os valores que no ocidente norteiam as nossas existências.

O sol desperta muito cedo e adormece igualmente cedo, pelo que, na tentativa de se rentabilizar o tempo, a "alvorada" frequentemente ocorria entre as 5 e as 6 da manhã.  Dia após dia.  Sem pausas além das utilizadas para as refeições, sempre em locais e restaurantes espectaculares, foi um "non stop" permanente.
A Península da Indochina é constituída no sentido estrito, por três países absolutamente particulares, paisagística, social e historicamente falando : Vietname, Laos e Camboja.
Três países sofridos, com marcas recentes e indeléveis de tempos injustamente carrascos.  Mais injustos ainda, se pensarmos não ter sido este conflito na realidade, mais do que um ajuste de contas entre os dois monstros políticos, Estados Unidos e Rússia, que mediam forças como sabemos, na chamada Guerra Fria, entre 55 e 75 do século passado.
As marcas da guerra, conhecida como a Guerra do Vietname, que massacrou de igual forma os países vizinhos que serviram de corredor de acesso aos bombardeamentos americanos, existem física e psicologicamente bem visíveis num país que só teve a sua reunificação entre o norte e o sul, em 1975, graças a um político e mentor venerado acima de tudo, na nação - Ho Chi Minh, cujo nome renomeou a antiga Saigão.

Sob o domínio chinês cerca de mil anos, onde bebeu os ensinamentos de Confúcio, pensador e filósofo cujos valores persistem na sociedade vietnamita até hoje, posteriormente sob o colonialismo francês, cujas marcas se reflectem notoriamente  na traça de muitos e muitos edifícios, é, religiosamente um país com uma predominância budista, embora 80 % da população se diga ateia.
A taxa de analfabetismo é muito elevada, as condições sociais muito precárias, com zonas do país onde a emigração, se permitida pelo estado, é a única saída que se configura como meio de sobrevivência.
Não esqueçamos o triste acontecimento recente, em Londres, com a morte de 39 vietnamitas num camião cisterna, que viajavam clandestinamente, em busca de uma chance.  Norteava-os a possível ajuda à família que ficara para trás.
O vietnamita coloca a família sempre à frente das suas opções pessoais.
Os mais jovens residem na casa paterna, e assumem a responsabilidade de cuidadores dos seus progenitores.
Politicamente o país diz-se socialista, e o partido comunista lidera exclusivamente, a esfera política.  É um partido único, com uma assembleia de "cartas marcadas".  Nas eleições pseudo-livres, rodam as cadeiras, previamente escolhidas pelos órgãos superiores do Partido.
A corrupção, os compadrios e os interesses particulares, estão instalados infelizmente.

A aposta na educação dos jovens, em regime espartano com grau de exigência elevada e dura, é uma medida positiva valorizada pelo estado.
Saigão, como quase todas as cidades vietnamitas tem uma super população.  11 milhões de habitantes, numa cidade que parece não dormir.
7 milhões de motos nas ruas, principal meio de locomoção adoptado, desenham um verdadeiro postal turístico  muito particular da vida daquele povo.  Nas motos tudo se transporta.  Desde famílias com quatro pessoas, a toda a panóplia de materiais, em verdadeira ginástica acrobática.
As máscaras cobrem a cara da maioria dos utentes, já que por um lado a poluição é absurda e por outro, a preocupação estética com a preservação da brancura da pele, determina a sua utilização.
O trânsito é caótico, sem regras ou sinais a respeitarem-se.  É caricato o movimento sem rei nem roque, onde passa quem primeiro chega, seja da direita ou da esquerda.
Buzina-se permanentemente, ninguém discute com ninguém.  Há uma bonomia e um respeito muito próprios na condução.  E, não assisti a um único acidente ou colisão !!!
As crianças não usam capacetes.  Quase sempre se posicionam entre as pernas do condutor, em pé, agarradas ao volante da mota.  É vulgar que uma outra, mais velhinha, circule ainda atrás, ou mesmo "ensandwichada" entre os adultos !
A passagem dos peões, na travessia das ruas, afigura-se um "suicídio" para os ocidentais, e a regra é avançar sem hesitações sempre em frente, na certeza de que seremos contornados pelos milhares de veículos ... ahahah
Fechar os olhos e seguir adiante, deverá ser a "regra" a observar ! ahahah

Enfim ... miríades de coisas eu poderia abordar, contar, e ilustrar mesmo ... com algumas das 2800 fotografias que tirei ... 😃😃😃
Estou a prepará-las, antes de as guardar ou exibir para os amigos.
Oportunamente talvez coloque algumas por aqui.

