sábado, 25 de outubro de 2008

"A VERDADEIRA MONTANHA RUSSA" - COISAS DE MULHERES



Encontrei inesperadamente na rua, uma amiga que já não via há "séculos"...

Fôramos amigas durante anos e anos, cúmplices dos amargos e doces da vida...partilháramos sonhos, angústias, fragilidades, certezas e inseguranças... enfim, aquelas coisas profundas ou frívolas da vida de uma mulher...

Dividíramos horas de Faculdade, "varáramos" noites em estudos de cadeiras "chatas", puxando uma pela outra quando o sono teimava em fechar a pestana; secáramos algumas/muitas lágrimas nos primeiros desgostos de amor, no insucesso de um ou outro exame menos feliz... mas também soltáramos muitos risos e gargalhadas (pelas vitórias alcançadas)...quando elas ainda se soltavam fácil, bem cá de dentro, por a vida ser leve e as responsabilidades não excessivamente agressivas.

Mais tarde, partilhámos também filhos, nascidos contemporaneamente, êxitos e inêxitos da vida deles, as suas primeiras "graças", os sarampos e as amigdalites, o sucesso ou não das suas vidas escolares, a entrada nas suas vidas de adultos...

Emprestámos ombros... quando amputadas pelos desgostos à séria com que o destino nos atropelou, pela morte de entes muito queridos...

Ambas com percursos paralelos, próximos; ambas sem preocupações acrescidas...porque a vida correu mansa, estranhamente cinzenta, estranhamente amorfa, estranhamente não vivida, também para as duas...



Essa mesma vida encarregou-se de nos separar por razões familiares e profissionais, e o tempo e o afastamento que sempre são "carrascos", foram-no de facto, e a separação física, acrescentada à "loucura" que sempre constitui a existência de cada um, foram determinantes para que nos perdêssemos.

Quando nos revimos hoje, éramos quase duas estranhas que se aproximaram...para nos reidentificarmos segundos depois...
A amizade tem destas coisas mágicas...a verdadeira amizade tem o condão de reabilitar, reafirmar e reerguer num esfregar de olhos, os "cordelinhos" invisíveis que sempre ligam quem se quer bem.

E aquilo em que a tarde se transformou foi inimaginável...

As horas passavam e a "torrente" jorrava, jorrava e jorrava...inesgotável, como se quiséssemos colocar o passado no presente, naquela mesa de café...
E como havia urgência em nos contarmos como foi, como havia sido, como havíamos sentido, como reagíramos, como acreditáramos, como choráramos, como ríramos, como desistíramos para nos levantarmos depois, como sofrêramos, como também fôramos felizes, cada uma do seu jeito, cada uma na sua "estória"...outra vez parecidas, coladas uma vez mais!!...

Queríamos contar-nos como tinham sido os primeiros cabelos brancos, os primeiros sulcos a espreitar traiçoeiramente no espelho à nossa revelia, a primeira mágoa, quando o braço já não tinha tamanho para nos deixar ler as letras do jornal no café da manhã...

Queríamos "trocar" como fora assumir a perda da ingenuidade do percurso...como é a preocupação presente, quanto ao futuro dos nossos "velhos"...como é o frémito gostoso que nos invade, num misto de curiosidade, deslumbramento, orgulho, expectativa e esperança ao ver as gerações que aí estão a dar-nos continuidade...

Queríamos dizer-nos como doem as "mazelas" deixadas pelas cicatrizes que nenhuma plástica já resolve...por serem cicatrizes da alma...

Queríamos partilhar como é a angústia que sentimos, ao contabilizar todos os dias os recursos económicos de que dispomos hoje, nós, para quem, feliz ou infelizmente, essa questão era inexistente lá atrás...
queríamos dizer-nos como é, ter de deixar...para "quem sabe comprar qualquer dia", aquele "modelito" que nos provoca, da montra...ou ter de resolver se a consulta de oftalmologia é ou não prioritária à de ginecologia...

Uma "montanha russa"...constatámos...rindo e chorando ao mesmo tempo, frente a um bom copo de vinho branco, bem gelado, para "espantar" os amargores e as nostalgias...
uma "montanha russa" que nos deixa entontecidas, algo cansadas, apreensivas, talvez injustiçadas, pela famigerada "ampulheta" que não pára de deitar para baixo, a areia que está em cima...
nesta altura em que a "frescura" já não é a que tínhamos, quando na Feira Popular de outras épocas, com toda a adrenalina do mundo, aceitávamos subir e descer a verdadeira montanha russa, com a imagem da felicidade estampada no rosto e os cabelos, que então não eram brancos...se desgrenhavam no vento...


Anamar

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