quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

" EM DIAS COMO O DE HOJE ... "



" Lar é o lugar que escolhemos para viver e ser feliz.  Onde  nos  sentimos  bem,  nosso  porto  seguro  onde sempre  queremos  ancorar " ...

A tarde fechou num cinzento carregado, uniforme, de desconforto pesado e gélido.
A chuva não mais parou de cair, ininterruptamente, e o chão tornou-se uma poça continuada.
A minha gaivota sobrevoa aqui bem por cima, plana no ar frio que corre, deixando para trás a rebentação, no areal distante.
No terraço das traseiras, o "Farrusco do fiambre", mais do que nunca, só tem olhos de mel,  na mancha preta do pelo que o cobre.
Está na terra dos abandonados ... pertence à condição de abandonado. 
Espreitei-o há pouco, porque chove intensamente, porque a temperatura é gelada, e porque o Farrusco tinha direito a um lar.  Afinal, ele é um gato sozinho, no terraço das traseiras, onde ninguém tem acesso, a não ser eu, com o olhar, e com uma dor fininha instalada no peito ... e a minha gaivota, que perpassa  apenas, e que está feita p'ras ondas, p'ras marés, p'ras borrascas ... e que não sabe como é uma vida de gato, no abandono !

Um lar é o lugar que escolhemos para viver e ser feliz ... porto seguro ... lugar de lançar fateixa !...

Como gostaria de te dizer, que eu, que sou boa a inventar, também arranjei um lar para nós dois, onde num dia como o de hoje, em que não sobra nada para ninguém, pudéssemos viver e ser felizes !
Este meu lar inventado, não tem o frio do lar vazio de solidão, do meu gato preto .  Não tem  o silêncio cortado pelo assobio do vento, dos céus da minha gaivota ... 
Este meu lar, está num canto resguardado daquilo que dizem ser um coração, e que não me serve p'ra grande coisa ...
Agora, serviu-me p'ra nele aninhar, o nosso impossível lar !

Abençoados estes dias cinzentos de chumbo, na cor e no peso .  Abençoado o gelo da aragem cortante, que trespassa tudo, e também a alma ...  
que insensibiliza as dores, que adormece o espírito ... que nos mata devagarinho, na proporção do sonho que nos abandona ...

E a noite que não tarda nadinha em chegar, encontra-me com as estradas de chuva desenhadas nas vidraças, encontra-me com a solidão que o gato preto tem na terra dos abandonados, encontra-me com os sonhos desvanecidos da gaivota que fugiu do temporal ... encontra-me recolhida neste lar inventado, porto seguro e lugar de ancorar, que só nos sonhos sonhados em  dias cinzentos  e  sem  luz,  me  permitem acreditar numa  palavra  que  não  me  existe ... ser feliz !!!

Anamar

2 comentários:

F Nando disse...

Mais uma deliciosa história que partilhas com quem te lê.
Beijinhos

anamar disse...

Olá Fernando

Obrigada por comentares ...obrigada por partilhares as minhas "histórias", quase sempre cinzentas e gélidas como os tempos que fazem.

Um grande beijinho para ti

Anamar