Efectivamente, uma viagem é sem dúvida um investimento cultural, pessoal e humano inexcedível.  É um ganho e um valor acrescentado que guardamos na alma para toda a vida.  São vivências que não se relatam, não se transmitem ... apenas se sentem e vivem !!!






NOTA :  Retirei este vídeo do Youtube a fim de ilustrar exactamente o que ocorre nas ruas das cidades vietnamitas, seja Hanói, seja Ho Chi Minh, antiga Saigão, visto que o Blogger não me permite postar os meus próprios vídeos.  Penso que os mesmos deveriam ser colocados primeiramente no Youtube, mas isso eu não sei !
Anamar

sábado, 14 de setembro de 2019

" VÁ-SE LÁ SABER !... "





Já aqui referi algumas vezes, ser uma pessoa que vive aqui, com a cabeça algures por aí, em qualquer lugar do mundo.
Costumo dizer que se pudesse, levava a vida de malas feitas, e bem tinha chegado, já estaria de partida, não importa sequer para onde.
Também costumo dizer que isto só pode ser herança ou karma familiar, já que o meu pai, viajante de profissão, não parava de " por o pé em ramo verde" ... e parar, para ele, era mesmo morrer um pouco !

Tenho pavor de voar.
Sou daquelas pessoas que jamais durmo, sequer dormito num avião, ainda que as viagens sejam extenuantes e demasiado longas.  Que mal se acende o sinal luminoso de cintos apertados e aviso de turbulência próxima, se agarra, com unhas e dentes aos braços do assento.
Perco a fome, mal engulo algum alimento e sempre me sinto ansiosa, angustiada e amedrontada, já antecipadamente, sobretudo na descolagem e aterragem daqueles "monstrinhos" ...
Enceto uma luta titânica comigo mesma, de mentalização para desmistificar este estado de coisas, dizendo-me que se trata de um dos transportes, se não mesmo o transporte mais seguro ... que até à porta de casa se pode ser atropelado ... que cada um só vai onde estiver destinado ... que se me entrego a este estado de espírito, não arredo de onde estou ... e patati e patata ... A tranquilidade, mesmo assim, não chega !

Seria portanto, talvez razão suficiente para ficar sossegadinha no meu canto e aquietar "o pito" !
Qual quê !!!   Lá vêm as "cócegas" nos miolos, a saturação da quietude, a vontade de ir ... e as "asas" a crescerem-me ...
E pronto, começo às voltas com os programas das agências, consulto, leio e releio as propostas oferecidas ... porque mexer nas revistas, nos mapas, nos itinerários e olhar as fotografias e descrições dos lugares, já são meio caminho andado para "descolar" !!! 😁😁😁😁

Li há dias um artigo num jornal da actualidade, que finalmente acaba descodificando o "mal" de que padeço : esta vontade incontida de viajar, esta compulsão meio doida de me pirolitar para lugares que não conheço, para civilizações diversas, para formas de viver, de estar e de sentir distintas ... para cheiros, cores e rostos que me falem de outros mundos !...
Trata-se da síndrome PPP ( Permanent Passport in Pocket ).

Segundo alguns estudos, parece haver um comportamento genético por detrás da vontade incontrolável de algumas pessoas, por viajarem.  Sobretudo quando esta apetência parece ser um estado de espírito "non stop", nunca saciável.
Em 2016 foi identificado o gene da "sede de viagens" ... o DRD4-7R.
Um blogue de psicologia sugeria que o 7R, uma variante do gene DRD4 que actua nos níveis da dopamina no cérebro, motiva o comportamento de 20% dos humanos.
A variante 7R, segundo os pesquisadores, traduz-se em "inquietação e curiosidade".  Essa inquietação pode impulsionar as pessoas a assumirem riscos maiores, na busca contínua de novos lugares e experiências.
A dopamina funciona no cérebro como se exigisse em permanência, algo "novo".

Uma bióloga americana, da Universidade de Kaplan, acredita que há uma relação directa entre este gene e o número de carimbos no passaporte de alguém ...
"A dopamina é o gene do gostar, e quando se quer mais, não se fica saciado ... acaba-se viciado !..." afirmou.
Ao contrário dos estudos que apresentam a teoria do gene DRD4-7R, uma outra investigadora do Hospital Richmond em Vancouver, e especializada na ciência de procura de emoção, é mais cautelosa nas conclusões que tira.  Acredita ela que a decisão racional de correr riscos, é mais alargada.
É característica da genética humana, desde a era dos caçadores-recolectores, quando os mais ousados em explorar novos territórios e fontes de alimento, tinham maior probabilidade de sobreviver.

Mas não se deve atribuir este impulso, apenas ao ADN, já que a personalidade de um indivíduo é poligénica, isto é, é uma imensidade de genes que contribui para a formar, além da influência do meio ambiente na química cerebral.

