domingo, 19 de dezembro de 2010

"SÓ MAIS UM DIA...."

O Escudeiro foi vendido.
A morte anunciada daquele espaço, parece ter-se consumado, e sem saber descrever o que sinto, instalou-se-me uma tristeza acrescida, à sensação de solidão que me acompanha.
Isso, culminará no dia em que quando descer para o pequeno almoço, as portas estejam definitivamente cerradas.

Esta minha terra, este meu espaço, está a desertificar-se, a descaracterizar-se, dos rostos "nossos", daqueles que fizeran parte de determinada época da minha vida (a maior fatia, estou certa).
A população envelheceu e os velhos desertaram (alguns, só sabemos, tempos depois, quando a sua ausência persiste); os que lhes tomaram o lugar, já não me dizem nada, são outras gerações, à semelhança dos prédios novos que tentam ocupar os lugares devolutos, deixados pelos que estavam quase a cair de degradação, entaipados há longo tempo....Mas não é a mesma coisa....

Ontem eu falava com um amigo sobre o percurso das vidas, sobre o que ela nos faz e simultaneamente sobre a "endurance" ou maior invulnerabilidade que ele próprio adquiriu, fruto de tudo o que tem sofrido nos últimos anos, de uma dureza atroz....Dizia ele que já pouca coisa lhe fará "mossa", o que por um lado, talvez seja tristemente bom...

Eu, ainda não atingi a fase da invulnerabilidade, e não sei se a atingirei alguma vez, dada a minha forma de ser....eu ainda estou na fase do sangramento, do desencanto, da tristeza, do isolamento.
Noto em mim, cada vez menos aposta no investimento da minha pessoa, no que quer que seja...
Sinto um desapego a tudo e a todos, mas um dasapego ao mesmo tempo doído, porque não consigo canalizar este fechar mais e mais da minha concha de molusco, para outros caminhos ou outros rumos. Esse, sim, seria um acto de inteligência....mas não me movo. Sou efectivamente uma desistente....

Ecoa-me a voz da minha filha mais velha, que tem formas de actuar de um pragmatismo que roça a dureza:   " Tu, não fazes nada para alterar nada de nada; estamos sempre na mesma, falhas aqui, falhas ali, falhas além...."  (por acaso tudo isso eu sei....)
Ecoa-me a voz de pessoas amigas : " Tens que te agarrar a qualquer coisa...não podes viver assim..."  (e eu continuo a náufraga agarrada à tábua, só à espera que o resto das forças faltem....)
Ecoa-me a minha voz da alma, da consciência, do coração, que não ne dá paz....

Estou tão cinzenta como o dia, tão cinzenta como a crise e o desânimo instalados neste povo (estou no café, e as conversas são sempre as mesmas), tão cinzenta como o céu que se avista sobre o casario, desta minha janela de sétimo andar, onde, por ser quase noite, a minha gaivota já veio despedir-se....e, ou me engano muito, ou também vou, breve, recolher ao ninho aconchegante da cama, que hoje nem foi feita....à minha espera....

Anamar

2 comentários:

SOL disse...

Margarida,
sou sua leitura assídua há já algum tempo. Gosto do que escreve e como escreve.
Não a conheço, mas é como se já a conhecesse. Hoje não resisti ao impulso, tantas vezes contido, de lhe deixar algumas palavras e isso porque também reconheci o amigo de quem fala(e julgo não me enganar). Como compreendo o seu estado( dele) de invulnerabilidade, face a tanta adversidade que a vida lhe tem apresentado.Quando nos encontramos em situações limite,deixamo-nos invadir por uma embriaguês anestesiante que adocica a dor.....
Pensando nestes casos concretos de sofrimento,podemos sentir mesquinhas e pequenas outras "dores", outras "descompensações", o que nos enche de embaraço.....
Tente ter um Feliz Natal!Bom 2011!

SOL

anamar disse...

SOL

Obrigada pelo seu comentário. Acredite que ao longo dos meus dias faço muita análise, muito "mea culpa" e sinto-me por vezes muito mal e egoísta face às minhas "desgraças", quando efectivamente comparadas a sérias desgraças....
Só que como imaginará tudo isto não é tão linear assim, e este meu cantinho, às vezes gostaria que fosse tão somente o buraco no deserto para onde eu debitasse de uma forma absolutamente livre e descomprometida, tudo, mas mesmo tudo o que me vai na alma e o que é na realidade a minha vida....
Por razões óbvias não posso fazê-lo.
Assim, talvez de uma outra forma, e à semelhança talvez desse nosso comum amigo, também eu sobrevivo....mão materialmente, mas psicologicamente....e acredite que tenho muitos dias muito perto da desistência.
Apareça quando quiser, que só me honra com isso e um abração para si, com votos de Boas Festas.
Anamar