quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

" O REAL DO IRREAL "



As mimosas já estão outra vez em flor, o que significa que já passou mais um ano.
A Natureza a responder ao seu ciclo ininterrupto ... por enquanto ...

É muito complicado entrar no "mundo dos loucos", ou simplesmente dos loucos que se distinguem.
Perto do portão daquela casa, na estrada, já circulam os que vêm à rua, porque a entrada é franca, e em dias em que o sol espreita, como ontem, vêm comprar tabaco ou tomar um cafezinho ali perto.
Quando os portões se transpõem, cai-se naquele mundo inverosímil, irreal, estranho ...
Tudo ali é uma peça teatral que foge aos cânones, porque as personagens contam cada uma a sua história, a que lhes vai na cabeça naquele momento, sem obedecer a nenhum enredo.

Ontem, a temperatura era amena, o sol fizera finalmente um acordo de pacificação connosco, depois de uma invernia que se tem abatido, cáustica e massacradora, há tempo  demasiado.
Ontem o dia era de tréguas, e por isso, muitos dos homens que ali vivem, estavam sentados ao sol.
A generalidade, a maioria, curvados, por forma que o horizonte próximo, fosse o chão.  O chão que lhes fica aos pés, nem sequer o espaço aberto que se desenrola aos seus olhos, por aquela largueza já verdejante, com tanta chuva que tem caído.
O céu, o sol, a Pena e o castelo ao longe, divisados com nitidez ... nada lhes interessa ou os sensibiliza.
Isso são apontamentos de outra realidade que não a sua !
E quedam-se  horas,  estáticos,  imutáveis  na  posição,  no  semblante ... em silêncio absoluto.
Será  que  pensam ?...   Pensarão  alguma  coisa ?...   Que  tipo  de  coisa ?...   Que  demais  raciocínios lhes  atravessarão o espírito ?...

Depois há os que circulam por ali, e por cada vez que connosco topam, nos dão um aperto de mão, e numa linguagem disléxica, percebe-se que falam em "moedas".  Pedem para um café, para um bolo, para uma despesa de bar.  Alguns pedem "um cigarrinho" ...
Penso que só podem fumar fora de portões.  A instituição não permite.

Mas há quem apenas verbalize "ruídos" idênticos aos de uma criança de quatro anos.  Sem parar.
Ficam impossíveis de serem ouvidos ao fim de um bocado.  Não se suportam os guinchos, misturados com gargalhadas sem nexo.

Há quem passe horas a atirar ao chão uma pedra da calçada, com uma fúria inexplicável.  Atira e recupera-a, atira e recupera-a ...
São horas concentradas nesse "trabalho" ...  Porquê ?  Que mecanismos mentais presidem a essa postura ??

O que faz alguém passar um dia a "red line", mudar de "mundo",  pautar-se por comportamentos absoluta e nitidamente  desviantes ??
O que leva toda a conformação física, inclusive, a acompanhar o desajuste mental ?
Por que nenhum daqueles "loucos" tem o facies, o andar, a postura,  a expressão, enquadrados nos parâmetros ditos de "normalidade" ??!!
Por que, para lá da mente, têm o corpo deformado ?
Claro que se coloca a questão óbvia, de discutir ou saber quais as "balizas" que definem a "normalidade", sendo que nos tempos actuais, cada vez mais esses contornos são difusos.

Ser ou ficar louco, advém de uma mera alteração física ou fisiológica?
Ser ou ficar louco, é simplesmente uma afecção tão perturbadora e determinável, como qualquer outra?
É uma predisposição orgânica, ou resulta de uma alteração patológica, como o são aquelas com que convivemos diariamente, e socialmente mais enquadradas, digamos ?
Ou pode ser uma desistência do ser humano, numa incapacidade de viver, numa recusa da realidade em que se insere ?
Ou será que pode resultar de uma inadaptabilidade de inserção nos quadros e figurinos da vida comum, o que acarreta para o indivíduo , um grau de insatisfação e desespero insuportáveis ?

E  mergulhada naquele "mix" de pensamentos e emoções, mergulhada naquela "irrealidade" real, reflectindo sobre a vida que se vive, os tempos que se desenrolam, a instabilidade doída  que se sofre, eu pensava se aqueles seres não estarão afinal, num qualquer "estado de graça", que os subtrai abençoadamente ao cataclismo emocional que nos desestrutura a todos, e nos mata aos poucos, "anestesiando-os", conferindo-lhes um indiferentismo, e uma "ausência protectora" do circundante, tornando-lhes dessa forma, a sua "diferença", numa saudável loucura ?!

É absurdo, é ilógico e é idiota, eu sei ... mas cheguei a sentir inveja.
Ali existe a paz do desapego da Vida,  existe o repouso da ausência de sobressalto, perpassa a tranquilidade que a almofada nos transmite, quando nos aninhamos para um sono reparador ...

Anamar

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