Também há quem defenda que esta vontade pode ser potenciada por contágio nas relações interpessoais a que uma pessoa está exposta.  Se convivemos estreitamente com alguém que adora viajar, é fácil que passemos a partilhar e a apreciar este gosto.

Seja como for, e quaisquer que sejam as origens deste impulso viajeiro - sejam genes presentes no ADN, uma tendência psicológica desencadeada por certas condições, ou uma simples maluqueira minha - algo é incontestável : a melhor maneira de tratar esta vontade louca de viajar, é render-se a ela !...

É isso, em última análise, que eu faço !!!...

Anamar

sexta-feira, 26 de julho de 2019

" LA COTICA "






De Samaná eu trago tudo ...

Das águas transparentes, de um azul turquesa espantoso na sua limpidez, com temperaturas da ordem dos 27 / 28 graus, ao silêncio do coqueiral, sussurrante na brisa que perpassa ...
Do céu, ora azul translúcido, ora com nuvens encasteladas promissoras de chuvadas tropicais abençoadas no calor que se faz ...
Do marulhar silencioso de um mar que apenas desmaia mansamente na areia fina ...
Dos peixes multicores que habitam os afloramentos coralíneos, às aves que pipilam na mata, com estridências e linguagens que só ali se escutam ...
Do matraquear dos pica-paus ao romper do dia  nos troncos dos coqueiros e nos palmeirais, ao galrejar da cotica ou cotorra como é localmente conhecido o papagaio verde, endémico e quase extinto ...
Da beleza abençoada de uma natureza pura e não moldada ainda pelo Homem, que nos absorve, nos assimila e nos transmite a maior sensação de liberdade que alguma vez experimentei ...
Dos cheiros inconfundíveis e característicos, à beleza esmagadora dos flamboyants em flor, como se de uma cabeleira rútila flamejante se tratasse ...
Dos manguezais emaranhados, ora em terra seca, ora em banhos de maré subida ...
Dos ritmos "calientes" afro-caribenhos dos merengues e das bachatas, num povo que tem a alegria nas veias e a sensualidade à flor da pele ...

Tudo, eu trago de Samaná ... na memória, nos olhos, no coração e na alma, que para mim são tudo poisos diferentes ...

Mas, sem dúvida, os acordares sem custo pelas cinco e meia, ainda com a noite meio fechada e uma aurora apenas espreitando timidamente ...
O chegar ao areal vazio e silencioso àquela hora, onde apenas três ou quatro "adoradores do sol" como eu, o aguardavam ...
A vivência daquela mística que é a magia do nascer do astro-rei - uns dias subindo no céu por detrás de nuvens que desenhavam no firmamento castelos encantados ... a outros em que apenas esfregava os olhos ensonados lá longe, por cima da linha de um horizonte límpido, como se acabasse de sair de um banho doce ...
A caminhada diária dos quilómetros destinados, na babugem da rebentação, enquanto o sol ainda o permitia porque era manso e não castigava ...
E depois, pela tardinha, reverenciá-lo de novo, outra vez por entre laranjas e dormires afogueados ... até que aquela bola imensa se transformasse lentamente numa calote luminosa apenas, e depois num último ponto aceso, de novo no horizonte acolhedor ... só que agora, do outro lado ...
Tudo eu trago de Samaná !

A terra dos taínos, que Colombo no século XV, desvendou ao mundo, tem de seu nome La Hispaniola ... República Dominicana desde 1844, ano em que se proclamou país livre e soberano ... é uma ilha do Caribe, entre o Atlântico e o Mar das Caraíbas, constituindo juntamente com outras ilhas, o conhecido anel das Antilhas.'
Nela, Samaná é uma península nordestina.
E tal como os taínos ofereciam aos espanhóis dominadores, coticas ou cotorras em sinal de amizade e hospitalidade, Samaná, a mim, ofereceu-me tudo de coração ... uma vez mais !!!

Anamar




sábado, 6 de julho de 2019

" VOU POR AÍ ... "




Adoro viajar.   Já aqui o mencionei vezes sem conta.
Já viajei muito sozinha, já viajei diversamente acompanhada, mas todas e cada viagem tiveram sempre um sabor diferente.
Já passei por alguns sobressaltos, atribulações imprevistas, acontecimentos inesperados da mais variada ordem.  Nem eu própria os equacionaria, antes sequer de iniciar a viagem ...
Mas de todas elas, sempre guardo o doce sabor da aventura, da novidade, da aprendizagem ... do enriquecimento pessoal !

E de todas elas guardo as memórias de quem me acompanhou, de quem conheci nos destinos, das histórias da história inenarrável que vivenciei.

