quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

" EU SOU UMA MERDA ... "



Há momentos da vida em que nos sentimos absolutamente sós.

Tive a minha existência demasiado atapetada, já o tenho dito.
Os meus pais primeiro, um casamento depois, como uma espécie de extensão de uma relação paternalista, não me permitiram nunca, ganhar "endurance", traquejo da realidade, de uma forma objectiva.
Não me permitiram ganhar resistência  face às dificuldades, às contrariedades, às preocupações, decepções ou mágoas.
Efectivamente, a minha resiliência é mínima, e sossobro muito facilmente.
Basta que uma das pedras do dominó caia, para que de imediato derrube todas as outras, sem parança, numa onda de tsunami que avassala e arrasta tudo, em enxurrada.
Tenho uma fragilidade emocional, provavelmente inadmissível numa mulher da minha idade.
Com um vento mais forte, como um arbusto açoitado, vergo, sem defesa.

Depois, sou egoísta e comodista.  Ou seja, dou-me pouco aos outros, centro-me demasiado, e quase exclusivamente em mim.
Habituei-me provavelmente a ser o sol, em torno do qual os planetas giram imparáveis, sem que eu olhe esses "planetas", colocando-me na sua perspectiva.
Não sei viver em "dificuldade", sendo que essa dificuldade não carece ser material ;  ao contrário, são as tempestades do coração que mais rápido me derrubam, e me dão o "knockout" perfeito, deixando-me incapaz,  confusa,  perdida,  desistente,  fora  do "tabuleiro! ...

Não sou uma pessoa  pró-activa.
Admiro por demais as pessoas que lutam, que esbracejam, que furam, que não baixam os braços, que acreditam.
Que procuram luz, mesmo sabendo que houve um "apagão" geral nas suas vidas ;  que se agarram a uma rolha de cortiça flutuante, no meio da maior borrasca ...
Essas, são pessoas de esperança, pessoas de força, pessoas capazes.

Eu sou uma merda.
Efectivamente, eu não só sou incapaz de ajudar os outros, como também, não me ajudando para poder fazê-lo, constituo  um  empecilho objectivo  adicional , para quem me cerca.

Ontem, as notícias relatavam mais uma tragédia humana, desesperante.
Uma mãe que envenenou os seus dois filhos pré-adolescentes, e se suicidou em seguida.
Juro que entendo perfeitamente essa mulher.  Quase consigo sentir o que ela terá sentido, ao cometer a loucura, a que a sociedade é rápida a apontar o dedo.
E cada vez mais, sei exactamente, como é voz corrente, que só saberá avaliar as situações, quem as viva de facto, embora, julgadores de imediato, sejamos rapidamente todos nós, com uma leveza e uma leviandade fáceis, atrevidas e inconsequentes.

A minha mãe adoeceu.  A minha mãe que está a dois meses dos noventa e dois anos, claudicou.
A "muralha" cedeu, forte e feio.
Habituei-me a ver na minha mãe, uma fortaleza, que tontamente não queria aceitar que cedesse nunca.
Aliás, o que eu acharia justo para a mulher que ela foi, seria que morresse de pé, como as árvores lá da serra.  Aquelas que engrossaram os troncos, à custa da bordoada dos ventos e tempestades, sem sossobrarem.
A minha mãe aguentou firme tudo o que a vida lhe destinou, aguentou e viveu de perto o declínio do meu pai.
Resolveu, decidiu, ordenou, fez tudo como entendeu, à revelia de opiniões, independente de vontades alheias.
Hoje, e de um dia para o outro, sem anúncio prévio, deixou o Inverno tomá-la.
Despiu-se das folhas, definhou os troncos, soltou raízes da terra ...
E eu  tenho, perante tudo isto, uma reacção estúpida, de novo.
Sofro egoisticamente, porque a minha vida pessoal se condicionou completamente ( e sinto-me monstruosa por isso ) ...  sofro, porque ela  não merece "ver-se" hoje, como está ... pela pessoa que foi toda a vida ... sofro, porque ela é uma folhinha levada para onde o vento a arrasta ( e como qualquer ser, em situação de fragilidade, incapacidade e depedência, é merecedora de compaixão ) ...
Mas depois sofro de raiva, impotência e inaceitação, por toda a devastação e degradação a que é necessário chegar-se, até se desligar o "comutador", e a sombra descer em paz ...

A minha mãe não tinha o direito de desistir ... logo agora !!!
"Por que é que ela me está a fazer isto " ?? - pareço perguntar-me, como uma criança ...

Nestes momentos de mortes anunciadas, sejam de vidas, de afectos, de amores, de sonhos, de esperanças ... nestes momentos, em que somos confrontados apenas com a nossa força, a nossa capacidade, a nossa realidade ...  nestes momentos, em que se testa a nossa "fibra", em que  se percebe quem são  realmente  as "grandes" pessoas, as pessoas de corações magnânimos, disponibilidade de alma, força espiritual,   combatividade e garra ... é que me confronto com uma solidão interior imensa, é que me confronto com a fraca dimensão do meu "eu" ...  com  a  pequenez  e  enorme imperfeição do meu ser, com a fragilidade do meu mundo emocional, com a minha falta de autonomia, enquanto gente ...

E percebo-me, como  aquele  muro sem escoras, aquela árvore sem estaca,  aquela  albufeira sem diques ...
É quando me surge sempre, cobardemente, como solução mais fácil, desistir, ausentar-me, fugir, sumir, desaparecer ...
É quando me sinto exausta, extenuada, sem forças ... Porque simplesmente, eu sou uma merda !...

Anamar

13 comentários:

Anónimo disse...

Talvez "rebente" de novo como as flores na Primavera, antes do dia final.
Malmequer

anamar disse...

