segunda-feira, 27 de outubro de 2008

"A PARAGEM..."





"Por vezes a paragem é a etapa mais importante da viagem..."

Neste fim de semana confrontei-me com esta frase, em jeito de "cartão de visita" de um filme em exibição nas nossas salas de cinema.
Ainda o não fui ver, tenciono ir, também porque esta frase (ao lê-la no cartaz afixado), fez um "clique" estranho na minha cabeça...
Com "fazer clique", não quero dizer que ela me tivesse surgido como se de uma descoberta se tratasse...
Não! "Fazer clique" significou exactamente que me perturbou, mexeu comigo, me fez parar.
Obrigou-me a lê-la compulsivamente várias vezes, tentando "senti-la"... e não me saiu da cabeça...; digamos que se me "colou" e não desgrudou mais.
Deambulando pela sala com os cartazes expostos, flagrei-me a "encompridar" os olhos para a dita, como se ela me "piscasse" lá do fundo e de alguma forma me tivesse magnetizado.

Quando em miúda viajava com os meus pais de comboio, (porque sempre foi de comboio ou autocarro que o fizemos por nunca termos tido carro próprio), as paragens eram auspiciosamente desejadas e aguardadas, como momentos em que a pausa permitia um abastecimento de sandwiches, bolos, bebidas, ou, com sorte, alguma "lambarice" para a pequenada que ansiosamente ficava à janela do comboio.

O meu pai descia sempre, no ritual da "paragem" e depois ficava junto ao estribo da porta, pé em cima, pé em baixo, na gare da estação.
Subia (ele e os outros passageiros que também por ali apanhavam ar no exterior ou fumavam um cigarro), só quando o chefe da estação (devidamente uniformizado e com um boné de pala que me fascinava...até porque aquele nem era polícia nem nada...), desenrolava a bandeirinha verde que trazia debaixo do braço e tocava uma corneta anunciando a nova etapa que tínhamos pela frente.

Aí, o comboio (às vezes ainda a carvão ), largava para o ar a bafurada "encardida" da chaminé fumegante e aquele apito rouco e estridente (qual paquete a largar o porto) e arrancava...
Primeiro, devagarzinho (o que permitia que os passageiros mais retardatários voltassem a subir para a plataforma, já com ele em andamento, acabando com a angústia dos mais pequenos, que sempre achavam que poderiam ficar "órfãos" de pai, ali mesmo naquela estação)...
Depois, lentamente...aumentava o ritmo, naquela "pouca-terra"..."muita-terra"..."pouca-terra"..."muita-terra"...



Anos mais tarde, de filhas a bordo, em carro próprio, naquelas "odisseias" de seis ou sete horas de viagem Lisboa-Beira Alta, Natais, Páscoas, Verões...pela famigerada estrada (única existente, que ao tempo, fazia as vezes da nossa A1...), também a paragem (não nas áreas de serviço, obviamente, mas em locais estratégicos para se comerem uns bons panados, arroz de tomate, leite creme e quejandos...), era reivindicada em ânsias...
Até porque as "precisões" de cada um, sobretudo da criançada que não aguentava os apertos biológicos, ditavam lei...

Anos ainda mais tarde, novas "paragens" me aguardavam nesta "auto-estrada de altíssima velocidade" que encaro por cada dia que o sol nasce...
Certamente paragens não tão gostosas...não tão gratificantes...sem vitualhas, sem doces, sem chefes de estação, sem o meu pai na gare...sem eu ser criança ou sequer já transportar crianças comigo...

"Paragens" necessárias, paragens impostas, inevitáveis, paragens não apetecidas por vezes, não desejadas quantas outras!...
Sobretudo algumas delas...paragens de fim de linha...em que o carril terminava e não havia mais percurso a fazer-se...mas ainda...paragens!...

Foram-no também, na maior parte das vezes, a etapa mais importante da viagem, de facto...

Nessas paragens fiz novas "agulhas"...inverti marchas, contornei percursos, reabasteci de combustível...às vezes pedi "informações" de rotas e itinerários, quando por perto alguém mos sabia dar...

Ou então, foram apenas paragens de encostar mesmo, à sombra de um chaparro no meu Alentejo e procurar um qualquer horizonte que fosse horizonte...quando parecia que eu já não tinha nenhum pela frente...
Ou tentar descortinar uma "estrada" menos agreste, mais generosa, para quem chega exausta e meio perdida...


Paragens, paragens, paragens...

Elas continuarão por certo...(elas integram a própria jornada, elas corporizam a dinâmica da viagem)...até à derradeira...

"A tal", que não sabemos em que estação, apeadeiro, área de serviço ou árvore de beira de estrada, nos aguarda e que certamente não falharemos...

Anamar

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