Tenho para mim, que uma viagem é um luxo.  Um luxo do destino, que nada tem a ver com a ostentação característica desse mesmo destino, ou seja, nada tem a ver com a grandiosidade, o requinte , o perfil mais ou menos oneroso que esses locais impõem.
Para mim, trata-se de um luxo pelo privilégio, pela magia, por tudo em que ela, nos mínimos detalhes, preenche o meu coração e me enriquece a alma ...
Por isso, poder fazê-las, faz-me sempre sentir a mulher mais livre, feliz e sortuda à face da Terra ... E quando um dia as não puder fazer, por limitações da vida que se prendem naturalmente com o avanço dos anos, com a boa ou má saúde de que usufrua, ou por outros imponderáveis do destino, tenho a certeza que me sentirei tolhida, infeliz, entristecida e aí sim ... verdadeiramente envelhecida !
Porque elas são também uma injecção de juventude, de sonho e adrenalina, que nos fazem sentir vivos !

Mas, antes de partir para qualquer destino, sempre me bate uma nostalgia pelo que deixo, e uma ansiedade pelo que encontrarei. 
Como os limos nos rochedos das praias perdidas, torno-me também pertença desses areais distantes, torno-me dona dos sonhos, que o vai-vem das marés que sobem e descem me prometem ... torno-me senhora dos sons, das cores, dos cheiros e até mesmo dos silêncios imperantes.
E nada nem ninguém me consegue roubar o adormecer doce e calmo das ondas que o não são, no afago manso e eterno nas praias para lá do mundo ... quando afinal o mundo é só um !...
Nada nem ninguém me pode roubar o calor daquele sol, os lampejos daquelas luas espelhadas na mansidão das águas, onde também só as estrelas se revêem ...

Estou de partida.
Será mais uma história a viver-se ...

Anamar

terça-feira, 23 de abril de 2019

" EM EPÍLOGO "





Uma viagem é um enriquecimento pessoal extraordinário.  É uma situação em que, gastando-se, se enriquece !...

Esta minha viagem foi essencialmente de índole cultural, e sempre me fascino com a multiculturalidade que habita este nosso planeta, que tão mal tratamos.
É fascinante depararmo-nos com tantas formas diversas de vida, tantas formas de estar e sentir, de sonhar ... em suma, de existir !
Todos diferentes e todos iguais, afinal !...

As máquinas fotográficas captam e registam flashes dessas vidas.  Disparam quase segundo a segundo.
Tenta perpetuar-se a imagem, a cor, o som, a luz que fazia, a aragem que passava, a emoção que experimentávamos ...
Tenta fixar-se o momento, o instante, o tempo ...  Como se pudéssemos criogená-lo "ad eternum" na nossa existência !
É muito bom rever as imagens, posteriormente, agora ... depois ...
É muito bom, mas muito redutor.  Pode ser grande o espólio que trazemos, pode ser rica a aprendizagem alcançada ... sempre será curta e indizível ... O que vale  e o que fica, é esta herança de vida, é este prémio do existir, é esta realização do sonho !...

Estudos dizem que viajar pode ser o segredo para uma vida mais longa ...
Acredito que sim.  Afinal, são várias vidas que se vivem numa só !...

O pano desceu, a cena terminou, a história, por ora teve um "happy end" ... Mas já sonho poder de novo perder-me por aí !...

Anamar

domingo, 21 de abril de 2019

UMA "OUTRA" BIRMÂNIA ...




Se tivesse que dar um nome àquela estrada, chamar-lhe-ia a "estrada da morte" ...

Aquela estrada é a estrada de peregrinação ao Monte Popa, em Myanmar, antiga Birmânia.
Não pude fotografar ... Não entenderam conveniente, na óptica do "turismo sustentável" defendido no país.  Como se eu devesse ser portadora de uma borracha para apagar o que os olhos teimavam ver, ou pudesse cobri-los com palas, na esperança de não ver mesmo !...

O Monte Popa é um vulcão com 1518 m de altitude, extinto há 15 milhões de anos, que alberga no seu topo um santuário mandado edificar por um guru religioso no século XII, dedicado aos Nats.
O seu topo dista da base uma subida de 777 degraus, rochedo acima, como um cogumelo cujo chapéu demandássemos.
Como local de peregrinação, exige-se sacrifício, pena, esforço.
É uma via sacra, de redenção e penitência, a que se fazem todos ... crianças, velhos, novos, anciãos mesmo, mais carregados do que autónomos.
Não se questiona se se consegue ou não.  É imperativo subir, pagar promessa, angariar protecção, oferecer ... flores, frutos ... doar dinheiro ... mesmo o que não se tem ...
Afinal, são todos penitentes ...