Olá Malmequer

"Talvez"...dizes bem !

"Talvez", a palavra a que sempre nos agarramos, mesmo quando é apenas um inevitável e curto "talvez"...

Beijinhos e obrigada por teres comentado

Anamar

F Nando disse...

Um turbilhão de pensamentos e sentimentos...
CORAGEM!
Beijinho

anamar disse...

Vida complicada Fernando ...ou simplesmente EU, não sei "descomplicá-la" !!

Obrigada pelo carinho

Um beijinho

Anamar

Anónimo disse...

Eu sou uma merda ? seja realista sff.

anamar disse...

Olá Anónimo

Gostaria que tivesse a coragem de pôr o nome ou dar o rosto...porque ser "realista" é também explicar por que me interpela / censura por eu ter aposto este título ao meu post.

As palavras não me perturbam, não me restringem, não me sufocam ...
Sempre escrevo, doendo-me ou não, sobre as minhas convicções.

De qualquer forma, agradeço reconhecida os comentários que me fazem, porque terão perdido o vosso tempo, lendo-me ....

Anamar

Rosa disse...

Oi Anamar como você está hoje, neste ano de 2016? Cheguei aqui porque estou assim: me sentindo um nada!Não sou mais tão jovem , mas ainda assim me sinto insegura na vida,talvez não tenha crescido de fato.Dependo financeiramente de mim, mas emocionalmente dependo dos outros; do que eles acham de mim, se gostam disso ou daquilo em mim... enfim, eu sinto necessidade de ser aceita, de ser querida... ao menor gesto de desiteresse por mim ou de algo que eu tenha feito é motivo para eu me sentir uma droga.Gostaria de mudar isso, mas parece que é algo impregnado no sangue ou em alguma célula e que por isso não se pode mudar. Um dia eu consigo mudar, quem sabe!Mas falando de você; me conte como está a sua vida... gostei do seu jeito de escrever. Você sabe usar e brincar com as palavras, Acho você uma escritora talentosa e com um futuro brilhante na Literatura. Beijos.

anamar disse...

Olá Rosa... engraçado... presumo que do Brasil, pelo seu jeito de se expressar.

Constatei este seu comentário hoje, por acaso, numa deambulação de horas sem hora por aqui.
Ainda 2016, contudo muitos meses depois do seu simpático e carinhoso comentário. Talvez seja agora você que não se apercebe destas minhas palavras... quem sabe ?

Muita gente por esse mundo irmanada em dores, mágoas, formas de sentir, ansiedades, alegrias ou tristezas ! Muito mais do que supomos, considerando-nos sempre "bichos raros e estranhos", nestas nossas formas enviesadas de ser.

Pergunta-me de mim... Pois, se tem continuado a acompanhar-me por aqui, constatará que cada vez escrevo menos, mais espaçadamente, num entristecer progressivo de vida sem história. Uma "droga" como você diz.

Tenho contudo a sair, um livro meu de poesia, prémio ganho num concurso literário, onde também intervieram autores brasileiros, dado ser extensivo a autores lusófonos.
Chama-se "Silêncios" o meu livro, e obviamente é mais um pedaço de mim, desta feita em verso.

Agradeço uma vez mais as suas amáveis palavras, envio um beijinho e um xi-coração para si, e a certeza que deverá ter presente de que somos muitas almas soltas por aí com profundas inquietações e desânimos...

Também gostaria de saber de si, apenas não sei se neste emaranhado do virtual, nos voltaremos a cruzar ...

Maurício disse...

OI Inamar, incrível com me sinto igual a você: (Um merda!!!!)

Maurício disse...

Inamar é o Maurício de novo. Sinto-me como você, estou buscando força para sair disto, mas ainda não encontrei. Aos 48anos, olho para a minha vida, para a minha história e não vejo nada de bom. Gostaria de ser outra pessoa. Meu único sentimento hoje é uma enorme vontade de sumir!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

O tempo atravessa o corpo como se fosse um fantasma da existência, e às vezes, como um presente, você se pega num instante em pensamentos talvez nostalgia, chamado felicidade pra quem abita no escuro e não consegue ver luz.

[O grande pássaro bate suas asas no céu, mas vê que lá não é seu lugar, ele gosta do oceano, do fundo, do escuro, da calma, de simplesmente não ser o "eu" que todos querem. E então, não apenas como um devaneio mas com certeza absoluta, ele fecha suas grandes asas e mergulha no vasto céu em direção ao mar. "Pobre pássaro! Tu és pássaro, não és peixe." Diz a vida com um suspiro e um riso frouxo.
E quando ele conseguiu chegar a molhar seu bico, olhando pra aquele fundo pela água transparente, lhe veio nostalgia, e assim permaneceu o pássaro, pássaro!]

Anónimo disse...

Tudo aquilo que escreveu...parecia que estava a falar sobre mim, sobre a merda que eu sou. Mas digo-lhe uma coisa: quero lá saber dos que lutam para melhorar a situação deles, dos que poucas fragilidades emocionais têm, dos que vêm o bom no mau, dos que conseguem com muitas dificuldades o que desejam. Quero que essas pessoas vão para a merda. Sou o que sou e não devo explicações a ninguém, e se me dizem não lutas eu digo pois não e tu não tens nada a ver com isso, a vida é minha, se eu escolho ser uma merda é problema meu. Vivo na escuridão, podem dizer-me que há luz, não a vejo e não tenho de a ver, apenas quero que me deixem em paz, deixem-me em paz com as vossas opiniões de merda. Sou fraca? Problema meu, se me rebento de dores por causa disso são as minhas dores. Sou uma merda, deixem-me ser quem sou.

Sofia Leal