sexta-feira, 14 de março de 2014

" A MULHER, O ESPELHO E REFLEXO "



Deambulando por aí, deparei-me com este artigo, bem interessante, escrito também por uma mulher.

Achei-o curioso, e tanto mais, porque vinha o mesmo, como que em continuidade do que eu escrevera no post anterior.
Parecia que o meu pensamento, e o da autora, se haviam cruzado !
Trata-se dum texto muito bem escrito, muito lúcido, muito objectivo ...
E  com  um  toque de extrema  sensibilidade,  na  delicadeza  das  abordagens, devido  evidentemente, a uma  alma  e  a um  espírito femininos !

Achei-o merecedor de divulgação, e ofereço-o em particular às minhas leitoras, obviamente. Espero que o apreciem.


Por: Benedita Enildes de Campos Corrêa

A mulher, o espelho e reflexo


O tempo passou, a idade avançou e é como se eu tivesse atravessado a fronteira do tempo entre a juventude e a maturidade quase sem me dar conta. Agora, é mais fácil entender os idosos quando dizem que o tempo passa tão rápido.

Aos 47 anos, a relação com a vida mudou. Com o espelho também. Às vezes, ele parece refletir quase a mesma imagem de tempos atrás. Outros momentos, todavia, o espelho traz à tona um novo rosto, revelando como de uma só vez, abruptamente, as mudanças ocorridas no decorrer dos anos.

Agora, diante do espelho, percebo-me de forma diferente: uma expressão com a sua própria unicidade, a qual não rotulo mais, de bonita ou feia, como antes. Aos poucos, vou desapegando-me da imagem física. Afinal, nós não somos o corpo. Questiono-me acerca do mistério da alma contido nas camadas profundas do corpo. Quem é esse Ser na sua totalidade que o corpo cobre e testemunha tudo o que acontece? Quem olha através dos meus olhos para o espelho? Quais as faces que permanecem desconhecidas dentro de mim e que ainda poderão ser reveladas?

Faço uma  retrospectiva no tempo e vejo meu corpo como um palco no  qual transcorreram  cenas de lutas com vitórias e derrotas, resistências e entregas, atos de bravura e fraqueza, encontros e desencontros, encantos e desencantos,  risos e prantos, gritos e silêncios, amargores e êxtases.  Cenas que não tiveram ensaios prévios, acontecimentos que deixaram uma forte experiência e muita gratidão com tudo que me remeteu para dentro de mim, fazendo-me buscar o encontro comigo mesma, sem o qual é impossível o nosso encontro com o Todo. 
Experiências vivenciadas neste corpo que me foram desamarrando, libertando de ilusões, bloqueios e de muitos apegos, dando-me a impressão de ter vivido mais de uma encarnação num único corpo. Quantas transformações! Em contraste com a experiência adquirida, dentro há uma jovialidade que transcende tempo e forma. É como se houvesse em  mim várias mulheres de idades diferentes - de uma  criança a uma anciã. E uma disposição para confiar na vida que o mergulho em mim mesma através do tempo fez acontecer.

A dedicação ao autoconhecimento me abriu um espaço de profunda intimidade e compreensão do mundo interno, o que tem me permitido lidar com as mudanças físicas de um modo mais natural, apesar, é claro, de o espelho testemunhar alguns conflitos e contradições, que é normal em toda fase de transição, em especial, na vida da mulher. Quando entramos no nosso  interior entendemos melhor a relação entre corpo, mente e energia. Não nos tornamos presas fáceis dos desejos e das loucas demandas da mente, bem como das exigências desta nossa sociedade de consumo que cultua a imagem do corpo de forma extremamente exacerbada, tornando-se uma insanidade.

Nesta nova experiência com o espelho, o corpo e o reflexo, chegam-me as palavras do querido amigo, Dr. Paraná de Oliveira, o qual deixou o corpo aos 89 anos:  “ter o senso de beleza mais desenvolvido é uma qualidade excepcional. Não é qualquer um que a tem. A beleza  física  não tem muito mérito, é transitória, passageira. A beleza  interior é permanente,  porém, mais difícil de encontrar e atrai a simpatia das pessoas. Ela é obra pessoal  do titular. O titular a constrói. E para aqueles que gozam da beleza interior, o  corpo pode  não ser  tão  bonito, mas sempre se descobre um ângulo que o favoreça, mesmo com a idade. É como o fotógrafo que concebe o ângulo mais bonito da mulher para fotografá-la e termina descobrindo aquele que a deixa mais bela.”
Durante um satsang com Kiran Kanakia na Índia, místico sufi indiano, alguém  lhe perguntou como aprender a permanecer em harmonia com o corpo  quando este vai  envelhecendo.  Eu fiz um registro de  parte da sua mensagem:

“Envelhecer é um fenômeno biológico natural do corpo. Compreenda o corpo, as suas demandas, o que e o quanto ele necessita neste momento. Ouça-o. Esta compreensão da linguagem e da situação do corpo o mantém em harmonia. Uma vez que você está em harmonia com o corpo, há uma  beleza natural nele com a idade também. Não há nada errado em aceitar que o corpo está ficando velho. Aceite isso. Uma vez que você aceita não vai forçar o corpo a se tornar jovem.  Há uma aceitação harmoniosa do envelhecimento.

Não há beleza  somente nas pessoas jovens. Há beleza nas pessoas idosas também. Beleza é a harmonia que está no corpo. Beleza não é a forma do nariz,  dos olhos, do rosto, do corpo. Beleza não está na idade. Beleza está na harmonia. Harmonia é beleza. Uma vez que você vai entrando em harmonia com a vida, há uma beleza interior que ressalta. Se você permanece em harmonia há uma beleza natural e fica livre de todo esse medo de envelhecer.”
Tenho aprendido com Kiran que a compreensão e a aceitação da natureza da vida do jeito que é, interna e externa, nos conectam com a harmonia - nosso estado natural. Que é possível viver com celebração, da infância à velhice. A Existência não é miserável e a cada momento nos dá muitos presentes. Só precisamos estar de olhos abertos para enxergar.

À medida que o tempo passa, dou-me conta de que a melhor fase  é aquela em que nos inserimos na vida com totalidade e consciência. Então, permanecemos no aqui e agora, onde aspiramos o perfume da sagrada comunhão com a Existência. Vivendo a idade da maturidade constato haver certos frutos que, normalmente, só podem ser colhidos a partir desta época. E em qualquer idade é possível descobrir o nosso melhor ângulo, mesmo diante do espelho.

Dou graças à Vida por tomar consciência de que dentro do corpo há aquela parte que não envelhece, que nunca morre. E agradeço a Deus a paz, a harmonia, a beleza e, por que não, o Mistério de cada dia.


Anamar

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