O nome Popa vem de Puppa no idioma páli / sânscrito, significando flor, e Nats são espíritos que fazem parte da crença popular de Myanmar, desde a sua fundação pelo primeiro imperador.
Os Nats precedem mesmo o Budismo, introduzido no país vindo da Índia, e que é a religião predominante.
Acredita-se que os espíritos, almas ou Nats, têm capacidade de ajudar as pessoas ( provendo-lhes dinheiro, saúde, amor e outros ), ou podem, ao contrário, atrapalhar-lhes as vidas, causando-lhes mesmo, a ruína.
Há que apaziguar estes espíritos, com festivais místico-religiosos, que ocorrem anualmente em Agosto, em todo o país.

Ao Monte Popa, situado no centro da Birmânia, na região de Bagan, acede-se, como disse, por aquela estrada empoeirada, de vegetação ladeante seca e escassa, de asfalto precário, sem limites que a definam.
A temperatura atmosférica chega a atingir quarenta e muitos graus, para uma humidade excessiva.
Chuva, cai pouca, mesmo na monção.
É um cenário dantesco de abandono e solidão, estranho, que incomoda e fere.  Gruda nos olhos, mas sobretudo no coração !
É que é ali, naquela paisagem de terra queimada e de destruição, debaixo de abrigos improvisados com galhos secos entrelaçados, que elas estão !

Elas, são figuras esquálidas, tão ressequidas como a paisagem, enegrecidas pelo pó seco que se levanta à passagem dos veículos, encolhidas, embiocadas em andrajos que as cobrem desde a cabeça, na defesa de um sol que não dá trégua.
São bichos enrodilhados sobre si mesmos, que parecem adormecidos, acocorados no silêncio e na solidão.  Solidão de gente, solidão de miséria, solidão de fome e de pobreza ...
Muitos apoiam-se a cajados que os amparam.  São rostos "parados", sem expressão, sem vida, numa antecipação de morte anunciada.
Há velhos e velhas, muito velhos, deixados à sorte e ao destino, a quem o país não protege.
Há crianças também, muitas, por ali, acompanhando as mães ou os avós ...

"Acordam" a cada passagem de carro, de camião de peregrinos, de autocarro de turismo.
Erguem-se num salto, estendem a mão, acenam, suplicam, soltando uns gritos lúgubres e lancinantes ... e esperam, porque é também de tradição que lhes seja atirado de quando em vez, pelas janelas dos veículos que não param ... nunca param ... algum dinheiro, que aliviaria um pouco a má sorte ...
Quando isso acontece, digladiam-se, rolam na poeira, disputam fisicamente a parca esmola ...
E voltam de novo a ser sombras invisíveis, na beira da estrada ... naquela estrada da morte ...

O sol queima tudo e todos.  O ar é sufocante.  Mas elas, aquelas esfinges humanas, ali continuam ... sempre ... aqui, ali ... além ...

Será que os "Nats" os esqueceram nesta vida ?  O que será que Siddhartha Gautama lhes pregou, SER iluminado que foi, defensor dos valores, da humanidade, da justiça, da equidade ???
O despojamento, o desapego e a aceitação ... Afinal, talvez a aceitação seja o único sentimento possível, que ainda os mantenha vivos, naquela estrada da morte que são as suas vidas ... e em que eu tive vergonha de passar !!!...

... Pois "o ódio não termina com o ódio, mas sim com o amor " ... disse Buda !...

Anamar

quinta-feira, 18 de abril de 2019

" MIN GA LA BA " - Memórias de viagem




"MIN GA LA BA "  é a saudação de bons dias que nos é distribuída por todos os cantos de Myanmar.

Myanmar de seu anterior nome Birmânia, tem origem em Burma, que deriva de Burmese Bamar, a principal etnia do país.  Myanmar seria uma aliteração disso, sendo Burma a versão coloquial.
É mais um dos países situados no sudeste da Ásia , que acabei de visitar.

Fascina-me a cultura oriental, fascinam-me as belezas naturais e a tipicidade dos costumes, e fascina-me a forma simples e despojada como vivem.
A filosofia ou corrente espiritual que em predominância os norteia, o Budismo na sua vertente Teravada, tem valores e princípios que me interessam.  Nada têm a ver com a sociedade de consumo, material e vazia que motiva os ocidentais.
É uma sociedade humanista que cultiva o desapego e a felicidade na simplicidade.  Boas sementes darão bons frutos, e na vida, a lei do retorno encaminha este povo para melhores karmas, rumo ao Nirvana !

Sob temperaturas que rondam os 40º C e uma humidade excessiva, o cansaço instala-se ao fim de algum tempo.  Os dias começam bem cedo, e há que rentabilizá-los.

