quarta-feira, 22 de outubro de 2008

"UMA TAREFA TITÂNICA"




Subi da rua faz pouco.
Fui ao Escudeiro dar "dois dedos de prosa" (como diriam aqueles que herdaram a nossa língua), com a minha filha mais nova, que, pasme-se, sempre prefere o Escudeiro (vazio a esta hora), a vir até aqui a casa, paredes meias com o citado local.

Vazia também me sinto hoje...Vazia e "esfalfada"...
Esfalfada, como tendo chegado de palmilhar estrada e estrada...neste dia que resolveu "fechar" pelo meio, instalando um cinzento quase uniforme aqui por cima, perfeitamente enquadrado no que eu considero os requisitos para ser um dia a "abater"...
Abater, auto-abate-se ele no calendário...isso temos todos como certo.
Mas para mim, "abater" agora, é bem mais lato...É deletar, esquecer, pular no mês...fazer de conta que o não sinto...

Maluqueiras...ou então, cansaço mesmo...

Da minha janela, um sétimo andar, como penso já ter referido algures, só vejo o casario inexpressivo duma cidade também ela cada vez mais inexpressiva e incaracterística, poucas "manchas" verdes (por ausência de árvores que "esqueceram" de plantar), alguns aviões já em rota de aeroporto...e nem a minha gaivota hoje "dá as caras"...

A propósito de muita coisa sobre que tenho reflectido e analisado nos últimos dias, concluí uma outra vez como são difíceis as relações humanas, como é gigantesca a tarefa da descodificação de "códigos", de atitudes, de reais personalidades, de posturas...

As linguagens parecem tornar-se herméticas mais e mais, as mensagens parecem sair dum emissor, mas nunca chegar ao receptor, perdendo-se no "éter", por falta de alguma conexão;
os sentimentos esbarram a toda a hora (deixando em desespero quem não os consegue fazer entender)...
Consequentemente, como corolário de tudo isto, o ser humano desinveste, desiste, deixa de acreditar valer a pena, por cansaço, desmotivação, desânimo...

O Homem isola-se, fecha-se, cria fronteiras e ergue muros cada vez mais altos à sua volta, torna-se amargo, desconfiado, ressabiado, gélido por defraudado, quase desumano...

Cada vez mais, as relações a todos os níveis se pautam por contrapartidas, por trocas de interesse pessoal, por oportunismo, por utilidade, por superficialidade...

Cada vez mais se desenvolvem indivíduos a viver em "células" de individualismo, em "cápsulas" de solidão, em "mundos" só e apenas "política e socialmente" adequados, com menor exposição, maior silêncio, menor entrega, ausência de partilha e diálogo.

E todos os dias as pessoas se tornam mais tristes, amargas, calculistas, defendidas, artificiais, sozinhas...indiferentes...

E afinal, todos falamos, "grosso modo", a mesma "língua"...
Todos pugnamos pelos mesmos desideratos...
Todos aspiramos alcançar os mesmos objectivos...
Todos lutamos na fé (enquanto a temos), de dar algum significado, ainda que curto e incipiente, à passagem por estas paragens...
Todos desejaríamos "acolchoar" o mais possível as frustrações, conseguir conviver com o desamor, a incompreensão, a injustiça ou a indiferença, ainda que tantas e tantas vezes os não compreendamos...

Mas tudo parece ser vão...

E envelhecemos a concluir, por cada hora que passa, que a vida apenas nos vai presenteando com "menos-valias" em relação ao que já fomos e não somos mais, em relação aos valores em que já acreditámos e deixámos de o fazer, em relação ao ser humano mais bonito que éramos no princípio da "maratona", e que já não vislumbramos...

E ao contrário do desejável, vamos "virando" monstros" em vez de "gente", vamos ficando "diabos" em vez de "anjos", vamos travestindo o que de melhor tínhamos e ficando infelizes, profundamente infelizes por isso.

E somos forçados a pensar : se não falamos a linguagem dos filhos, dos parceiros, dos pares, de quem divide connosco espaço e vida...será de facto uma tarefa absolutamente titânica, para não concluir que impossível...os povos entenderem-se, o Mundo pacificar-se, o ser humano atingir lampejos da FELICIDADE em que alguma vez, algum dia, em algum lugar "lá atrás", seguramente acreditou...

Anamar

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