sábado, 16 de fevereiro de 2013

" MÃE CORAGEM ... "



Isto afinal não está tão bem feito, quanto isso !...

Seja o Grande Arquitecto, Deus, Maomé, Buda, Jeová ou quem mais se candidate a conceptor desta  coisa em que vivemos, houve nitidamente aspectos brutalmente negligenciados.
Já não falo do "vale de lágrimas" em que estamos mergulhados ... injustamente mergulhados, uns mais que outros ...
Já não falo das atribulações infames, por que temos que passar neste circo de gladiadores, em que parece ter-se transformado o Mundo e a existência ...
Já não falo da brincadeirinha de "moleques", com que diariamente "mangam" connosco, numa desfaçatez assustadora ...
Já não basta, como já referi vezes sem conta, sentirmo-nos peças de xadrês, de um xadrês jogado aleatoriamente, porque o Criador se está borrifando p'rá obra feita, na qual, por certo não se revê ...
Já não basta tudo isto, e foram logo esquecer o botão "on - off", fundamental para que cada ser vivente, pudesse deixar de o ser, quando assim o entendesse ...

É que ... bolas ... teria sido um sinalzinho de respeito e consideração, por quem não foi sequer inquirido, sobre querer ou não, participar desta farsa !...

A minha mãe está no fim dos seus dias.  Sei-o.  Pressinto-o.
Todos os dias ponho os ouvitos alerta, antes de me dirigir ao quarto onde dorme, onde definha, e onde se afoga em lágrimas, em soluços desesperantes, dignos de uma compaixão atroz.
E perscruto os sons antes de entrar, porque não sei se algum destes dias, eu não encontrarei a minha mãe, adormecida ... adormecida para sempre ...
E seria justo !  Justo que ela dormisse confortável na sua caminha, quentinha, aconchegada ... e sem  que tivesse tempo de relembrar uma outra vez, a sua vida, e os seus, aqueles que lhe partem o coração, deixar ... deixasse ela, esta vida longa, neste momento penosa, violentamente penosa, que ela já enjeita, de que já se cansou, que pede para terminar, e de que quer ir embora ...

Acredito que a minha mãe, pede todas as noites à santa padroeira da sua terra, do Alentejo tão distante ( a quem tantas vezes suplicou  por si, mas sobretudo pelos seus ), que a deixe partir ... que lhe conceda essa última "graça".
Uma estampazinha de Nossa Senhora de ao Pé da Cruz, está na sua cabeceira de cama, e presa na sua roupa interior, bem junto ao coração, suspensa de um alfinete, está a medalha que o Gaspar usou na coleira, enquanto viveu.
O Gaspar, um companheiro, mais que um companheiro ... um outro amor da sua vida, que partiu há quatro anos ...

Por que raio, tem o ser humano que percorrer uma Via Sacra de degradação, de sofrimento, de incapacidade, de dependência  ??!!...
Por que raio, tem que suportar a provação de se ver reduzido a um farrapo, a uma sombra, a nada ??!!...
Por que tem um indivíduo, de prescindir da sua  autonomia, privacidade, intimidade ??!!...
Por que tem que ser subtraído ao seu espaço, ao seu mundo, à sua vontade, porque a vida o incapacitou como "gente", lhe retirou o direito a ser dono de si próprio, e o transformou em objecto dos desígnios dos outros, por muito bem que lhe queiram, e por melhores intenções que os movam ??!!...
Por  que  terá  que  experimentar  a  fragilidade  da  humilhação,  da  dúvida,  da  angústia,  do   medo ...  do   desconhecido ...  da  solidão ??!!...

Ao menos, que a mente e o raciocínio claudicassem ao ritmo a que claudica todo o restante invólucro físico, porque  com  eles  iria  a  consciência  do  estar e  do  ser, e  o  consequente  sofrimento  inerente ! ...

Mas também aqui, não podemos "encomendar" ... e resta-nos, impotentemente, manter alguma serenidade, algum pragmatismo na aceitação das coisas, uma transcendente e misericordiosa paciência, e uma generosidade e afecto, que por vezes, por cansaço parecem  faltar-nos ...

Sei que a minha responsabilidade é imensa ...
Sei  que  não poderei  falhar  nesta recta final ...  por forma a dar-lhe a mão, ser-lhe até ao fim dos fins, um bordão de amparo, e ter uns braços tão fortes e resistentes, quanto os que ela teve um dia, lá muito atrás, para me pegar, envolver e proteger, quando iniciei, também eu, igualmente frágil, igualmente insegura, igualmente angustiada e com medo ... a minha caminhada por aqui !
Espero não a defraudar !
Espero estar à altura da Mulher de fibra que ela sempre foi !
Espero saber honrar a lutadora e a "Mãe Coragem", que ela, sim, verdadeiramente encarnou no seu percurso !...

Anamar

2 comentários:

F Nando disse...

Emocionei-me as palavras cruzam-se com situações já vividas e que não se esquecem. Acordei o passado...
Beijinho

anamar disse...

Acredito Fernando...e desculpa se tas fiz despertar.

Seja em que contexto for, mãe é sempre mãe ... afinal !

Beijinhos

Anamar