Myanmar é o país dos Templos dourados, dos Pagodes, das Stupas e dos Monastérios.
As cidades de Yangon, Bagan e Mandalay, foram os principais centros que visitei, sendo o Lago Inle o encerramento perfeito para o meu périplo.
Havaianas nos pés, roupa fresca e chapéu na cabeça, foi a indumentária adequada.
Lá, os homens usam "longhis", saias até aos pés, atadas na cintura, mais cómodas por mais frescas, em temperaturas demasiado elevadas, como referi.  Normalmente têm cores escuras.  As mulheres também as usam, embora prefiram cores mais garridas.
Pintam os rostos com uma pasta vegetal da Thanaka, uma árvore endémica. Ralam a madeira, e da serragem confeccionam a referida pasta, protectora da pele contra os raios solares.  Simultaneamente funciona como embelezamento, sendo-lhe desenhados motivos decorativos.

A Birmânia foi colónia inglesa até 1948.  Fora anexada pelos ingleses, em 1885, depois de três guerras.
Nesse período, a sua capital era Yangon ou Rangoon.  O líder do movimento independentista foi então o general Aung San, cuja filha viria a receber o Prémio Nobel da Paz em 1991, pela militância contra a ditadura militar imposta desde 1962.  Tem hoje 73 anos, estudou na Universidade em Deli, Oxford e Londres e o regime militar manteve-a em prisão domiciliária em Myanmar, impedindo-a de receber pessoalmente o Nobel, e ainda de acompanhar o marido, inglês, que viria a falecer de cancro, em Inglaterra.
Tendo-lhe sido negado o visto de entrada no país onde vive e onde continua a ter protagonismo político, se saísse, não mais poderia voltar.
Hoje é deputada e braço direito do presidente, embora neste momento não seja figura politicamente consensual.
A história de Aung San Suu Kyi, foi narrada no filme "The lady".

Como em qualquer um dos países asiáticos que já visitei, o trânsito é anárquico.  O transporte é feito preferencialmente por moto.  Nelas, transportam-se famílias inteiras.  Nelas, transportam-se objectos de dimensões inimagináveis, em equilíbrios de uma precariedade que lembram passes de verdadeiro malabarismo. As crianças vão à frente do condutor, segurando-se aos retrovisores, e as mulheres sentam-se de lado, atrás.
Excepcionalmente, em Yangon as motos não têm autorização para circularem.  Essa determinação adveio da ocorrência de um atentado político falhado, contra um general da ditadura.  O agressor fazia-se transportar de moto.  O atentado gorou-se, mas as motos foram então interditadas. Nas restantes cidades existem aos milhares.
Até à década de 70 a condução era feita à inglesa, ou seja, pela esquerda.  Hoje é feita pela direita, só que com o volante também à direita, pois grande parte dos carros são oriundos do Japão, feitos para mão inglesa.

A moeda nacional é o Kiat, sendo que 1 Euro vale aproximadamente 1700 Kiats.  O dinheiro circulante é apenas em papel.  Não existem moedas.
Qualquer compra é negociada e discutida acaloradamente.  Há que pechinchar !!!

Bagan é primordialmente a cidade dos Templos e das Stupas.  Já existiram mais de quatro mil.  Hoje, mercê do desgaste temporal e de terramotos ocorridos com frequência, erguem-se ainda assim, mais de dois mil.  As famílias constroem stupas em homenagem a Buda.  Dessa forma perpetuam o seu nome, e acautelam o karma futuro.
Os templos são esmagadores.  Com dimensões que nos deixam perplexos, são ricamente revestidos com folha de ouro, com placas de ouro maciço como o de Shwedagon com 99 metros, em Yangon, com madeira rendilhada, com pedaços de espelho em bordaduras recortadas, num trabalho com uma  maestria incapaz de ser descrita.
Neles se entra sempre descalço, e nos mais austeros, os ombros e as pernas devem ser cobertos.

A pouco mais de cinquenta quilómetros de Bagan, existe o Monte Popa, um mosteiro edificado no cimo de um imenso rochedo vulcânico extinto há 15 milhões de anos, que é dos principais centros de peregrinação e adoração de Myanmar.
Foi mandado construir por um guru religioso no século XII, em homenagem aos Nats, 37 espíritos / deuses, venerados, verdadeiramente adorados e temidos, que são fantasmas malevolentes e atormentados, como demónios ou duendes, que evoluíram de homens e mulheres com mortes violentas e dolorosas.
São capazes de influenciar a vida terrena, e como tal, devem ser tratados com reverência e generosidade, para trazerem sorte e prosperidade, o que significa que quem neles não crê, pode sofrer consequências terríveis.
São-lhes por isso deixadas oferendas de flores, frutos, dinheiro e litros de bebidas alcoólicas para que se apaziguem.
O Mosteiro de Popa,  Taung Kalat, ergue-se a 777 degraus do solo, numa escadaria por onde circulam famílias inteiras de fiéis, de todas as condições e capacidades físicas.  Crianças, adultos e velhos, quase carregados em peso, convivem escada acima com cerca de 2000 macacos Rhesus que proliferam ao redor do mosteiro.
Há um verdadeiro comércio parafernálio instalado, com vendedores de roupa e lembranças, com faxineiros que varrem ininterruptamente a escada totalmente conspurcada por lixo e dejectos dos símios, e que aproveitam para pedir doações.  Há todo um colorido dos trajes, dos néons e da decoração dos altares dos Nats, e há muito dinheiro em receptáculos de vidro ou mesmo colado às figuras dos espíritos.
Vive-se  um ambiente todo ele surreal !!!






