quarta-feira, 5 de março de 2014

" A VIDA É MUITO LONGA " ( J. S. Elliot )

 

O passado já passou, o futuro não sabemos se chega, a "hora" é o presente ... dizem ...

O passado  foi  ontem, teoricamente morto e enterrado, talvez recusado, talvez esquecido, por tão remoto já ...
Normalmente, quando se pensa no passado, ou em acontecimentos do passado, há quase sempre uma cortina de nevoeiro, que se abate sobre ele, lançada pelo tempo implacável, que entretanto correu, ou porque a nossa memória selectiva, pretende ofuscá-lo, recusa "olhá-lo", por defesa emocional, muitas vezes.
E mercê do "drible" que fazemos aos anos, apagamos intencionalmente, muito de nós, lá para trás, numa negação do que nos marcou, talvez desfavoravelmente ...
Ou talvez doídamente apenas, porque não conseguimos então, segurar o fluxo da vida, embora o tivéssemos querido.
Às vezes fica a saudade, que é o reviver do que acabou mas não acabou, restando-nos a projecção na tela da memória, num exercício de esforço mental, do que morreu mas não morreu, e onde frequentemente esgravatamos, tentando pôr cor no que já está a sépia, no que já está tão esbatido e tão pálido, que começa a ficar inevitavelmente difuso ...
Tentando pôr som e calor, vozes, risos e lágrimas, nos "takes" que, de imediato, tentam sumir !...

E definidos, ficam apenas alguns "flashes", ficam por instantes fugidios, cheiros, emoções, palavras ditas, momentos sentidos, instantes que repentinamente parecem saltar de uma amálgama de mortos, que se negam a partir ...
E mói-se, e remói-se, e a mente pára, e os olhos perdem-se, a olhar ... como se ainda pudessem ver !
E o frio instala-se mais e mais, oferecendo uma resistência feroz a largar-nos !

E fica aquele cinzento de chuva miúda, a tombar-nos cá dentro, a encharcar-nos até à alma ...

É também uma saudade, não só do tempo, mas talvez e sobretudo, de nós mesmos, daquilo que nós éramos então.
Saudade da força, da vontade, da esperança, das ilusões, dos sonhos, de tudo para o que ainda tínhamos então, coragem, fé e tenacidade, para arrostar ...
Saudade da juventude que julgávamos deter, da força com que apostávamos em cada momento, da loucura pelo que experienciávamos, e jurávamos incapaz de morrer ...

Julgo poder dizer  que sou uma mulher "de passado", ainda que o passado possa ser o ontem, o último ano, dez anos atrás, o dia em que nasci ...
E não sou "de futuro", porque ele me assusta, e não me é credível !
O futuro para mim, é um monstro decrépito, que vai chegando, com o único objectivo de apenas me encaminhar adiante, queira eu ou não, que ri, indiferente à minha raiva e decepção, que é carrasco e justiceiro.
O futuro, cumpre a injustiça da Vida ...

O presente é isto, esta coisa de filme a preto e branco.
É esta prisão com corredor de morte, ou de pena perpétua.  O presente são algemas nos braços e grilhetas pesadas nos pés, que eu bem as sinto !...
Arrasto-as com muito cansaço.  Têm um peso infinito.  Oiço o arrastar das correntes, e o ranger dos aloquetes ...
Fazer o quê ??  Estou cansada, demasiado cansada deste trilho longo, longo !!...

Resta-me obviamente o passado, que já passou ... dizem ...
Mas  esse, ao  menos  é  certo,  porque  já  o  vivi.  Esse, não  me engana  mais, com  falsas  promessas ...
Esse, já não me reserva surpresas ou novidades, doces ou  amargas, porque esse ocupa as páginas já lidas, do meu livro !...

Só que está a fugir-me cada vez mais ...  Está a sumir-se  rapidamente, como as fotografias nas molduras.
As que atestam felicidade encaixilhada, as que revelam dissonantes estados de alma, as que narram história, mais ou menos rocambolesca, mais ou menos bem contada, de tempos reais ou inventados, num jogo de sombra  e  luz ... as  que  desnudam  sonhos  vividos, ou  apenas  sonhados ...

Qualquer dia, nem esse já tenho !
De facto,  " A vida é muito longa "  ( J.S. Elliot ) !!!...

Anamar

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