Nos mosteiros,  os monges ingressam por opção ou por determinação de vida.  De facto, os mosteiros também são apoio familiar ( albergando muitos órfãos )  e social, já que a eles recorrem famílias de parcos recursos, normalmente agricultores,  gente do campo, buscando forma de educar e prover à formação integral dos seus filhos.
Pelas manhãs, os monges deixam os mosteiros transportando pequenos potes, e dirigem-se aos diferentes locais onde diariamente lhes disponibilizam os alimentos que deverão consumir numa única refeição, tomada até ao meio dia.  Depois dessa hora não ingerirão mais alimentos.
Vêm normalmente em grupos ou em filas, com os menores, à frente.   É a chamada "Ronda das almas".
A população garante a subsistência, aos monges de milhares de mosteiros de Myanmar.
Lá,  eles  estudam,  meditam,  rezam  e  também  brincam ... porque  muitos  são  apenas  crianças !

Nos templos são depositadas ofertas com velas, frutas, arroz e outros alimentos, como preito de homenagem a Buda.
Há famílias inteiras que peregrinam, e parecem "acampar" nos pagodes, numa "convivência"  com Buda ( tida como normal nas suas vidas ).
Em Shwedagon Pagoda há um altar com um Buda por cada dia da semana.  De acordo com o dia do nascimento de cada um, e utilizando pequenas canecas disponíveis, deverá banhar-se com água purificada, o nosso Buda correspondente, tantas vezes quantos os anos que temos, mais um, para que a bênção da vida se prolongue e acrescente.
Há templos em que as mulheres só se podem aproximar da estátua de Buda, até uma determinada linha que marca o espaço sagrado.  E há estátuas totalmente deformadas, pela deposição sucessiva das folhas de ouro que as revestem, em oferenda dos crentes.
As estátuas de Buda assumem as mais diversas posições ou "mudras".  As de concepção chinesa, representam quase sempre Budas sentados e extremamente obesos, enquanto que os Budas originários da Índia e do Nepal, realçam uma beleza mais feminina, com roupas colantes ao corpo, ressaltando a morfologia inerente ao género.
Por vezes, os rostos são pintados e as unhas dos pés e das mãos também.  É o que caracteriza por exemplo o "Buda Reclinado", com 70 metros de comprimento e 16 de altura, revestido a ouro, coroado com diamantes e pedras preciosas, existente no Templo Chaukhtatgyi  em Yangon.  Tem cores marcantes, manto dourado, rosto branco, baton vermelho, sombra azul nos olhos de vidro e unhas rosa.




Grande parte das estradas é feita normalmente pelas mulheres.  Umas, partem pedras até as tornarem em cascalho, outras, carregam-nas em cestas, outras ainda, espalham-nas na terra para que no final uma máquina as espalme, antes de ser colocada uma camada de alcatrão por cima.
Tudo isto, embiocadas em chapéus e panos protectores, sob um sol castigador.
A agricultura também é artesanal.  O arroz, que integra todas as refeições, é ceifado com foices, a terra arada com a ajuda de vacas ou búfalos, e podem ver-se carros de bois, carroças, manadas e rebanhos de cabras.

Nyaung Shwe fica no estado Shan, a leste de Myanmar e é a porta de entrada para o Lago Inle, um lago de água doce com 116 quilómetros quadrados, 100 Km de comprimento por 5 de largo.
Fica no meio de montanhas a quase 900 metros de altitude, e é alimentado pelas águas que delas escorrem.
Nesta zona vivem cerca de 70000 pessoas, as mulheres usam turbantes garridos, e nas suas margens encontram-se muitas das pequenas indústrias artesanais que visitei, bem como templos e mosteiros.
Phaung Daw U é um deles, com cerca de cem anos, Kyaun Khon Kyaung, o Mosteiro dos gatos saltadores, um outro, em madeira de teca, construído em 1855, segundo a arquitectura do Lago - construções palafitas assentes em estacas de bambu e com exclusivo acesso, por barco.
Neste templo um monge superior adestrou os muitos gatos que habitam o mosteiro, em malabarismos e acrobacias saltadoras.  Existem vídeos no youtube muito engraçados, ilustrando essas peripécias felinas.
Actualmente o monge superior responsável, baniu essas práticas, considerando-as antagónicas dos  valores e preceitos budistas.
Mas os gatos continuam a habitar o mosteiro ...









O Lago Inle é um jardim de jacintos de água.  À sua superfície, as pequenas flores atapetam tudo o que a vista alcança.
Os barcos dos pescadores, os barcos de transporte das populações e os de todos que sulcam o Lago, são em madeira, rasando as águas, com motor de popa.
Os pescadores e recolectores de algas do Lago, remam com os pés, equilibrando-se nos barcos, apenas com uma das pernas. Têm redes com uma forma característica, lembrando um cone invertido.
É um ballet dançado sobre as águas !!!
As algas servem para que, no próprio Lago, com a ajuda de estacas de bambu, construam plataformas fixas, sobre as quais, com fertilizantes, possam desenvolver-se as espécies necessárias à sua alimentação.  Nessas "hortas flutuantes" que têm que ser refeitas de 2 em 2 anos, cresce tomate, pepino, pimentões entre outros produtos.
As espécies vegetais desenvolvem as raízes para a água, sendo por ela alimentadas.  É a chamada "cultura hidropónica".
O Lago Inle tem uma população lacustre habitando em aldeias palafitas.  Cada casa tem uma escada até ao pequeno barco, único transporte no Lago.
A água, armazenada em depósitos em cada habitação, vem do centro do Lago, a uma profundidade de 5 metros, é tratada e utilizada para o uso das famílias.



Nas margens do Lago, visitei, como disse, pequenas indústrias artesanais em que os trabalhadores são preferencialmente mulheres.
Vi uma indústria de tecelagem, onde se fabricam peças lindíssimas, com a fibra extraída do caule da flor de lótus.  Igualmente se tece o algodão e a seda natural, essa, importada da China.
Vi a confecção de charutos artesanais, com casca de milho e papel, misturado com anis, mel, banana ou hortelã, colada com tamarindo, arroz e água.



Vi o fabrico de papel para criação de chapéus de sol, candeeiros e outros, adornados com flores naturais incorporadas, feitos da casca da amoreira.
Vi mulheres-girafa fabricando roupas com tecidos feitos das fibras de lótus também. São roupas e panos profusamente coloridos.


Ostentam no pescoço, nos braços e nas pernas, espirais de latão.  Pertencem às tribos Karen e são originárias do norte da Tailândia.
De acordo com a tradição local, parece que inicialmente esses anéis metálicos preveniam ataques surpresa, dos tigres.  Acontece que na zona onde estão sediadas as tribos de mulheres-girafa, não vivem mais esses felinos.  Apenas, a tradição perpetuou-se e continua a existir.
Trata-se pois, de uma questão cultural.
Aos nove anos de idade, já as meninas usam 13 anéis, correspondendo a um peso de quatro quilos, aumentando com a idade, o número de espiras que as envolvem.





A Birmânia tem riquezas naturais aproveitadas nas indústrias artesanais.  Tem ouro, prata, pedras preciosas e semi-preciosas em jazidas no subsolo. Tem madeira de teca e bambu usado nas mais variadas situações.
O trabalho em laca ( produto nacional de Myanmar, onde existem mais de duzentos ateliers artesanais, e em que a matéria prima vem da árvore Thitsea, cortada em tiras muito finas) , o trabalho esculpido em madeira, o trabalho em prata, em folha de ouro, em metal, a tecelagem de roupas e tapetes, entre outras, são algumas das principais indústrias artesanais, como já referi.

Sempre que visito um país estrangeiro não dispenso uma incursão pelos mercados locais.  Considero-os a mais genuína representação do povo.
Aqui também visitei alguns, e é sempre com fascinação que contemplo toda a explosão de cor, de cheiros, de sons, de costumes particulares e irrepetíveis, características de cada zona do globo.
É nesses espaços que se compreendem as rotinas, os hábitos, as vivências ... em suma, a verdade da vida de cada país !







Esta exposição já vai longa.
Quis com ela abrir-vos uma janela neste sudeste asiático, janela que permitisse ver de tão perto quanto possível, como foi ... como é !  Espero não ter sido excessivamente exaustiva nas explicações.

Para Myanmar, terra minha de acolhimento por alguns dias deste Abril de 2019, vai o meu ...
" KYEY ZU BA "  (  Obrigada )  !

Anamar